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Existe uma cela dentro do nosso espírito onde habitam aqueles que acicatam a morte prematura. Quando somos destinatários da falência ética, devemos procurar refúgio numa casa vizinha, no castelo de convicções sólidas, inabaladas pela perfídia daqueles que não caíram por terra - pois sempre rastejaram no lodo da sua existência. A liberdade não é uma pátria comandada. A inveja, sendo a derradeira de Camões, Deus reserva para o diabo que anda à solta. A cobardia, justamente convocada para a falácia do dilema, não afasta os bravos, não intimida os fracos - atrai os audazes que não anunciam a sua chegada. Como ousam ofender a alma lusitana?
Não tenho um telefone com uma linha directa para a central de segredos da casa da justiça, mas é óbvio que o pedido de Habeas Socras não tem pernas para andar (de Évora, ou do raio que o parta). Será racionalmente recusado. José Sócrates pode ser acusado de inocência as vezes que quiserem pelos Almeidas e Lacões deste universo, mas os prazos de entrega ao poder judicial ou de detenção não foram ultrapassados. Acresce a este facto que provavelmente os tentáculos do polvo de Castelo Branco se estendam de Caracas a Tripoli - como diz o próprio: "isto mal começou". Podemos afirmar, com alguma margem de erro contabilístico, que o Banco Espírito Santo também terá sido uma das instituições do regime socrático. Mas o Habeas Corpus também não faz sentido por outra razão. Sócrates, embora esteja privado de liberdade de movimentos, não perdeu o contacto com o mundo. Parece não ter dificuldades em mandar mensagens e bilhetes - quer em tom de ameaça quer em jeito de promessa - para diferentes orgãos de comunicação social. Em todo o caso, quem parece ter os movimentos condicionados, e estar ligeiramente paralisado, é outro cavalheiro. Já passou mais de uma semana sobre a detenção de Sócrates e António Costa nem sequer se dignou visitar o seu camarada. Mas será apenas uma questão de tempo até apanhar a mesma camioneta de Soares e companhia. À medida que o enredo for adensando, e Sócrates deixar de se sentir o homem mais livre do mundo, arrastará para o filme outros protagonistas. Não me parece, que em nome do Partido Socialista ou da revolução socialista, esteja disposto a passar uma longa temporada em Évora. Quando a ocasião o exigir, Sócrates, como dizem os nossos amigos brasileiros - vai botar a boca no trombone.
Antes mesmo de António Costa disputar eleições no ano que vem, já está a ir a votos. António não tem mãos a medir com a bagagem que lhe deitaram às costas. O Expresso irá fazer a cobertura do oitavo congresso do PS, em antecipação da campanha com que brindará o candidato a primeiro-ministro. Mas vamos por partes. Sabemos que o jornalismo não é grande coisa quando se tem de socorrer de anagramas cabalistas para interpretar os sinais políticos. Qualquer dia chamam a Maya para deitar cartas. Enfim. Adiante. Então quais são os oito desafios mágicos que referem?
1. Garantir que há vida além de Sócrates. Não, não existe vida para além de Sócrates. Que eu saiba o homem está vivinho da silva e marcará a sua presença de um modo assíduo no imaginário colectivo dos socialistas e na quantidade de recursos que irá apresentar. Como o próprio disse, é comigo, mas não deixa de ser político. Como podem ver, não diz respeito ao PS.
2. Manter o PS unido. Ora bolas! Essa é fácil. O PS está totalmente unido na estupefacção e na surpresa decorrentes da detenção de Sócrates. Estão mais do que unidos - são uníssonos - o homem está inocente.
3. Construir uma equipa robusta. Entendo a abordagem ecológica - servirem-se de materiais usados para reconstruir - Ferro Rodrigues e Vieira da Silva. E acrescentar alguns elementos compósitos - a cola-rápida fornecida por Carlos César para garantir que a coisa não se desunha.
4. Liderar o PS ao mesmo tempo que preside a Lisboa. Não é tanto liderar. Tem mais a ver com fingir com lidar com a gestão autárquica. Afinal a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não é Portugal. Mais inundação menos inundação, o que interessa? Por daqui a uns tempos, quando auditarem as contas da CML (e com sorte as tornarem públicas), Costa já estará longe.
5. Escolher quem quer apoiar nas eleições presidenciais. Compreendo que haja dificuldades uma vez que Sócrates não está disponível e que Guterres ainda não possa ser considerado uma fava contada. Bem vistas as coisas, os suplentes de que dispõem carecem de argumentos para a titularidade daquele posto ou mesmo outros de nível mais baixo. António Costa provavelmente terá de se alinhar com o candidato de outro grémio partidário e repetir que é a melhor proposta da Esquerda.
6. Apresentar o programa de Governo. Então não o tinha feito? Combater o desemprego e aumentar a produtividade? Ah, esqueci-me. A questão da dívida pública também será tratada ( e que não tem nada a ver com Sócrates).
7. Fazer as listas a candidatos a deputados. O verbo fazer não cai bem. Soa a cozinhar. Em vez disso, numa lógica ascendente seria natural que a selecção de membros assentasse no mérito e não em lealdades políticas. Já sabemos que isso deu e dá quase sempre asneira. Os portugueses ficam sempre a arder com os arranjinhos dos outros.
8.Vencer as legislativas. Ouviram bem? v-e-n-c-e-r a-s l-e-g-i-s-l-a-t-i-v-a-s. Não ouvi a palavra Portugal e os portugueses uma única vez. Os socialistas não devem ser portugueses. Ou será ao contrário?
E por último, para rematar, o Expresso coloca a cereja em cima do jornal. Questiona a capacidade de impermeabilidade do PS, no contexto da bomba Sócrates, a tal "credibilidade intacta", que não sabem ainda em que condições terá ficado, e ainda a separação das águas da Justiça e da Política. Na minha opinião estas considerações finais são desnecessárias. Já temos as respostas. Mário Soares que está em todas, no princípio e no fim, foi particularmente esclarecedor. Mas com alguma sorte ainda o escutaremos este fim de semana no congresso de Évora, perdão, parque das nações socialistas, onde poderão limar a teoria da cabala, da perseguição àquela ideologia.
Mário Soares não acredita em Portugal. Mário Soares não tem fé nas instituições que ele próprio ajudou a dar à luz. Mário Soares insulta o cidadão comum e o tribunal de instrução criminal - ofende o Estado de Direito e enxovalha a Democracia. Mário Soares serve-se da sua condição para furar as regras de visita ao estabelecimento prisional. E Mário Soares tem medo. Mário Soares apresenta-se amparado por uma enfermeira, mas ainda tem fôlego para ser brejeiro e dar uma péssima imagem de um ex-Presidente da República. José Sócrates faz o que qualquer acusado faz - defende-se, e irá servir-se de todos os argumentos para o fazer. É natural que o faça, mas contradiz-se de um modo flagrante. Se o caso é político, como afirma, não pode ser exclusivamente pessoal - uma perseguição individual. Ou seja, sendo um processo político, diz respeito ao Partido Socialista. Mas há mais. Se José Sócrates considera que as imputações são injustas, está a aceitar a figura de imputação, embora não concorde com o grau da admoestação. Ou seja, a culpabilidade está presente nas suas primeiras linhas de defesa, difundidas pela TSF e o jornal Público. Podemos ter a certeza de que o special one vai usar a sua coragem extraordinária para montar uma PIDS (Polícia Internacional de Defesa do Sócrates). Isto vai dar pano para mangas.
Os primeiros passos são sempre os mais difíceis, mas ontem vivemos um dia histórico na Democracia portuguesa. Para que fique esclarecido preventivamente, não concedo tratamento diferenciado a qualquer um dos partidos que polvilha o espectro político de Portugal. Desta vez o corrupto vestia uma camisola rosa. Da próxima vez a malha pode ser outra. Não interessa. O que importa é que o país se possa ver livre destes anticorpos que têm causado tanto dano ao país. Primeira nota a reter. Se o Partido Socialista tiver um pingo de dignidade, deve, de um modo institucional, pedir desculpa aos portugueses. Foi essa casa de valores éticos e morais que forneceu aquele lider. Foi naquele partido que determinadas condições permitiram a ascensão de alguém com uma agenda contrária ao interesse nacional. Era suposto ser precisamente o oposto - a promoção de candidatos com um genuíno sentido de abnegação. Depois de anos de clamor pela ineficácia do sistema de Justiça em Portugal, o mesmo funcionou com pertinência e com sentido de reserva. O segredo de justiça, invocado pelas "primas da dona" de Portugal, existe mesmo. Se a escrivã não dissertou sobre os fundamentos das medidas de coacção devemos pensar porquê. A investigação em curso não termina com Sócrates. Certamente outros serão detidos. Deixem o sistema funcionar e deixem de ser o circo que acusam as televisões de ser. Mas a comunicação social também tem pontas soltas. Foi verdadeiramente deplorável escutar a antena da SIC Notícias. José Sócrates mexe-se bem. Afinal tem mais do que um advogado de defesa. O Dr. Araújo será coadjuvado, no recurso à medida de coacção, pelo Sr. Sousa Tavares e pela Sra. D. Clara Ferreira Alves - ambos filhos do regime, que agora começa a desmoronar de um modo expressivo. Os dois analistas nacionais devem ser considerados traidores da objectividade analítica, marionetas de um esquema ardiloso patrocinado pela SIC. O que está em causa é muito maior do que as miudezas dos modos policiais, o aparato ou falta de decoro na detenção do ex-primeiro ministro. Não nos deixemos distrair com a hipocrisia, os direitos humanos de que falam, como se Portugal fosse perfeitamente civilizado. Ainda existe um traçado a percorrer, mas Portugal não deve atravessar-se no seu próprio caminho. Venham de lá mais inéditos.