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Ainda a propósito da recente visita do Chefe de Estado chinês, ontem Paulo Portas teceu uma série de muito oportunas considerações a propósito das relações internacionais portuguesas, mostrando-se moderadamente entusiasmado e chamando à razão que directamente provem de um quase ininterrupto processo histórico secular. Muito positivo, sem dúvida.
Não se trataria de qualquer excentricidade, se durante demasiado tempo todo o esquema vigente em Lisboa não tivesse sofrido um deliberado e oportunista curto-circuito mental que apagou precisamente a memória daquilo que ontem através da sua boca terá miraculosamente ressuscitado. Todos recordamos as tiradas de Sampaio a propósito da ilha indonésia que foi Timor e das decorrentes humilhantes e infindáveis esperas a que se submeteu nos corredores ministeriais de Lisboa um homem da classe de Ramos Horta, aquele que seria o Prémio Nobel da Paz que sempre escapou a qualquer outro português. Sampaio é apenas um daqueles que foi emulado por praticamente toda a gente que do regime se tem servido, alijando como tralha inútil aquilo que ciosamente deveria ter sido preservado como continuidade de um país que se reconhece e pretende progredir, adaptando-se a qualquer modificação da ordem internacional e mantendo intacto o núcleo duro da sua política externa, precisamente o que não pode mudar ao sabor da corrente ou interesses de grupo. Foram e ainda são fracos imitadores do que de fora vem, estando muito distantes daquilo que britânicos, espanhóis ou franceses têm feito. Deveriam ter aprendido algo com D. Carlos I que antes de dar posse a qualquer um dos seus Presidentes do Conselho, os advertia como princípio basilar de conduta internacional:
- Toma nota de que poderemos estar de mal com todo o mundo, menos com a Inglaterra e o Brasil.
O mesmo princípio é hoje extensível a todos os países componentes da CPLP e a quem connosco tem aproximadas relações de dimensão variável como as económicas, políticas ou históricas na Europa, Américas, África e Ásia e no pleno respeito pela ordem interna de cada um ditada pela soberania.
Seguindo adiante, muito tempo viveu Portugal diante do El Dorado das croissanteries pagas com perdidos fundos europeus, nisto irmanando-se os três partidos que rotineiramente têm feito a alternância do exercício do poder. Enfim, gostam e ainda almejam dar-se a ares europeus, mesmo que os seus homólogos do eixo Estrasburgo-Bruxelas, na sua imensa maioria utentes de passaportes provenientes de algo que existe no mapa-mundi há pouco mais de um século, entre discreta galhofa dentro de portas os reduzam a todos como partisanos de "copos e gajas" e a quem, nesta hora aflitiva da U.E., entre duas palmadinhas nas costas atiram uns amendoins que os entretenha.
O que pareceu ser uma novidade, afinal nunca o foi para os mais atentos e sofríveis conhecedores da nossa história. Estando quem esteja no poder, voltou-se ao equilíbrio que nos fez ser alguém neste planeta e isso é o que há a reter. Oxalá não seja mais um subterfúgio tendo na mira mais uns tantos confortáveis lugares e respectiva engorda de conta bancária in ou offshore.
Nisso o regime teve pleno sucesso, o de fazer da imensa maioria dos portugueses gente muito desconfiada.
A continuidade histórica foi retomada e um bom exemplo foi o simbólico desfraldar de todas as bandeiras que foram, são e para sempre serão portuguesas. Para despeito de alguns que ainda são demasiados, foi isso mesmo o que os mais altos órgãos do Estado finalmente assumiram. Portugal não surgiu em 1385, 1640, 1810, 1820, 1834, 1910, 1926 ou 1974. Assume assim integralmente todo o seu passado quase milenar.
Agora, falando ainda mais a sério, aqui fica a necessária opinião acerca da dupla que foi ao Brasil comemorar não uma mera festa nacional que nem sequer é o dia da independência do Estado, mas sim a Portugalidade em tudo o que o termo encerra no seu todo pluricontinental, como um quase esquecido comunicado um dia infelizmente rezou em vão.
O 10 de Junho estendeu-se a países extra-europeus e isso é positivo. Os portugueses e respectiva descendência que por lá vivem e trabalham têm sido olhados como meros utensílios arrecada-divisas e este aspecto não é apenas algo imputável a este regime que deles tem abusado, pois o abusivo costume verifica-se desde há muito. Na história dos nossos trisavós, foram evidentes os sobressaltos quando a Metrópole se viu atingida por esta ou aquela quebra da moeda ou crise económica e financeira além Atlântico. Já era tempo de vermos nos nossos compatriotas não apenas o que tradicionalmente a abstenção total que grassava nos gabinetes de Lisboa impediu de considerar, ou seja, valiosos agentes fora de portas, servindo não apenas os nossos interesses da exportação de produtos portugueses, mas sim como força de influência.
Por estes dias, assinalaram-se os vinte e cinco anos da criação da World Wide Web, sendo de referir que este ano também decorrem vinte anos da chegada da Internet a Portugal.
Penso que podemos dizer que Portugal aderiu relativamente bem à Internet, talvez pelo melhor domínio da língua inglesa comparativamente a outros povos, e aderiu melhor e mais atempadamente que outros países (França, por exemplo, apesar de já aí existir um sistema funcional mas muito mais primitivo desde 1980, o Minitel). Desses tempos, recordo-me do fascínio que foi descobrir este maravilhoso meio de partilha de informação e da comunicação entre utilizadores, independentemente da sua localização geográfica. De repente, podia-se consultar publicações de universidades americanas, os jornais australianos, conversar com amigos que se iam fazendo em várias partes do mundo, em simultâneo estivessem eles em Macau ou no Canadá, ou participar em grupos de debate internacionais. Hoje tudo isto é absolutamente banal. Mas, nas minhas primeiras navegações em princípios de 1995, a capacidade para enviar e receber informação de um computador para outro através do mundo, em fracções de segundo, ainda era qualquer coisa de formidável. Lembro-me de, certo dia, um amigo brasileiro enviar-me fotografias tiradas momentos antes nos confins da Amazónia, através de uma ligação via satélite, e de muita gente a quem eu contava isto não acreditar que fosse real. Aliás, a grande maioria não conseguia entender do que a Internet se tratava e achava que nós, os internautas dos primeiros tempos, éramos uns maluquinhos que sabe-se lá por que razão passavam muito tempo frente ao computador.
A propósito, recordo-me uma história curiosa que me contaram na altura. Antes da Microsoft apostar na Internet - Bill Gates, inicialmente, não lhe adivinhava grande futuro - e de se generalizar o browser Internet Explorer, o programa de consulta na WWW mais usado era outro, produzido por uma empresa norte-americana chamada Nestcape.
Elaborado o programa, a empresa teve o problema de escolher-lhe um nome eficaz. Tal como disse, nesses tempos muita gente não conseguia assimilar verdadeiramente do que a Internet se tratava, e dizer que era um programa para consultar uma base de dados seria pouco apelativo. Um dos programadores, neto de emigrantes portugueses, explicou ao responsável pela comercialização que a WWW era mais que uma base de dados, que era um verdadeiro oceano de informação disponível, que estava à espera de ser descoberta para ser consultada. Circular na internet seria como navegar num oceano, à descoberta, como fizeram os navegadores portugueses. Assim, propôs um nome condizente, que foi adoptado: Nescape Navigator. Surgiu assim a expressão «navegar» na Internet. Talvez alguns internautas dessa época tenham reparado que os primeiros logotipos do Navigator eram uma roda do leme em madeira, como as das caravelas, com a Cruz de Cristo no centro. Perante o sucesso do Nescape Navigator, a Microsoft lançou o seu próprio browser com um nome usando o mesmo conceito, o Internet Explorer.
E assim ficou uma pequena, ligeira marca de portugalidade no desenvolvimento da Internet, e tudo graças a um americano que se lembrou das suas raízes portuguesas. Isto é o que se chama herança cultural.
Francisco da Cunha Leão, Do Homem Português:
«O homem preferido pelo português é o herói iluminado, cuja acção, tantas vezes intrépida, tem auréola de missão, um halo de poesia ou de transcendente destino.
Oliveira Martins, ao observar que o fundo céltico se manifesta em alto grau nos tipos humanos excepcionais da história pátria, como Nun’Álvares e D. João de Castro (este na sua ingénua ternura pela natureza), teve a intuição perfeita do herói português.
Logo no Amadis, esse ideal antropológico que se evidencia, todo pureza e sonho.
O herói iluminado não é simples impulsivo nem mero militante. Cabe aqui distingui-lo do tantas vezes temerário espanhol, propenso ao militantismo extremo, seguro do seu ideal enfático de personalidade.
O instrospeccionismo saudoso e as inferioridades numéricas, de que nunca esta nação se libertou, concorriam para preencher reflexivamente os entreactos da aventura, tornando-a eficaz. Há sinceridade na máscara do herói português. Basta olhar a face dos figurantes que povoam os painéis de Nuno Gonçalves. É resignado o rosto dos nossos Cristos, intimamente sofredores, em contraste com os espanhóis, tétricos, espectaculares.
O heroísmo foi inscrito por João de Castro Osório como característica dominante dos portugueses.
Heróico ou não, o comum dos portugueses só rende quanto é capaz, desde que situado em missão. O simples economismo só de níveis de vida e maquinetas, embora o interesse bastante, até pelo aspecto reclamativo social e político, não o prende totalmente. Quer a missão, campanha que pode ter carácter económico e social.
Uma vez que a não sinta, degrada-se. A crise da missão histórica reflectiu-se em crise do homem. Pulularam então os subprodutos do heroísmo: - o marialva, o fadista, conforme os escalões sociais, e certos bandoleiros; entre estes últimos, José do Telhado é do tipo galaico, José Brandão, do lusitano. Já o libertinismo puro não é connosco, amorosos por natureza, apaixonadiços, inflamáveis. O cálculo frio, em amor, é-nos difícil sustentar.»