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Gostaria de saber se a estupidez é um exclusivo de universitários broncos? Sim, existe relação entre o mar e a terra. Existe uma ligação entre o que aconteceu no Meco e o que aconteceu junto ao novo muro de lamentações, perdão... "peça de mobiliário urbano" - chama-se atraso mental. Resta-nos aguardar por mais idiotices de proto-doutores. Uma nova praxe da morte que seja realmente original. Em Braga já se serviram do Parkour para demonstrar o seu grau de inteligência. A justiça portuguesa, que deixa tudo a meio, ou solta os bandidos, de nada serve nestes casos. Nunca chega ao fim de nada. Eterniza a ideia de impunidade. Não fecha capítulos de livros intermináveis. Agora sei para que fizeram o 25 de Abril. Para dar largas à imaginação destrutiva de alguns cidadãos. Para permitir que algumas batatas podres ponham em causa os fundamentos de um país inteiro. O futuro está bem entregue a estes filhos da nação.
A propósito das praxes, já reparei que ninguém sabe o que é o Código Penal, porém, esclarecendo os espíritos mais cediços, posso afiançar-vos que se trata de um complexo legislativo onde estão preceituadas cum grano salis as sanções dos crimes juridificados pela comunidade. Isto é, a cada crime corresponde uma determinada sanção. Como decerto calcularão, isto vale, também, para as ditas praxes. É que, para dizer-vos a verdade, já estou um pouco cansado da imensa berraria derramada em torno desta questiúncula-mor, sendo que não me é de todo agradável ligar o aparelho das mil e uma maravilhas e deparar-me com um qualquer "Dux" de 50 anos a tagarelar a sua incorrigível ignorância para tutti quanti. Investiguem, pois, o que tiverem a investigar, e condenem quem, comprovadamente, tiver furado as malhas da legalidade, mas, por favor, calem-se de uma vez por todas com esta nojeira das praxes. Para ignorantes deslavados, já bastam os alarves que permitem e protagonizam estes desfiles bovinos.
Começamos a perceber que o ridículo das praxes não tem fim quando aparece no telejornal um tipo com cerca de 40 anos que, sem vergonha, enverga o título de "Dux jubilado". Também começamos a perceber o absurdo que atinge o país quando tanta gente quer proibir as praxes e um deputado de uma alegada democracia liberal afirma que "todos os direitos podem ser referendados". Por mim, já que estamos nestes domínios, façam-me lá o jeitinho e proíbam os trajes académicos, essa ode ao mau gosto.
Quando entrei para a faculdade no quase longínquo ano de 2008 lembro-me de ter pensado que nunca na vida iria participar em qualquer tipo de praxe. No meu primeiro ano de Direito via alguns dos meus colegas ansiosos por participar. "É a única maneira de te integrares", "Depois não vais ter amigos", diziam. "Porreiro", pensava eu.
Até ao dia em que em plena aula de História do Direito Romano ou coisa que o valha, irrompem pelo auditório um grupo de alunos mais velhos (não tenho a certeza se com mais cadeiras que eu - e era a minha primeira semana de aulas) e começam a dizer aos caloiros para irem todos lá para fora. Ora, quando chegou a minha vez de ser confrontado com um desses espécimes de aluno mais velho, o dito bicho vociferou qualquer coisa. A intenção do animal, perdão, aluno, perdão... não sei o que lhe chamar, era a de o acompanhar para sofrer um castigo ainda pior por me ter rido diversas vezes na cara dele. Como bom aluno que fui, gostava de ter uma desculpa para não ir às aulas. E acompanhei-o. Admito que até aqui, tudo estava a ter imensa piada.
Bom, o grunho que tentou falar comigo levou-me à presença do Dux. Eu perguntei o que era isso. Responderam-me que era o aluno com mais matrículas. A minha resposta foi obvia: perguntei ao Dux quantas vezes tinha chumbado para poder acumular tantas matrículas. A partir daqui, o Dux tentou falar comigo de forma séria: "Olha, isto é uma brincadeira, não precisas de participar". "Óptimo, fico só a ver", respondi. "É sempre divertido ver outros a fazer figuras parvas", pensei logo de seguida. "Mas olha que depois não poderás praxar, nem ninguém te vai ajudar no resto do curso". Eu sorri, peguei nas minhas coisas, dei uma palmadinha das costas do Dux, limpei a mão nas vestes de outro dos alunos mais velhos e voltei à aula. Nunca ninguém me maçou mais, não sofri represálias e até fiz amigos.
No fim do primeiro ano de Direito, desisti do curso. Fui para Ciência Política, ser caloiro outra vez. Na primeira semana, a mesma conversa das praxes. Ora, uma pessoa que tem de lidar com aquela tontice uma vez, perde a paciência para uma segunda. Na primeira semana, observava os jovens caloiros nas praxes. Era engraçado tal como é ver um macaco a atirar as próprias fezes a outro macaco. Houve, inclusive, um ou outro parvo que tentou gritar comigo mas ficou-se por aí quando lhe explique que havia maneiras muito mais desagradáveis de ingerir a cerveja que ele tinha na mão.
Enfim, no segundo ano pediram-me para organizar as praxes. Quase a contragosto, aceitei. Digo quase, porque se fosse eu a organizar aquela parvoíce, era eu que poderia evitar qualquer tipo de abusos. Durou um dia as praxes e, no fim, levei alguns dos caloiros a jantar e a beber um copo no Lux. Sem trajes, com algumas testas pintadas e álcool.
Quanto às praxes da Lusófona, muito em voga pelas infelizes mortes no Meco, só há uma coisa a dizer: códigos de silêncio, represálias a quem falar, praxe enquanto identidade de uma universidade? Viraram Maçonaria? Ou simplesmente gostam de brincar aos clubes secretos. Não quero que proíbam as praxes, quem aceita ser praxado está a tomar uma decisão. No entanto, quero que abusos sejam severamente punidos. Quer aos alunos, quer à própria Universidade. Ser aluno universitário é mais que seguir as tradições que te impõem. É, a meu ver, exactamente o contrário. É fazer as tuas próprias regras pois, pela primeira vez na tua vida, tudo depende de ti.
Para mim, praxe foi uma manhã entre uma aula fantasma e pinturas na cara. Mas isso é no ISCSP, uma instituição com 108 anos, que há 2 anos até teve como praxe pintar uma igreja e uma escola na Ajuda. O resto é como escreve Vasco Pulido Valente:
"A maioria do chamado "corpo estudantil" fora antes rejeitado pelo Estado e pagava uma exorbitância pelo "ensino" que recebia. Cada "universidade privada", fosse de que forma fosse, acabava por se tornar um negócio, a favor de obscuras direcções que não dependiam de nenhuma autoridade idónea. Mas, no meio disto, precisavam de prestígio.
Para o "prestígio" escolheram usualmente três caminhos: grandes cerimónias, imitadas de universidades medievais; trajos de professores de grande pompa e circunstância; e uma total liberdade para as "praxes". Numa altura em que pelo Ocidente inteiro se abandonavam as "praxes" pela sua brutalidade e pela sua absoluta falta de sentido no mundo contemporâneo, Portugal adoptou com entusiasmo essa aberração. Tanto as direcções como os professores não abriram a boca e menos puniram os delinquentes, que de resto não se escondiam e até se gabavam. Do Minho ao Algarve nasceu assim uma nova cultura, cada vez mais sádica e tirânica, que variava na proporção inversa da qualidade académica da instituição em que se criara. Nas cidades chegou ao seu pior."