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Não vendê-las a governos de outros países. O que é ainda mais gravoso quando se trata do sector da comunicação social e o governo desse outro país tem um entendimento peculiar quanto à liberdade de expressão.
Uma das lições básicas das Ciências Sociais, pela qual passa em grande medida a refutação do cientismo, é a de que a realidade social não é um laboratório, ou seja, não é possível utilizar o método experimental, pelo que não se pode decalcar o método científico das Ciências Naturais. Claro que a Ciência Política não foge à regra. Mas eu estou em crer que esta lição está cada vez mais desactualizada. Possivelmente, tratar-se-á de uma inovação realizada pela Relvas School of Political Science. Que o diga António Borges. Mas deixando de lado a hipótese de os cientistas políticos poderem ver-se na iminência de terem que rever os seus métodos de análise, o que fica mesmo da abordagem experimental à praxis política, operada nos últimos dias a respeito da privatização da RTP, é um amadorismo sofrível. Eu preferia manter intacta a lição e que fôssemos poupados a trapalhadas que os spinners de serviço na blogosfera e no Facebook lá vão tentando disfarçar - mal, porque amadoramente, o que não deixa de estar em sintonia com o governo. Infelizmente, os politiqueiros parecem preferir a opção contrária.
Programa Eleitoral do PSD para as eleições legislativas de 2011, p. 161:
«No entender do PSD, a RTP deve concentrar-se, logo que possível, num novo modelo de gestão exclusivamente orientado para o serviço público, com vista a reduzir o actual nível de financiamento público, nomeadamente as indemnizações compensatórias. Nesse sentido, ir-se-á proceder, em momento oportuno, à alienação ao sector privado de um dos canais públicos comerciais actuais. Quanto ao outro canal, hoje comercial, ficará na esfera pública e será essencialmente orientado para um novo conceito de serviço público.»
Programa do XIX Governo Constitucional, p. 98:
«O Grupo RTP deverá ser reestruturado de maneira a obter-se a uma forte contenção de custos operacionais já em 2012 criando, assim, condições tanto para a redução significativa do esforço financeiro dos contribuintes quanto para o processo de privatização. Este incluirá a privatização de um dos canais públicos a ser concretizada oportunamente e em modelo a definir face às condições de mercado. O outro canal, assim como o acervo de memória, a RTP Internacional e a RTP África serão essencialmente orientados para assegurar o serviço público.»
Do que se sabe até ao momento, numa trapalhada a que até o Ministro da Defesa se junta, a RTP2 irá simplesmente fechar e a RTP1 será concessionada, mantendo-se a taxa de audiovisual na factura da electricidade, que será entregue ao concessionário. Para além de ser conveniente salientar que uma concessão não é uma privatização, talvez Aguiar-Branco e demais colegas de governo devessem dar uma vista de olhos no Programa de Governo que apresentaram aos portugueses.
É já dentro de cerca de meia hora que o DN convida os seus leitores a participarem no debate sobre o futuro da RTP.
Eu proponho iniciar o debate já aqui - se bem que penso que não existe muito para debater.
É simples, não existe dinheiro para manter a RTP - já para não falar que não faz sentido nenhum um estado ter uma televisão própria - no período que atravessamos não existe dinheiro para desperdiçar numa tv que se diz de serviço público (o programa do Granger ou as telenovelas mexicanas?!? não são consideradas serviço público).
O único formato que é suportável em termos de budget, é um formato como a RTP2, um formato low-cost, que faz todo o sentido do ponto de vista cultural e que realmente acrescenta algo.
E até que ponto faz sentido existir uma RTPN, suportada pelo estado, quando temos a SIC noticias ou a TVI24?
Privatizar, para não eliminar, talvez seja o melhor caminho.
E, como tal, os contribuintes têm que pagar uma televisão pública cujo principal canal é uma anedota, desta forma subsidiando indirectamente as receitas do Grupo Impresa e afins? Bela noção de democracia a deste Conselheiro de Estado. O problema revela-se ainda mais grave quando o governo é conivente com esta visão. Há que agradecer a Pinto Balsemão a honestidade e o contributo para evidenciar mais uma vez que em Portugal o que temos é uma economia privada sem uma economia de mercado e que muitos empresários gostam da concorrência desde que não seja no seu sector.
Bem a propósito da questão da privatização da RTP (entre outras), uma passagem de Chandran Kukathas (Hayek and Modern Liberalism) que deveria estar sedimentada em muitas mentes: "São as regras e não os indivíduos que governam que asseguram a segurança e a liberdade da sociedade". Enquanto a personalização do poder fizer escola e o regime não se institucionalizar devidamente por via de uma autêntica separação de poderes, e enquanto nesta quinta uns animais forem mais iguais que outros, não sendo as regras para cumprir por todos, vamos continuar a bambolear entre o centrão do vira o disco e toca o mesmo sempre propenso ao clássico erro da suprema arrogância de pensar que se é melhor que os outros na arte da desgovernação, e que por isso "agora sim isto vai funcionar". Convém relembrar Lord Acton (Lectures on Modern History), embora infelizmente a maioria dos desgovernantes não tenha memória, ou faça por não a ter: "The science of politics is the one science that is deposited by the stream of history, like the grains of gold in the sand of a river; and the knowledge of the past, the record of truths revealed by experience, is eminently practical, as an instrument of action and a power that goes to making the future."
O Fernando Moreira de Sá elucida no Aventar certa teoria da conspiração que por aí corre. Mas o mais interessante é mesmo o artigo que assina hoje no DN Nuno Vasconcellos, Presidente e CEO da Ongoing (aquela empresa que ninguém sabe muito bem o que faz, mas que está preparada para tudo, como há dias noticiava o Inimigo Público), que nos diz algo que deveria ser claro nas mentes de muita gente.