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Gente que me criticou por reivindicar uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, afirmando que eu estava a querer viver à custa do erário público, mas que nunca se preocupou em saber o que acontece ao dinheiro público investido em Ciência e quais os resultados dos projectos de investigação colectivos ou individuais financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Gente que me criticou por lançar uma campanha de crowdfunding para financiar as propinas do meu doutoramento, argumentando que há pessoas a passar fome ou a viver na rua que são mais merecedoras de apoio financeiro do que um doutoramento, e que certamente deve dedicar parte do seu tempo e dinheiro a ajudar estas pessoas pouco afortunadas ou a praticar a caridade em geral.
Gente que critica os atletas portugueses por não ganharem medalhas nos Jogos Olímpicos, afirmando que o país não é devidamente recompensado pelo investimento que faz nestes atletas, quando o desporto em Portugal é parcamente financiado pelo dinheiro dos contribuintes, sendo a participação dos atletas nos Jogos Olímpicos resultado, em primeiro lugar, do esforço e do investimento dos próprios atletas.
Gente que passa a vida a falar em empreendedorismo, a exaltar as virtudes do sector privado, a diabolizar o sector público e o Estado e a criticar os que recebem dinheiro do erário público, mas que anda sempre de mão dada com o Estado para que este contrate a sua empresa ou lhe arranje uns contratos noutros países ou de mão estendida para que o Estado financie a sua empresa com dinheiro dos contribuintes.
Gente que ainda não percebeu que nem tudo o que o sector privado faz é mau, nem tudo o que o Estado faz é bom e vice-versa.
Gente que defende o princípio de que o Estado deve cumprir os seus compromissos internacionais, mas que não se importa que este incumpra os compromissos que tem para com os seus cidadãos e empresas, excepto se disserem respeito ao financiamento estatal de algo que seja do seu agrado, como, por exemplo, colégios privados, pelo que aí o pacta sunt servanda volta a ser um princípio inviolável.
Gente que quando a direita está no governo brada aos céus que essa governação enferma do pecado de ser ideológica, como se a da esquerda não o fosse – ou qualquer governação.
Gente que julga ter contactos imediatos com “a realidade” e que o seu conhecimento sobre o que esta é valida as suas posições e invalida as dos outros.
Gente que ainda não percebeu que nem tudo o que é legal é lícito e continua a cometer actos que o mais elementar bom senso desaconselharia, justificando-se com o argumento de que a lei o permite, esquecendo-se ou ignorando que o Estado de Legalidade não é o mesmo que o Estado de Direito.
Gente que exalta a meritocracia, mas não hesita em accionar cunhas para si, para os amigos ou para os familiares e que ainda é capaz de acusar terceiros de amiguismo e nepotismo.
Gente que clama contra a corrupção, mas que é corrupta até mais não.
Gente que afirma seguir elevadíssimos valores morais, mas que sempre que lhe é conveniente não hesita em metê-los na gaveta, se é que alguma vez seguiu os valores que proclama.
Gente que não é capaz de seguir a conduta moral que exige dos outros.
Gente que não hesita em fazer aquilo que critica que outros façam.
Gente que defende ou critica determinada decisão consoante a pessoa que a toma seja ou não da mesma cor política, clube, religião ou qualquer outro tipo de afiliação.
Gente que acha que quanto mais alto gritar, mais razão terá.
Gente que acha que se repetir muitas vezes uma mentira, nas mentes de outros passará mesmo a ser uma verdade.
No fundo, gente que faz da hipocrisia, do cinismo, da indignação selectiva e dos double standards um modo de vida.
Não existe tal coisa de caça à multa. Foram os próprios condutores portugueses que de mão beijada entregaram 907 milhões de euros à Administração Central em 2015. Este imposto, esta forma de austeridade, é totalmente voluntário. São os condutores que se fazem à estrada que não respeitam o código de estrada, que gastam mais benzina do que deviam, que bebem quando deviam jejuar, que aceleram onde não devem, que estacionam nos locais reservados a deficientes ou que pisam traços contínuos. Aqui não se trata de ideologia, de partidarite, de esquerda ou de direita. Trata-se de indisciplina colectiva, de falta de civismo, de correr riscos com a vida dos outros. É semelhante ao flagelo dos incêndios, com a diferença de servir a colecta - transgredir é uma fonte de receitas para o Estado. No entanto, as polícias de trânsito não fazem mais do que a sua obrigação. Até parece que as brigadas de trânsito têm meios e mais meios para defender a segurança dos portugueses nas estradas de Portugal. Não é verdade. Os agentes de trânsito são quase voluntários, são quase bombeiros. Por esta e outras razões, são os condutores encartados de Portugal (ou nem por isso) que devem decidir se querem continuar a pagar este imposto. O semáforo fechado é sempre culpa do outro. O lugar do deficiente à mão de estacionar é culpa do paralisado. Não há paciência. Não há pachorra. Arranca. Está verde-tinto.
Foi na faculdade que descobri a profissão de intérprete de conferência. Estava no segundo ano do curso de Relações Internacionais quando os meus serviços foram requeridos impromptu. Em 1994, a Universidade Lusíada de Lisboa organizou uma conferência alusiva à arquitectura política da Europa no pós-União Soviética. Para o efeito convidaram um dos conselheiros políticos de Gorbachev, o Prof. Alexander Likhotal, para proferir um discurso sobre o tema, mas, inadvertidamente, os organizadores da conferência esqueceram-se de que necessitariam de um intérprete para o professor russo, uma vez que outros oradores servir-se-iam da língua portuguesa para endereçar as suas palavras ao auditório. Na qualidade de aluno bilingue fui chamado para dar uma mão, e converter as mensagens em língua inglesa para o convidado russo. A técnica de interpretação que empreguei chama-se chuchotage - murmurar directamente para o ouvido do destinatário. O processo é exigente e extenuante, mas descobri um filão profissional interessante e bem pago. No dia seguinte, à americana (sem cordelinhos, cunhas ou amigos), fui bater de porta em porta para oferecer os meus serviços de intérprete, e à laia de beginner´s luck, fui contratado à primeira. A agência de interpretação que me recrutou pôs-me em campo passado pouco tempo. De trabalho em trabalho fui crescendo, tendo tido várias tarefas interessantes. Por exemplo, a interpretação do discurso de tomada de posse do ex-presidente dos E.U.A. George W. Bush em directo na SIC Notícias, ou, mais recentemente, a interpretação consecutiva das conferências de imprensa pre-match and post-match de José Mourinho no âmbito do jogo de futebol entre o Sporting e o Chelsea para a Liga dos Campeões, cujos destinatários foram os espectadores da SKY News, de entre outros de diversas antenas internacionais. Mas o que me traz aqui hoje não se prende necessariamente comigo. Tem a ver com a defesa das virtudes linguísticas dos portugueses. Da minha experiência de intérprete de inglês-português-inglês (ENG-PT-ENG), e com mais de 200 conferências em cima dos ombros, posso concluir, sem reservas de opinião, que os portugueses têm talento para línguas "estrangeiras". Nem queiram comparar um espanhol e um português no que diz respeito ao uso da língua de Shakespeare. Os intérpretes sabem que uma das piores favas que pode sair no bolo é terem de levar com um espanhol a proferir um discurso em inglês. Pode ser que o interlocutor fale em inglês, mas a coisa soa sempre a castellano e causa grandes transtornos cognitivos aos intérpretes. Esta é a verdade, independentemente de estudos académicos que possam conhecer a luz do dia. Numa das conferências em que tive de gramar um espanhol a "discursar" em inglês, levei uma cotovelada da minha colega intérprete, porque, totalmente convencido dos meus préstimos, estava literalmente, e palavra a palavra, a "traduzir" de inglês para inglês, tal era a espanholização da língua - parecia mesmo outra língua. Os portugueses, por seu turno, chegam a qualquer destino e, volvido muito pouco tempo, integram a língua de destino no seu espírito. Conheço múltiplos casos de sucesso. Um amigo, emigrado para a Alemanha há mais de uma década, passados seis meses já tratava a língua alemã por tu. Tenho mais exemplos no bolso, alusivos ao especial talento dos cidadãos portugueses para aprender línguas que não a de Camões, camones, mas quedo-me por aqui. Se me derem a escolher, nem sequer hesito, os portugueses ocupam um lugar no pódio. Quanto aos espanhóis, perdoem-me o desabafo, são uma dor de cabeça quando se põem a chalrar em inglês.
Sabem o que deitou Portugal abaixo? Não foi a grande teoria política, a doutrina ideológica revanchista. Não, senhor. Foi o chico-esperto que estaciona em segunda fila porque se julga o primeiro. Foi o malandro que procura um jeitinho na repartição. Foi o primo que arranjou o emprego para o afilhado lá na empresa. Foi a comadre que abarbatou os lápis e os afiadores da despensa escolar. Foi o artista que viu a sua obra publicada pela ex que manda lá na editora. Foi o construtor que subtraiu o valor do SISA na assinatura do contrato de compra e venda. Foi o realizador que orçamentou muito acima do valor necessário e que me meteu muita fita no bolso. Agora multipliquem isto tudo por 100 e terão os políticos que governaram Portugal nas últimas décadas. É mais ou menos isto, não é?
Vou-me rir na cara de tanta gente quando Poiares Maduro cair em desgraça - vide Álvaro Santos Pereira. Até lá, boa sorte ao novo governante.
112 recebe enchente de chamadas de pessoas com ideias suicidas
Mas não, claro que nada justifica o protesto - ainda que este extravase a suposta legalidade. Não há descontentamento generalizado algum e o país está cada vez melhor. Só não vi tanta gente preocupada com a liberdade de expressão quando Relvas andou a silenciar jornalistas (conforme nos recorda o Pedro Picoito), ou até mesmo com a legalidade, quando relativizaram o episódio da licenciatura forjada. A verticalidade tem dias, como se sabe. Poucos ou nenhuns, infelizmente. Um dia, se e quando a direitalhada descer do pedestal estratosférico onde vive ultimamente, talvez seja tarde demais. Como costuma dizer o Professor José Adelino Maltez, o maquiavelismo "parecendo ter razão no curto prazo, logo a perde a médio e a longo prazos. Porque, além de ser uma péssima moral é uma não menos péssima política."
Alberto Gonçalves, A carteira e a vida:
«As patrulhas não dormem. Uma campanha da Samsung filmou uma jovem ligada à moda a enumerar desejos para 2013. O principal desejo consistiu numa carteira Chanel, que a jovem sonha comprar logo que junte dinheiro para tal. A irrelevância do anúncio é tamanha que nenhuma criatura psicologicamente equilibrada repararia nele. Por sorte, o Facebook está repleto de criaturas à beira de um colapso nervoso e o filmezinho em questão transformou-se depressa no que agora se designa por fenómeno viral. Muitos milhares de pessoas decidiram considerar criminosa a ambição pela tal carteira e, com a indispensável valentia que define a raça, começaram um processo de enxovalhamento da jovem, de seu nome Filipa Xavier.
É ou não é bonito? É, sim senhor. Sobretudo num país em que todos os dias figuras públicas, semi-públicas e anónimas exprimem sem pudor nem consequências alucinados apetites. O dr. Mário Soares pode ansiar por guerras civis, europeias ou mundiais que o vulgo não arrisca um comentário menos abonatório. O inqualificável prof. Freitas e o sr. Carlos da CGTP reclamam a dissolução do Parlamento e o vulgo acha o pedido normalíssimo. Diversos capitães de Abril reivindicam golpes de Estado e o vulgo não dá um pio. Comentadores encartados e o sr. Baptista da Silva convocam a "solidariedade" europeia a patrocinar-nos os delírios e o vulgo aplaude. Jornalistas que perceberam mal a natureza da profissão adoptam a retórica demagógica em vigor e o vulgo aprecia a proeza. O próprio vulgo, ou parte dele, ciranda por manifestações e "telejornais" a exigir em simultâneo protecção social e isenção de impostos. E nada disto suscita uma fracção do escárnio inspirado pela carteira Chanel. Ou uma chamada aos estúdios da Sic.
Numa das páginas mais embaraçosas do jornalismo pátrio, Filipa Xavier viu-se entrevistada no noticiário por aquela senhora que, durante dez minutos, tentou uma carreira como correspondente de guerra. "Entrevistada" é força de expressão: Filipa Xavier foi alvo de um interrogatório paternalista, onde acabou forçada a fazer votos de pobreza pessoal e familiar, a mostrar-se aflitinha com a situação económica e, juro, a garantir que ajudaria os desvalidos a vestirem-se para concorrer a um emprego. Entretanto, a referida "jornalista" esqueceu--se de exibir o guarda-roupa ou de anunciar a partilha do salário, decerto superior aos confessos 700 euros de Filipa Xavier. E a Samsung suspendeu a campanha. A pior crise está nas cabeças, não na carteira.»
Ou melhor, gosto dos chineses que têm uma engomadoria onde costumo deixar as camisas. Nem sequer recebo um papel em troca. Fazem um trabalho impecável a um preço imbatível. Estão sempre cheios de trabalho, com imensa roupa por todo o lado, e parecem conhecer de cor a roupa dos clientes. Há mais de um ano que lá vou, nunca tive qualquer problema. Já os fatos, costumo deixá-los na 5 a Sec do Chiado. Perderam-me um fato. Pediram-me um dia para o procurarem, acedi. Ligaram-me, não encontraram o fato, pediram-me para fazer um esforço para me lembrar a quem teria entregue o fato. Não me recordo, e também não sei de que adiantaria. Fui lá, pediram-me para ajudar a procurar, acedi simpaticamente, mas sem resultados. Entretanto dizem-me que porventura outro cliente poderá ter levado o fato, e que teria que aguardar que alguém ligasse. Nesta altura acabou-se o sorriso. Retorqui que, como imaginam, o fato faz-me falta e que não é solução alguma ficar à espera que um cliente ligue. A senhora ter-se-á apercebido da asneira. Aventou a hipótese de que alguém da Louis Vuitton pudesse ter levado o fato por engano, dizendo-me que isso já tem acontecido porque levam muita coisa. Pediram-me para aguardar mais um dia. Já não sei quem é que dizia que o maior problema de Portugal é a falta de organização. Gosto de chineses.
(vídeo sugerido pelo António Costa Amaral)
Ricardo Lima, Os Portugueses não são números:
«A quadrilha tecnocrata que a academia pariu, embriagada nos títulos que a pompa, a circunstância e a graça do financiamento público garante, erra. E não erra por se enamorar da matemática, fiel amiga do saber. Erra quando por ela se obceca, esquecendo outras prendadas garotas cujos cantares são fulcrais ao feliz entendimento de uma nação, do seu povo e das suas efemérides.
(...)
A pretensão de salvar o país com modelos matemáticos saídos de empurrão de umas tantas cubatas cimentadas a que os mais visionários resolveram apelidar, quiçá por simpatia, de Universidades e Institutos é o mesmo que pretender salvar o Casamento com rosas, bombons e travessias de ferry a Marrocos. Ao início parece que tudo vai correr bem, a quem está de fora o cenário é positivo, até se deparar com um mancebo magrebino no próprio leito. Ora, no pós-operatório desta road-trip literária, retorno ao início. Da muitas sodomizações ao latim que a esquerda-caviar do rojão e do favaios promove, “os portugueses não são números” é dos poucos chavões cujo conteúdo foge ao desnível comum.
(...)
Querer fazer política rejeitando não só os modos de ser, as tradições, a cultura e os valores de cada um e das comunidades em que este se projecta não é apenas imoral e imprudente. É, sobretudo, a receita certa para uma barracada de proporções astronómicas.»
Mais um magnífico e inspiradíssimo post do Dragão, cuja leitura integral constitui um regalo intelectual. Ficam alguns excertos para abrir o apetite:
«Toda esta gente, bem no fundo, padece apenas dum mal das tripas -dado que neles o aparelho digestivo é mais complexo que nas pessoas normais, fazendo o cérebro parte crucial dele, na forma de tripa superior, ou intestino grosseiro -, que se resume num nome simples:: estrangeirite. Se o resto da europa tinha tido, nós também tínhamos que ter. Fascismo, claro. Se os outros partidos comunistas se tinham coberto de glória na luta contra a besta fascista, era imprescindível que eles não ficassem na hora do desfile triunfal. E assim, da noite para o dia, em patrocínio da farinha Amparo, o país amanheceu não apenas inundado de socialistas, comunistas e social-democratas efervescentes, aos molhos e aos saltos, mas, todos eles, com kit e curso anexo de antifascismo instantâneo e, em muitos casos, por correspondência. Ou mera osmose manifestante.
Este antifascismo de alguidar continua presente nos actuais anticoisos, só que reforçado agora dum anti-socialismo belicoso de ocasião. Porquê? Porque pertence ao passado, o putativo socialismo, e como lhes compete varrer e romper com todo o passado, urge obliterá-lo sem dó nem piedade. E mesmo que já não exista enquanto realidade, mas apenas enquanto fantasma, trauma ou resquício, isso só amplifica a urgência e o alarido extirpador. Em nome de quê? Já nem se percebe bem. Qualquer coisa que há lá fora, qualquer receita estrangeira. Tanto melhor quanto agora, mais que copiada estupidamente, até é imposta e administrada pelos próprios estrangeiros. E nem já a crédito, ou engodo, como a desbunda anterior, mas a descrédito, e por castigo de todos os pecados colectivistas, como manda a boa prática sado-masoquista. Do Portugal SA, passamos assim, sem transição nem anestesia, ao Portugal S&M.
(...)
Os anticoisos esquisitos, avançados mentais da hora presente, também estão imbuídos da convicção plena que para fazer a economia crescer é imprescindível primeiro reduzi-la a quase nada. (É consabido que crescer a partir de quase nada é bem mais fácil e provável do que crescer a partir do que quer que seja em dimensão apreciável. Do nada fez Deus o universo, e do zero qualquer unidadezinha que seja bota figura. Aliás, quando o crescimento no 1º mundo se torna proplemático ou periclitante, nada como regredir o país ao terceiro para vê-lo ganhar balanço e trampolim).
(...)
Ainda com dois posts por escrever, para completar o diário de viagem, cheguei cansado mas a dar bons-dias e a sorrir a toda a gente com quem interagi no aeroporto. Do outro lado só macambúzios e nem um 'bom dia' ou 'obrigado'. Esqueci-me que já não estou nos EUA. Depois desta decepção em vez de recepção à chegada a Lisboa, sendo presenteado por várias pessoas com a má educação/disposição característica de muitos portugueses (desde o tipo da alfândega ao dos câmbios, culminando com o taxista do qual não ouvi uma palavra e ainda tive que aturar os maus modos), cheguei a casa esta manhã, liguei a tv e ainda se falava do Pingo Doce. Dá vontade de ir já embora outra vez.
Hoje aconteceram-me duas situações que me irritaram. A primeira foi quando ao entrar na estação dos correios, pousando os sacos com envelopes que carregava e dirigindo já o meu dedo à máquina das senhas que estava mesmo à minha frente, sou ultrapassado por um tipo nos seus 40 a 50 anos. Fiquei a olhar para ele, à espera do que iria fazer. Nem tugiu nem mugiu, agarrou na senha e continuou em frente. Lancei-lhe um "boa tarde também para si e obrigado pela falta de respeito e má educação". Não reagiu. Não querendo acreditar que aquilo estava a acontecer, alto e bom som afirmei "há gente mesmo muito estúpida." Ficou a senhora dos CTT a olhar para mim, e o tipo sem sequer dizer nada. Coloquei-me ao lado dele, ficando a aguardar a minha vez. Acabando eu por me despachar mais rapidamente do que ele, tendo sido atendido por outra senhora, no fim pedi a esta que apresentasse as minhas desculpas à colega pela minha tirada rude, derivada da irritação com a má educação do fulano. A colega, que ainda o estava a atender, fez um gesto de anuência com a cabeça e o tipo, novamente, não teve nenhuma reacção.
De seguida apanhei o autocarro. Quando me preparava para sair, estava um senhor dos seus 80 anos de pé. Olhei em volta e vi 2 pessoas que não teriam mais de 30 anos sentadas. Perguntei-lhes se alguma delas poderia ceder o lugar. O senhor em causa agradeceu-me mas retorquiu que não era necessário, que se sentaria quando fosse possível, e as duas pessoas deixaram-se estar impávidas e serenas.
Estes pequenos incidentes, somados a muitos outros que todos os dias presenciamos, são sintomáticos da desagregação da sociedade portuguesa. Quando perdemos o respeito uns pelos outros no espaço público, podemos até ter o país económica e financeiramente mais próspero do mundo, mas passamos a ter uma sociedade de que qualquer pessoa minimamente educada só pode ter vergonha. Quando a falta de educação e de maneiras civilizadas passam a ser a regra e não a excepção, algo de muito errado se passa em Portugal.
A respeito da canção dos Deolinda que vai fazendo furor, por mim aqui publicada, é interessante notar, a título meramente sociológico, as reacções que a mesma desperta, plasmadas em blogs e pelo Facebook. De um lado, uns quantos pretendem transformar a música num hino de sublevação da minha geração, clamando apenas pelo fim da precariedade (vulgo, recibos verdes) e por direitos semelhantes aos das gerações anteriores, tendo até já iniciado grupos para um movimento do género - não contem comigo para isto. De outro lado, principalmente os das gerações anteriores, criticam a canção, ou porque é básica e os jovens é que estão a ver mal as coisas e se queixam sem razão, ou porque é estetica e artisticamente pobre (num país onde Quim Barreiros, Tony Carreira ou Emanuel são referências musicais, escuso-me a comentar a abjecta pretensa superioridade do alegado "bom gosto" pseudo-erudito de quem se concentra na forma para evitar enfrentar a substância do que potencialmente ameaça o seu amado status quo).
Da esquerda à direita, estão todos muito bem uns para os outros. O futuro do país é que nem por isso. Uns, querem os chamados "direitos adquiridos" das gerações anteriores. Outros, criticam a simplicidade descritiva da letra, tentando agarrar numa canção cujas generalizações, enquanto descrições assentes em percepções tendenciais alcançadas através de uma metodologia indutiva, parecem genericamente acertadas. De certeza que não era intenção dos Deolinda elaborar uma tese de doutoramento sobre os jovens portugueses. E facto é que a generalização foi certeira, ou o seu denominador comum não teria causado tanto furor e provocado reacções semelhantes em jovens tão diferentes que nela se reconhecem.
A oposição referida, em traços largos, parece também reflectir-se numa divisão entre os das gerações das décadas de 40, 50, 60 e os da minha geração (70 e 80, quiçá também 90). Dito de outra forma: uns querem "mamar" o que ainda não "mamaram"; outros querem continuar a "mamar" à conta dos que ainda não "mamaram". No fundo, todos profundamente afectados pelos males da mentalidade socialista. Elemento central que subjaz à discussão: o Estado.
Uns acham que por terem uma Licenciatura, Mestrado e/ou até Doutoramento, que o mercado de trabalho é obrigado a absorvê-los e, mais, a remunerá-los de acordo com as suas qualificações (de acordo com que critério é que fazem equivaler um grau académico a um nível remuneratório é, para mim, um mistério) - que não se confundem com aquilo que o mercado de trabalho valoriza e que a Universidade não necessariamente confere: competências. Meus amigos, conhecidos e desconhecidos da minha geração: os "bons" ou "melhores" (conceitos sempre subjectivos e difíceis de definir, pelo que prefiro alinhar por um intuitivo bom senso), já perceberam que as coisas não são como no conto de fadas em que nos embalaram nas últimas décadas (aliás, não por acaso as elites são mais expeditas a aperceberem-se das mudanças e a adaptarem-se a estas), pelo que "fazem-se à vida": estudam o mais que podem, vão para fora do país, conseguem furar o mercado de trabalho e/ou têm génio, iniciativa e liderança suficiente para se aventurarem em negócios próprios. Se acham que ficar à espera que as vossas situações sejam resolvidas através de medidas tomadas pelo Estado ou pelos que nos trouxeram ao actual estado de coisas é o melhor que têm a fazer, não posso senão ter pena por vocês serem uns bananas desprovidos de personalidade e capacidade de iniciativa. Infelizmente, tenho a noção que vocês compõem a esmagadora maioria da minha geração.
Outros, do alto das suas poltronas dos direitos adquiridos e de condições de vida confortáveis, olham para os jovens com um paternalismo bacoco, procurando reinventar um "Geração Rasca" que, infelizmente, se traduz mais num "Geração à Rasca". Desde que continuem a ter reformas, está tudo bem, e quem vier atrás que continue a sustentar os vícios de uma sociedade onde os conceitos de "bem" e de "justiça" estão mais que pervertidos. De facto, a solidariedade inter-geracional não mora aqui.
Reitero novamente que o ponto central latente nesta discussão é, nada mais nada menos que o Estado. Toda a situação que se vai vivendo é, pura e simplesmente, derivada do enorme peso do Estado na sociedade, quer em termos político-partidários, quer em termos económicos. Quanto mais Estado, mais estática se torna a sociedade, a todos os níveis. Portugal apenas tem acelerado o seu Caminho para a Servidão, que se vê na iminência de ser agravado por clivagens como a que aqui constato. A este respeito, e porque, como disse, estão todos muito bem uns para os outros, não pretendendo quaisquer uns mudar verdadeiramente seja o que for, só parece que vamos acelerar ainda mais, dando razão aos Deolinda quando cantam que "isto está mal e vai continuar".
Em "O Amor na Sociedade Portuguesa - Trechos de um estudo de psicologia nacional", Ramalho Ortigão descrevia assim o homem lusitano acometido da maleita do cupido:
«O impulso amoroso no coração lusitano, em vez de impelir a fantasia a voejar por instantes no país do azul, excita apenas o temperamento a marrar a fundo, espesso e resfolegante, nas trevas.
A emoção, que deveria ser acariciadora e risonha, adejante e leve como as asas duma abelha, o português converte-a numa espécie de vesânia de carácter fúnebre, parada e fixa como um espantalho, vigilante e sinistra como uma coruja, pesando esmagadoramente em chumbo irremovível sobre o destino da criatura eleita.
Onde toca o nosso amor fica uma cicatriz ou uma contusão. Desde que nos enamoramos caímos em paixão mórbida. Apodera-se de nós uma espécie de hipocondria erótica, morde-nos o sangue numa ponta esbraseada de satiríase, comprometem-se-nos as funções digestivas, engorgita-se-nos o fígado, vêm-nos olheiras, desenvolvem-se-nos gases e dói-nos a barriga.
Na evolução patológica dos sentimentos o amor é o antraz maligno da nossa raça. Uma vez apaixonado, o português é um enfermo, é quase um irresponsável. Perde a faculdade de estar alegre e de estar atento. Torna-se estúpido e sombrio. Devora-o um ciúme permanente, e para o alimentar promove ele mesmo toda a espécie de crises: mexerica, intriga, mente, calunia; e, para que verdadeiramente se convença de que exprimiu ao objecto amado o sentimento que este lhe inspirou, precisa de lhe ter batido.
Somos inacessíveis à galanteria... Bem sei o que disse Montesquieu: a galanteria não é o amor, é a delicada, a leve, a perpétua mentira do amor. Mas pergunto eu - pobre de mim - o que fica do amor, além das mais profundas e das mais horríveis penas da vida, desde que dele se arranque a leve, a perpétua, a delicada flor de que fala o moralista, e que não é tanto como parece uma mentira, uma vez que é um facto psicológico, uma realidade do espírito, concebida, criada, alimentada e vivida na fantasia do homem?
Amar - como deve ser - sucessivamente e simultaneamente todas as mulheres amáveis - não com toda a alma, que não é preciso e é inconveniente, mas com esse cantinho de alma terno, bondoso e galante de que todo o homem bem conformado tem obrigação de dispor para estas coisas -, amar, rendido interinamente e in partibus pela espiritualidade de um olhar, pela frescura de um sorriso, pela flexibilidade de uma estatura, pela maneira de pôr ao peito uma rosa ou de envolver no pescoço uma renda, por qualquer enfim dessas múltiplas formas superficiais e efémeras em que se revela o mimo e o encanto periférico da mais linda metade do género humano; amar assim, unicamente por amar, unicamente para retribuir, unicamente para agradecer à mulher a contribuição que por cada um dos seus dotes de simpatia ela traz ao aumento da graça e da doçura com que à providência benéfica aprouve atenuar o áspero rigor da existência, sem lhe pedir outra qualquer coisa, além de que se deixe ser o que é, como as demais coisas belas da natureza, como as flores e como as estrelas; amar assim - digo - é negócio inteiramente incompatível com a arrevesada da constituição da nossa natureza sensitiva e cerebral.
A haste de que brota em nossa alma a frágil e delicada flor do afecto é refractária à flexibilidade: tocando-lhe o capricho duma borboleta, ou persiste insensível, inabalável e inerte, ou tem uma convulsão de terramoto. No triste destino extremo do nosso coração, destas duas coisas uma: ou insensiblidade absoluta, ou derrocada completa. Victor Hugo escreveu esta lindra frase: Fremir n'empèche pas la branche de fleurir, mas escreveu a propósito dos tremores de Terra na Andaluzia, nos tremores da sensibilidade no coração português o ramo esgalha e não torna a dar flor; desde que a paixão o sacode e o esteriliza, o mais que ele pode dar é lenha.»
Pelo David Oliveira:
Os portugueses são cobardes... e uns portentos em complexos. Até no uso apropriado dos termos. Porque é que os negros (ou pretos) deixaram de o ser – negros ou pretos - e passaram a africanos? A questão põe-se-me por uma razão simples: eu sou africano e não sou nem negro ou preto nem mulato e, há muitos negros ou pretos e mulatos que o são e não são africanos. Será que essas abencerragens descobriram uma nova forma de legitimação? A condição de... advém da preponderância da melanina?