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No seio do CDS parece ter sido adaptada e adoptada aquela máxima de que uma mentira muitas vezes repetida se torna verdade. No caso, a ideia de que o CDS poderá rapidamente ultrapassar o PSD, tornar-se na principal força partidária à direita e liderar um governo já após as próximas legislativas. É uma ideia fomentada e verbalizada por Assunção Cristas e pessoas que lhe são próximas, os mesmos que falam na necessidade de o CDS se pautar pelo pragmatismo. Pensava que o pragmatismo (ou realismo), que em larga medida se inspira no conservadorismo, aconselhava contra sonhos utópicos e incentivava a ter em consideração as lições da história, a olhar para a realidade política e a actuar no quadro dos constrangimentos que esta apresenta. Mas talvez seja eu que esteja enganado. Vou reler Burke.
Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas:
A verdade dos factos, conceito que nem os juristas usam sem que um sorriso lhes traia o pensamento oculto, é a camada mais desinteressante da existência, a coutada vitalícia das pessoas sem imaginação. Os pragmáticos que vivem obcecados em apurar a verdade dos factos, em determinar circunstâncias, em patrulhar a realidade – virtudes louváveis em investigadores policiais – são incapazes de conceber alternativas ao que lhes entra pelos olhos e de, em consequência, viver nos interstícios felizes do improvável.
Um advogado pode escrever disparates como este e afirmar lugares comuns que, para muitos, se tornaram verdades evidentes, ignorando que esquerda e direita são posições relativas e categorias que retêm toda a actualidade na interpretação da política, como Norberto Bobbio explica em Direita e Esquerda. Pode até, crendo na sua própria efabulação, dizer-se pragmático. E também pode escrever um artigo, 6 dias antes da detenção de Ricardo Salgado, a defender o resgate do BES com dinheiro dos contribuintes, "Sem demagogias e com pragmatismo." Convinha era ter esclarecido que é advogado de Ricardo Salgado (como se defende aqui), ou então, como seria recomendável, não ter escrito sobre o assunto (como se sugere aqui). O dito pragmatismo pode ser visto de diversas perspectivas e utilizado retoricamente para justificar resultados diferentes para o mesmo problema. Neste caso tratar-se-á da modalidade mais vulgar, a que serve apenas para justificar a prossecução de objectivos e interesses pessoais à custa da comunidade, que ganha uma particular ironia por ser protaganizada por um alegado liberal.
Permitam-me uma colherada na discussão, para dizer que há um argumento muito simples que dispensa todas as confusões de que enferma este post, alegadamente pragmático, de Rui Rocha. Já que é de pragmatismo que falamos, aqui fica a minha muito pragmática defesa da monarquia, alicerçada numa perspectiva comparada de sistemas políticos que de há uns anos a esta parte venho desenvolvendo, e partindo precisamente do pessimismo antropológico: o Rei, mesmo que seja um idiota, como o Rui Rocha teme, será sempre independente do jogo político-partidário, o que lhe granjeia uma legitimidade para ser árbitro que um presidente, num sistema semi-presidencialista como o nosso, nunca terá. O desenho de uma monarquia constitucional observa aquele princípio muito pragmático de Karl Popper que diz que em democracia o que interessa não é saber quem manda, mas sim como se limita o poder de quem manda. O Rei não manda, não tem poder. Tem autoridade, que é diferente de poder (ver Max Weber). E, mesmo assim, esta autoridade está limitada ao estrito respeito pela constituição, que emana da Assembleia, que por sua vez emana do povo. Porque todos os humanos erram, porque não somos santos nem anjos, e porque independentemente do regime ser uma monarquia ou uma república, os partidos políticos serão sempre aquilo que sabemos, o que é importante é precisamente desenhar os checks and balances para evitar abusos de poder. O Rei é uma peça basilar nesse desenho, pela independência a que acima aludi.
Como escreveu em tempos o Miguel Castelo-Branco, "A monarquia, forma não democrática de escolha e sucessão da chefia do Estado é, assim, o melhor garante da Liberdade colectiva e de uma chefia de Estado independente e imparcial. A monarquia é caução de democracia."
Como leitura complementar, deixo o link para um texto que escrevi já há 3 anos, mas que continua bastante actual no desmontar de algumas falácias.