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Ainda que devessem ter sido tomadas mais cedo, as medidas ora adoptadas são necessárias para reorientar o país para o esforço de combater esta pandemia. Por isso, hoje, há que reconhecer justamente que tanto o Primeiro-Ministro como o Presidente da República estiveram bem. O caminho é longo e penoso, mas prevaleceremos.
Paddy Cosgrave não necessitava de pedir desculpa pelo jantar no Panteão Nacional. Existe enquadramento legal para este tipo de eventos e o jantar não poderia ter acontecido sem autorização da tutela, que também autorizou a NAV a organizar um jantar de gala no Panteão. Ademais, em eventos da magnitude da Web Summit, tudo é planeado ao pormenor com meses de antecedência, pelo que é óbvio que o Governo tinha conhecimento do jantar e autorizou-o. De todas as atitudes pouco edificantes com que o Primeiro-Ministro já nos presenteou, armar-se em virgem ofendida e tentar culpar o despacho proferido pelo governo anterior pelo sucedido, como se o Ministério da Cultura (em particular, a Direcção-Geral do Património Cultural) não tivesse de autorizar o jantar, é certamente das mais repugnantes.
A agora ex-ministra da Administração Interna já não tinha condições para continuar no cargo há, pelo menos, 4 meses. Era inevitável que saísse do Governo, embora não seja despiciendo referir que foi necessário o Presidente da República intervir para António Costa se submeter ao que já era mais do que evidente. Mas agora, independentemente da dança das cadeiras no Governo, o que importa é saber se o Primeiro-Ministro vai tornar a reforma do dispositivo de prevenção e combate aos fogos uma prioridade nacional, alocando os recursos que forem necessários para evitar que se volte a repetir algo que possa assemelhar-se ao que aconteceu no passado fim-de-semana e em Junho. Agora que veio a chuva, esperemos que não se limite a mudar pouca coisa para que, na essência, fique tudo como está e para o ano haja mais do mesmo, como vem acontecendo há já cerca de 40 anos. Quanto mais não seja, e como Marcelo Rebelo de Sousa deixou patente no seu discurso, para assegurar a sobrevivência do seu Governo - algo que parece motivar o Primeiro-Ministro muito mais do que considerações éticas, sobre o interesse nacional ou a respeito das funções primordiais do Estado.
O discurso proferido há pouco por António Costa é absolutamente vergonhoso. A total falta de empatia, a incapacidade para a assunção de responsabilidades, a ausência de um pedido de desculpas aos portugueses por, em larga medida, terem sido deixados à sua sorte nestes últimos dias e pelos disparates ontem proferidos por membros do seu governo e por ele próprio, a repetitiva remissão para o relatório da comissão técnica independente sobre a tragédia de Junho deste ano, tudo isto é absolutamente deplorável. António Costa mostrou não ter qualquer sentido de Estado e que a reputação de politiqueiro lhe assenta como uma luva. Se dúvidas houvesse a este respeito, bastaria atentar no resumo de Gabriel Silva dos erros e responsabilidades directas que o Primeiro-Ministro teima em não assumir. Tudo isto vindo de um Primeiro-Ministro que afirma agora que "Depois deste ano nada ficará como dantes", quando a sua proposta de Orçamento do Estado para 2018 não deixa adivinhar qualquer mudança estrutural no dispositivo de prevenção e combate aos incêndios. Como acontece há já cerca de 40 anos e como o próprio António Costa afiançava ontem, para o ano há mais, infelizmente.
Sei que faz parte da matriz cultural portuguesa a progressão na carreira ao fim de certos anos de serviço e a passagem administrativa de mero funcionário a quadro da entidade em causa, e, que para todos os efeitos, o desempenho pode ser um mero factor secundário - o que conta é que se apresentou no emprego e não teve muitos dias de baixa médica. Ou seja, nem é preciso ser bom naquilo que se faz. É preciso é aparecer e ocupar o gabinete. Já devem ter percebido do que falo. Onde está escrito que o Presidente da República é obrigado a condecorar um Primeiro-Ministro? Mesmo que pareça uma tradição ou seja um costume, o direito discricionário deve prevalecer - a medalha não deve ser atribuída de um modo burocrático. Se vamos pelo caminho do choradinho - "aquele menino recebeu um chupa-chupa e eu também quero" - estaremos de facto a nivelar tudo e todos de acordo com a mesma bitola baixa. Se assim fosse, atribuir-se-ia a distinção logo na tomada de posse, no momento inaugural, no dia da vitória eleitoral, no primeiro visionamento da ecografia política. Quem sabe ao certo qual o tempo de gestação das decorações? Se a medalha for como o vinho do Porto, então talvez valha a pena esperar uns bons 50 anos para brindar. Talvez seja boa ideia pensar uns segundos sobre a matéria.
Isto é mais ou menos como o "a minha reforma de 10 mil euros não chega para as despesas" de Cavaco Silva. Num país com um custo de vida cada vez mais proibitivo, com impostos demasiado elevados e, especialmente, com tanta gente a auferir salários e reformas baixas, a quem os efeitos das exportações e bons indicadores macroeconómicos ou chegam de forma ténue, ou não chegam de todo - por mais propaganda que o pensamento camilo-lourencista faça -, um Primeiro-Ministro não pode colocar-se ao mesmo nível daqueles que mais sofrem, mesmo que até sofresse como estes. Primeiro porque em Passos Coelho, que cultiva uma pose distanciada, soa a falso e a eleitoralismo. Segundo, e mais importante, porque é insultuoso para quem de facto é "pouco abonado".
Alexandre Guerra, "Um programa que é como é e nada mais do que isso":
«E aqui, diga-se justamente, apenas Ricardo Costa conseguiu olhar para o programa como ele foi: uma simples conversa entre convidado e público. Não se tratava de uma entrevista clássica nem pretendia ser um espaço tradicional jornalístico ou debate televisivo. E isto foi assumido com uma certa naturalidade e até humildade pelo director do Expresso, reconhecendo inclusive que, entre algumas perguntas menos conseguidas, havia outras colocadas por pessoas "normais" que ele jamais se lembraria.
Quanto aos outros comentadores que por aquela hora estavam repartidos pela SIC N, TVI24 e RTPI, foi um triste espectáculo ver o seu pensamento toldado e a sua arrogância sem limites, impossibilitando-os de fazer uma análise objectiva e crítica de um formato que nada tem de inovador nem de nefasto, mas que só agora chegou a Portugal. Trata-se, efectivamente, de um modelo experimentado em várias partes do mundo, nomeadamente nos Estados Unidos, e que cumpre com a função para o qual foi idealizado. Apenas isto e só isto.»
Só liguei há pouco a RTP e, portanto, não me vou manifestar a respeito do conteúdo. No que ao formato concerne, parece-me que isto é provavelmente a melhor acção de comunicação deste governo. Pode-se gostar ou não, mas o formato é inovador para a realidade portuguesa e, do meu ponto de vista, muito bem-vindo.
Mr. Brown, A casta sagrada:
«Segundo alguns, o PR tem qualidade duvidosa. A Presidente da AR tem qualidade duvidosa. O PM nem tem qualidade duvidosa, pura e simplesmente não tem qualidade. O Seguro tem qualidade duvidosa. Os deputados, grosso modo, são de qualidade duvidosa. A maior parte dos que exercem cargos de nomeação política são de qualidade duvidosa. No entanto, os juízes do Tribunal Constitucional, escolhidos pelos deputados de qualidade duvidosa, são de uma qualidade suprema que os deixa imunes à crítica e que nos deve deixar plenamente tranquilos quanto à qualidade das decisões que tomam.»
Portanto, se bem entendi, quase 2 anos depois, o governo vai começar a fazer aquilo que prometeu em campanha eleitoral e que está prescrito no memorando de entendimento com a troika. Agora aguardemos para ver se os cortes de despesa serão racionais e justos.
As notícias sobre a morte deste governo foram manifestamente exageradas. Mas o histerismo à esquerda e à direita divertiu-me imenso.
Interromper um discurso do Primeiro-ministro na Assembleia da República com a cantoria da "Grândola, Vila Morena" tem qualquer coisa de simbólico e que fica gravado, pela apreciação ou não, nas mentes dos portugueses, especialmente na conjuntura que vivemos. Repetir a cantoria interrompendo um Ministro, nos moldes patéticos que este vídeo revela, vulgariza o primeiro acto, retirando-lhe grande parte da carga simbólica, especialmente quando o Ministro se junta à cantoria. É pena. E eu que nem gosto da música. Só espero que isto se perceba, não vá outro grupo de "cantores" surpreender-nos um destes dias quando, por exemplo, Vítor Gaspar estiver a discursar. Poupem-me, a mim e a todos os portugueses, por favor, a ter de ouvir o Ministro das Finanças a cantar. Como dizia alguém, quando quem manda perde a vergonha, quem obedece perde o respeito. E Relvas ainda gozou, fazendo coro com os "cantores". Há algo de terrivelmente errado com Portugal, para termos deixado de produzir estadistas e estarmos entregues a isto.
TSF:
«Nós não somos duas pessoas, eu sou primeiro-ministro e também sou cidadão. E apesar de não utilizar o mesmo registo quando falo com a minha família ou com os meus amigos ou quando falo com os cidadãos, na minha qualidade de cidadão também, que muitas vezes uso quando falo como primeiro-ministro, isso não significa que diga coisas diferentes», afirmou Passos Coelho.
Leitura complementar: Da falta de sentido de estado
E pronto, lá volta este jotinha às intimidades no Facebook, a chamar-nos amigos e a mandar-nos abraços. Mas alguém pode fazer compreender ao fulano que ele é Primeiro-Ministro e não o líder de uma distrital qualquer da JSD? Como dizia alguém, quando quem manda perde a vergonha, quem obedece perde o respeito.
Evidentemente, acompanho as críticas feitas aos deputados do CDS, que provêm em larga medida de muitos militantes. Porém, se por um lado o João Távora tem razão quando afirma que "o que ressalta para mim de mais grave nisto tudo é o irremediável descrédito alcançado por uma promissora geração de jovens políticos", e também o Carlos Guimarães Pinto ao fazer notar as consequências que isto tem na jovem e frágil corrente liberal na política portuguesa, não deixa, contudo, pelo que vou lendo de militantes do CDS, de ser saudável que no seio do próprio partido se discuta abertamente esta situação.
Permitam-me, no entanto, salientar o óbvio. Sabendo-se que o CDS não tem a força que o PSD tem no Governo, é perverso apontar apenas espingardas ao primeiro e deixar o segundo incólume. O Primeiro-Ministro é Pedro Passos Coelho e o Ministro das Finanças é, obviamente, seu. São os dois principais responsáveis por este péssimo Orçamento. E o PSD foi eleito prometendo, tal como o CDS, totalmente o oposto daquilo que está a fazer. O CDS está a ser queimado em lume brando enquanto o PSD tenta passar entre os pingos da chuva - o que não deve deixar de agradar aos politiqueiros da São Caetano e deveria preocupar Paulo Portas -, quando é a este último que se deve em larga medida este Orçamento. Aquilo a que assistimos nos últimos meses foi a um jogo de forças em que o CDS é o elo mais fraco à mercê de um PSD que sabe que o CDS não provocaria uma crise política num momento tão delicado da vida nacional. Convinha que os eleitores não o esquecessem e retirassem as devidas ilações.
Sobre isto: um agente do corpo de segurança do PM não pode ser filmado, pelo que terá legitimidade para agredir um jornalista que o filma enquanto de forma despropositada tenta calar um estudante que gritou qualquer coisa contra o PM. Pelo meio, graças a Deus que temos a polícia a zelar pela definição de ofensa.
Dado que o PM é constantemente filmado, importa salientar o óbvio: o corpo de segurança também é. E uma sociedade e um governo que não sabem lidar com críticas, mesmo que ofensivas, são meio caminho andado para um regime autoritário. Mas qualquer semelhança com um regime do género é pura coincidência. Só gostava de ver os intervenientes e comentadores em termos de cores partidárias trocados, para testar a verticalidade de certas colunas.
Sem dúvida, uma das melhores Mixórdias de Temáticas de Ricardo Araújo Pereira:
Quer aqui no blog, quer no Facebook, tenho limitado os meus comentários ao que se tem passado nos últimos dias em Portugal a breves escritos, pouco ou nada particularizando. A hiper-informação e a sua vertiginosa velocidade, para além do fastio com o estado a que chegámos, se a uns galvanizam, a mim cada vez mais desmoralizam, reforçando a necessidade de isolamento do circo mediático. Obrigo-me, contudo, a tentar percepcionar o que se passa, não deixando, obviamente, de me indignar, ainda que silenciosa e recatadamente, com o que se vai passando. A ânsia de comentar, como qualquer blogger sabe, muitas vezes tolhe-nos o raciocínio, pelo que aguardar para reflectir mais calmamente é uma estratégia que deve ser seguida amiúde, especialmente quando se gera um turbilhão de emoções na praça pública em cujo ruído nos podemos facilmente perder.
Dito isto, não vou, claro, analisar números. Por essa blogosfera, Facebook e jornais fora já muitos o fizeram. Ademais, não tenho competência para tal. Nem mesmo muitos economistas parecem ter. Como Pedro Santos Guerreiro deixou patente, parece que nem o governo sabe o que faz. E ante o espanto colectivo de quem não compreende a lógica das medidas anunciadas recentemente por Passos Coelho, Luís Aguiar-Conraria mostra como estas têm um saldo praticamente nulo. Entretanto Vítor Gaspar mostrou viver no seu pequeno mundo do Excel, sem conexão com a economia real, atrevendo-se ainda a ir mais longe no intervencionismo de que estamos a ser alvo pelo governo, ao comprometer-se a criar um mecanismo para garantir que o dinheiro que as empresas vão poupar com a descida da TSU não seja distribuído aos accionistas e proprietários. Há quem consiga ver nisto uma “solução magistral de liberalismo prático”. É o que acontece a quem reduz tudo à economia, esquecendo conceitos como os de liberdade individual, propriedade privada, ausência de coerção por terceiros e justiça e não percebe ou tenta escamotear o significado político do que se está a passar. Felizmente, no mesmo blog, o Blasfémias, outros há, como o Rui A., que vão em sentido contrário.
Mas o que realmente importa notar neste post são os efeitos políticos das atitudes de quem nos vai desgovernando. Desde logo, começando por Passos Coelho. Após uma comunicação muito bem classificada pelo sacerdote de Domingo à noite como andando entre o “descuidado” e o “desastroso”, esperava-se que o Primeiro-Ministro evidenciasse algum sentido de estado, sendo discreto e recatado. Mas não. Passos Coelho decidiu enveredar por um exercício digno do líder de uma Jota, não de um chefe de governo, escrevendo uma nota patética no Facebook. A cereja no topo do bolo foi, porém, a sua ida ao Tivoli para assistir a um concerto de Paulo de Carvalho, entre os dois momentos referidos. É mau demais e revelador do carácter adolescente do Primeiro-Ministro, de alguém que mostra não estar à altura do momento que vivemos. É cada vez mais evidente que Passos Coelho é um oportunista que aproveitou a moda do liberalismo em certas elites políticas e sociais, que em grande parte nem sequer sabem verdadeiramente o que é o liberalismo, para, durante o estertor do socratismo, se cobrir do manto de salvador da pátria. É, a par com Sócrates, um exemplo perfeito daquilo que JS e JSD têm criado, homens mental e intelectualmente adolescentes, deslumbrados com o poder, que administram o país como se de uma secção de uma juventude partidária ou uma Associação de Estudantes se tratasse.
Estamos entregues a aprendizes de Maquiavel que nem sequer o leram, esquecendo-se daquele ensinamento básico de que o mal se deve fazer todo de uma vez, presenteando-nos de tempos a tempos com medidinhas que deixam à vista o desnorte que grassa na cabeça dos desgovernantes. Entre estes, Vítor Gaspar é o rosto mais visível. Depois de, inicialmente, ter caído nas boas graças de muitos portugueses, eis que também se começa a revelar, economicamente, como um erro de casting, politicamente, como um desastre ambulante. Não faltando exemplos, permitam-me salientar, primeiro, esta curiosa afirmação de que espera criar 50 mil empregos com as alterações à TSU, medida que ainda há um ano dizia ser prejudicial para a economia portuguesa. Agora, diz-se na posse de estudos que afinaram a medida. Estamos, portanto, no domínio do pensamento mágico que nos relembra os 150 mil empregos prometidos por Sócrates. Talvez fosse útil alguns liberais recordarem uma premissa básica da Escola Austríaca de Economia, a rejeição de modelos matemáticos, habituais em quem julga que se governa um país a partir do Excel, e, já agora, perguntar aos mesmos ditos liberais o que pensam das medidas que Vítor Gaspar apresentou hoje, dignas de saírem da cabeça do seu primo Francisco Louçã. Em segundo lugar, no que diz respeito ao desastre político, para além de a sua forma de comunicação ser cada vez mais irritante, a atitude que teve hoje à chegada à SIC é a todos os níveis ilustrativa da sua arrogância. Tendo sido recebido por uma manifestação, quando questionado pela jornalista se esperava aquela recepção, gracejou perguntando se esta se referia à recepção por José Gomes Ferreira, para logo depois desvalorizar a mesma por não ser uma “manifestação espontânea”, por ser “orquestrada”. Isto é representativo não só da falta de noção quanto às dificuldades que os portugueses passam, como da impreparação de Vítor Gaspar em termos comunicacionais e políticos – mal que perpassa o governo em geral, diga-se de passagem –, e, pior que isto, de uma confrangedora capacidade intelectual para perceber o que é uma manifestação e o que é uma democracia. Não existe tal coisa como uma manifestação espontânea. Toda a manifestação carece de organização. E toda a organização tende para a oligarquia, como Robert Michels observou. O contrário é que seria estranho. E crer que o contrário seria moralmente valorizável, enquanto uma manifestação organizada será de desvalorizar, é sintomático dos tiques autoritários de alguém que, curiosamente, como há um ano escrevi, se assemelha na voz, nos métodos e no cargo a um outro Ministro das Finanças que foi chamado ao Terreiro do Paço nos idos de 1926.
Como se não bastassem os erros clamorosos de Passos Coelho e Vítor Gaspar, ainda aparece Miguel Relvas, do lado de lá do Atlântico, a debitar o habitual chorrilho demagógico. Pacheco Pereira adjectivou-o, e muito bem, de irritante ideal. Deveria estar calado, em vez de lançar putativos sound bites dignos da Relvas School of Political Science, como este: “Muitos daqueles que criticam, mas que não apresentam alternativas, não têm o direito, num momento em que muitos portugueses estão a passar por situações particularmente difíceis, de pedir que os responsáveis cruzem os braços.” Isto faz ou não lembrar José Sócrates e Silva Pereira? A soberba e a retórica demagógica são as mesmas. Parece-me que estamos perante uma mera inversão de papéis entre os partidos do arco governamental, pelo que não será de estranhar a sensação de déjà vu. Contudo, estamos em presença de uma versão amadora do governo de José Sócrates, que, goste-se ou não, tinha coordenação política e eficácia comunicativa. Este governo revela uma descoordenação confrangedora, uma comunicação atabalhoada e uma habilidade política desastrosa, conseguindo, de uma assentada, colocar quase todo o país contra si, incluindo grande parte da sua base directa de apoio eleitoral e parlamentar.
Andamos desde 2008 exactamente com o mesmo tipo de políticas. Mudámos de governo, mas o contribuinte continua a ser esbulhado. Mudámos de governo, mas o intervencionismo socialista continua a dominar o pensamento dos governantes. A redução da despesa continua por fazer. Como muito bem apontou o Henrique Raposo, a comunicação de Passos Coelho teve apenas uns 20 segundos dedicados à redução da despesa. 20 segundos vagos, sem qualquer quantificação, sem quaisquer metas. Todos os dias o governo é pressionado na opinião pública para a redução da despesa. A própria troika pressiona o governo. E, contudo, sem se perceber porquê, o governo não só não avança com as reformas necessárias, como esquiva-se de responder a qualquer questão sobre este assunto. Era de esperar que por agora já tivessem percebido que para além dos supostos cortes nas gorduras do estado, aquilo que importava era realizar um exercício de reflexão política sobre o que é o estado português e o que deve ser, quais devem ser as suas funções, para que possa ser reformado estruturalmente de forma racional e justa. Podiam começar por esta lista, até bastante comedida, que o Miguel Castelo-Branco elaborou, por exemplo. Mas não, continuamos com remendos, de pacote de austeridade em pacote de austeridade, relembrando, lá está, o estertor do socratismo.
Ora, quando os governos de diferentes partidos se limitam ao mesmo tipo de políticas, o mais do mesmo leva a que a sociedade comece a tentar encontrar válvulas de escape. Na Grécia, por exemplo, este processo reflecte-se no aumento da expressão eleitoral dos partidos dos extremos do espectro ideológico-partidário. Por cá, é notório o aumento da tensão. Desenganem-se os que ainda acreditam no mito salazarista do povo de brandos costumes. Não precisamos de ir muito longe, basta olhar para os últimos dois séculos e contar quantos regimes políticos tivemos, analisar como foram violentas as transições, sem esquecer o assassínio de chefes de estado. No contexto de uma década perdida, perante o mais do mesmo do centrão, com o desespero a começar a tomar conta de muitas mentes, vão-se criando condições para a ocorrência de situações social e politicamente perigosas. Que quem nos governa, entre muitos outros, falhe em perceber isto, escudando-se numa tecnocracia experimentalista e duvidosa e numa retórica gasta e sem aderência à realidade, é mais do que preocupante.
A única saída, neste momento, para o aliviar desta tensão, é a brutal redução da despesa do estado. Já basta de aumentos de impostos, de abuso da força, de expropriação dos frutos do trabalho dos portugueses. É que como escreveu um dos pais do liberalismo, Adam Smith, "É a maior impertinência e presunção, portanto, em reis e ministros, pretender vigiar a economia de pessoas privadas, e restringir a sua despesa quer por leis sumptuárias, ou através da proibição da importação de luxos estrangeiros. Eles próprios são sempre, e sem qualquer excepção, os maiores gastadores na sociedade. Eles que olhem bem pela sua própria despesa, e poderão confiar seguramente a das pessoas privadas a estas. Se a sua própria extravagância não arruinar o Estado, a dos seus súbditos nunca o fará."
Orwell não faria melhor: «Governo cria linguagem para justificar medidas de austeridade - Em quatro folhas A4, constam os ensinamentos dirigidos aos gabinetes ministeriais. São normas para responder às perguntas, da imprensa sobretudo, sobre as medidas de austeridade anunciadas.»
O documento pode ser encontrado aqui.
Ainda estou a pensar nesta jogada marketeira de Passos Coelho apresentar novas medidas de austeridade meia-hora antes do jogo da selecção nacional. Está cada vez mais parecido com Sócrates, nos métodos e na substância.
* título adaptado a partir de uma célebre interrogação de Salazar sobre os diplomatas e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.