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A Alemanha que se recusa a reconhecer que a União Económica e Monetária (UEM) gera desequilíbrios que levam a choques assimétricos, que acredita que os seus excedentes comerciais resultam meramente da boa gestão e não se devem aos desequílibrios estruturais da UEM e à utilização de uma moeda subvalorizada, que insistiu na narrativa dos trabalhadores do norte da Europa vs. os preguiçosos do sul e que empurrou vários países para resgates financeiros que tinham entre os seus principais objectivos a privatização de empresas em sectores económicos estratégicos, vem agora queixar-se da influência que a China tem sobre os países europeus em que investiu. Mais do que irónico, é ilustrativo quanto baste da falta de visão da liderança merkeliana e de todos aqueles que sofrem do que Ulrich Beck denominou por cegueira da economia, que atinge muitos economistas que, segundo Wolfgang Munchau, padecem de analfabetismo político-social.
Tenho estado aqui a pensar para com os meus bretões, perdão, portugueses, e ainda não cheguei a uma conclusão satisfatória. Por que razão os cidadãos deste país fogem das privatizações como o diabo foge da cruz? Porque será? Será que existe um medo profundo em dar a cara e assumir a responsabilidade pelos actos? Ao longo de décadas de invocação ideológica e constitucional, cultivou-se a ideia de contrato social para todas as ocasiões. A entidade pública, fizesse chuva ou sol, lá estaria para passar o cheque ao fim do mês. A empresa está falida e é deficitária? Não faz mal. O pai Natal paga. E este tipo de mentalidade de dependência da subvenção vitalícia infiltrou-se de tal modo na psique colectiva que qualquer tentativa de "individualizar a existência" e assumir o risco foi prontamente rejeitada. Há algo profundamente hipócrita nesta tomada de posição. A abstracção não tangível da empresa pública serviu na perfeição para os mais variados devaneios à custa do freguês que foi em cantigas de deveres do Estado e justiça social. As empresas públicas don´t always do it better. O resultado está à vista. Como se fosse desejável matar a criatividade que estravasa os limite da caixa do Estado. As empresas públicas foram o camuflado perfeito para dissimular a incompetência e albardar o país com despesismos desnecessários. Mas este padrão de comportamento arrebanhado também contaminou o espectro privado. Ou seja, o próprio sector privado carece de privatização. Nas empresas privadas que operam no mercado nacional, uma espécie de corporativismo maligno afecta as operações. Neste país é muito desgastante ser criativo, porque esse mistério da imaginação acaba por pôr em causa as estruturas de poder instaladas. Deste modo a mentalidade privada também não está livre de críticas. Revela-se em muitas ocasiões, bota de elástico, retrógrada e semelhante aos monstros que pretende abater - o Estado. Portugal comemora décadas de pertença ao mercado comum, mas teima em aceitar a normalidade subjacente às privatizações. Para além disso, existe um certo prazer autofágico-sado-maso no amor pela entidade pública. São os dinheiros de cada um de vós que têm sustentado os defeitos de fabrico e operação de empresas sagradas, apanágio da má rês pública. Por outras palavras, os portugueses estão dispostos a deitar dinheiro pela janela, desde que o seu nome não fique indelevelmente associado a uma desgraça, à bancarrota anunciada há décadas mas afastada pela ética colectiva, questionável. É tão bom poder se esconder atrás da empresa do Estado. Portugal encara enormes desafios, mas a privatização da mentalidade será um dos maiores - pôr cada um a pensar por si, em nome de todos e ao serviço de um novo modelo existencial para Portugal. Não sei, não. Sei, sei.
Nota:
rês
(árabe ras, cabeça)
substantivo feminino
1. Qualquer quadrúpede que, depois de abatido, é usado para a alimentação humana.
má rês
• [Popular] Pessoa de instintos ruins; má firma; velhaco.
Plural: reses.
Confrontar: rés.
Palavras relacionadas: rés, chambão, mioleira, saquim, rabada, assacate, magarefe.
"rês", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/r%C3%AAs [consultado em 16-06-2015].
O grande problema que era a TAP foi resolvido. O interesse do Estado, os interesses dos contribuintes foram salvaguardados. Agora será o mercado a funcionar. Agora já não serão os contribuintes a serem obrigados a sustentar uma empresa contra a sua vontade. E também se cumpriu o acordado com a Troika, pelo que é o prestígio do país que também sai salvaguardado.
Agora, para normalizar a situação em Portugal e colocá-la a par do que se passa no resto da Europa, já só falta:
- Acabar com as rendas de energia tal como ficou acordado no Memorando de Entendimento com a Troika, rendas essas que são ilegais à luz do Direito Comunitário e que são responsáveis por Portugal ter uma das electricidades mais caras da Europa.
- Acabar com as Parcerias Público-Privadas abusivas e que isentam os privados de quaisquer riscos de mercado, que estão arruinar as finanças públicas e o país por gerações, e que obrigam os contribuintes a sustentarem empresas contra a sua vontade, boa parte do tempo pagando serviços de que não usufruem nem solicitaram.
- Introduzir concorrência no mercado de combustíveis, tal como ficou acordado com a Troika, para pôr um fim à cartelização do mercado e para que Portugal deixe de ter uma das gasolinas mais caras do Mundo.
- Reduzir o número de autarquias, tal como era exigido pela Troika em 2011.
- Reduzir os mais de 2 mil institutos públicos, fundações e observatórios, grande parte deles de utilidade duvidosa e que consomem muitos milhões de euros que o contribuinte tem de sustentar.
Como se vê, já não falta tudo.
Apesar de tudo o que já foi dito e escrito, e não tendo conseguido acompanhar integralmente a conferência de imprensa de Sexta-feira (e os jornalistas portugueses de serviço não conseguiam fazer uma tradução simultânea capaz e também não deixavam ouvir o som original), estive hoje a visioná-la no Youtube.
Mesmo não me revendo minimamente nos partidos no poder na Grécia, e também não vendo grandes hipóteses de sucesso no projecto a que se propõem (a menos que a Rússia entre em cena...), há que reconhecer mérito ao ministro das Finanças grego pela postura e argumentação.
É difícil não concordar que é necessário aligeirar o pesadíssimo fardo que foi colocado sobre a Grécia pelo pagamento de uma dívida que tem sido maioritariamente canalizada para os bancos, provocando uma devastação económica e social da qual, a ser prosseguida, o país nunca recuperará. É também compreensível que, neste cenário, os gregos queiram negociar as reformas, o modo de pagamento da dívida, e decidir sobre as suas privatizações. Sobre isto, e mesmo admitindo continuar as privatizações de forma ponderada, Varoufakis diz (aos 43 minutos do vídeo):
«A ideia de liquidar os meios do Estado para ganhar uns tostões que depois serão deitados no buraco negro de uma dívida impagável não é algo que subscrevamos. Não é preciso pertencer à Esquerda radical grega para concordar com isto.»
Outro momento importante é, aos 53 minutos, quando Yanis Varoufakis se refere à postura de Portugal e de Espanha, com bastante cordialidade.
É claro que Varoufakis não é o Syriza, e obviamente não devemos cair na ilusão de que o seja. Mas vale a pena ouvir o que o lado grego tem para dizer, mesmo que o fracasso seja a hipótese mais provável.
(Em Inglês, a partir do minuto 11)
Raymond Boudon, Os Intelectuais e o Liberalismo:
«Numa palavra, a tendência que prevalece em amplos círculos, ainda hoje, é no sentido de interpretar o liberalismo através de uma óptica marxista e o Estado jacobino como único remédio para a «dominação de classe». Isto acontece com muitos intelectuais, mas mesmo com o político de centro-direita, que acha ser seu dever declarar que não tem nada a ver com um liberalismo que só é bom para aqueles que não se reconhecem na cultura «anglo-saxónica». Acontece o mesmo com o investigador do CNRS que reconhece que determinada empresa pública deve procurar fazer algumas economias, em vez de endividar as gerações presentes e futuras de contribuintes, mas ao mesmo tempo receia que ela saia das mãos benevolentes do Estado para cair nas da iniciativa privada, necessariamente malevolentes e em qualquer caso egoístas. Porque da influência conjugada do marxismo e do jacobinismo resulta que haja muita gente que considera axiomática a ideia de que a privatização e a regionalização geram necessariamente a desigualdade. Por isso pouco importa que a obesidade do Estado central prejudique toda a gente.»
Para além de tudo o que é evidente, encarecer o transporte aéreo em Portugal significa não só prejudicar a economia nacional no que depende de ligações internacionais e internas (e prejudica de sobremaneira os Açores e a Madeira), como fazê-lo na actual situação económica e, ainda por cima nesta altura do ano em que os agentes turísticos ultimam os pacotes de férias de Verão a serem colocados à venda em breve, é dar uma autêntica machadada no turismo português, um sector cujo bom funcionamento - escusado será dizer - é vital para escaparmos à bancarrota.
Palavra de honra, mas esta gente endoideceu por completo?!
«Ana, grávida da nova Lisboa», por Daniel Deusdado no JN:
«Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da ANA, uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que, entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de apelido Vinci, especialista em autoestradas e mais recentemente em aeroportos, pediu a nossa ANA em casamento. E o Estado entregou-a pela melhor maquia (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 47% de margem de exploração (EBITDA).
O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor. O grupo francês Vinci tem 37% da Lusoponte, uma PPP (parceria público-privada) constituída com a Mota-Engil e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre o Tejo. Ora é por aqui que percebo por que consegue a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...
Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a construção de Alcochete depende da saturação da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair não vai manter 37 destinos em direcção ao Porto se puder aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar as taxas para as low-cost e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção (a sua especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em Portugal. Bingo! O Estado português será certamente chamado a dar avais e a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para o local. Bingo!
Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para ligar Alcochete ao centro de Lisboa. E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma ponte apenas, rodoferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista ponte Chelas-Barreiro (por onde, já agora, pode passar também o futuro TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o monopólio e know-how das travessias do Tejo? Exactamente, a Lusoponte (Mota-Engil e Vinci). Que concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e 25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo!
Um destes dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o mercado... E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo? O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em Portugal, claro.»
A que eu acrescento:
1. Assim se vê porque é que a intenção do incómodo e detestado Álvaro Santos Pereira, de criar um aeroporto para as companhias low-cost que reforçasse a Portela, foi travada.
2. Cumpre-se a regra de que quando o governo é PSD, os grandes negócios do Estado vão para franceses, da mesma forma como quando o governo é PS, vão para alemães (mesmo que não seja quem acaba por assinar o contrato, como aconteceu no caso dos submarinos).
3. Um sector do qual depende o nosso turismo (estamos bem a falar do monopólio dos aeroportos) é entregue aos franceses, que são nossos concorrentes enquanto destino turístico. Sabendo-se do nacionalismo económico que vigora em França, e de como a coordenação entre Estado e privados é total quando o interesse nacional francês está em causa, convenhamos que foi uma coisa muito bem feita, de uma sensatez a toda a prova. Dos empresários do turismo, nem uma palavra: estão completamente a Leste do que está em causa.
4. Agradece-se encarecidamente a todas as boas almas que saem sempre em defesa das privatizações, quaisquer que sejam e por mais ruinosas que sejam as suas condições. Lindo serviço.
A ética está ao alcance de todos. A Fundação Calouste Gulbenkian expõe para venda títulos de grande qualidade. Livros editados pela casa e a preços de saldo. Acabo de trazer para casa um dos tratados mais importantes sobre Ética do século passado. O livro - Principia Ethica de G.E. Moore (edição em língua Portuguesa, FCG. A edição original data de 1903, Cambridge University) -, pode ser seu por uns míseros 6 Euros. Aliás, na bancada que ostentava esta obra, outros títulos épicos estão à mão de semear. E não são livros quaisquer. São clássicos de Alexander Hamilton, Wittgenstein, Kant ou Platão. Um conjunto notável de textos que serviria para reescrever os postulados da política contemporânea. Princípios que parecem ter passado ao lado da inteligência governante...perdão, ignorante. Em plena época de privatizações, talvez não fosse má ideia os governantes "privatizarem" um pouco de saber em nome do seu crescimento pessoal, mas em última instância para melhor servir o interesse público. Mas parece que ambas as condições não são compatíveis. Diria até que um dos requisítos para a função governativa é não ter bagagem e viajar nesse firmamento de debilidade intelectual.
O irmão siamês do sr. Bohlwinkel (und zu Blumenstein), vê agora adiada a golpaça nos Transportes Aéreos, futuramente ex-Portugueses. Ainda não foi desta e talvez fosse melhor reconsiderar-se seriamente o assunto.
As privatizações que estão a delapidar o património económico nacional, revelam uma certa coerência programática. Fazem sentido numa lógica de anulação, típica de regimes autoritários que têm de garantir a sua sobrevivência numa base quotidiana. O imobilismo do "inimigo interno" é condição necessária para não se tombar da cadeira do poder. A restrição da mobilidade de pessoas e o condicionar de ideias contestatárias são requisítos mínimos de qualquer força decidida a levar por diante os seus intentos de redistribuição de privilégios. Quando o Governo recomendou a emigração enquanto panaceia para os males dos desempregados, talvez o tenha feito numa lógica de sentido único, de bilhete de ida sem retorno. Nesse contexto, faz sentido impedir o regresso desses trabalhadores equipados com força anímica para deitar abaixo os fortes da casa. Nessa lógica perversa, faz sentido destroçar a TAP, torná-la irrelevante e inconsequente. Por analogia, a RTP também é um veículo perigoso. A antena serve para chamadas urgentes, para o envio de códigos morse para colaboradores dispostos a derrubar emissões, difusões unilaterais enviadas de São Bento. O sector energético, que já lá vai, é outra variante da mesma força de controlo. A qualquer instante é possível puxar a tomada e deixar às escuras largos espectros da população. O que está a acontecer é mais elaborado do que se possa pensar. Em nome das privatizações é possível transferir o ónus moral da destruição para terceiros enquanto o governo, que ainda se mantém no poder, pode lavar as mãos de eventuais danos e eximir-se de responsabilidades pelo extermínio da malha económica nacional. Convém relembrar que nesta dança de privatizações, avultadas somas são requeridas para formular os contratos de cessação, de transferência. O regime jurídico nacional está à mão de semear de ambas as partes envolvidas nas transacções. As demissões a que iremos assistir irão acontecer para abrir caminho para novas nomeações por forma a dar a aparência de limpeza ética, quando no fundo tudo permaneçerá igual nas panelinhas e na lógica de favores e compensações. O interesse nacional, apregoado por Cavaco Silva como a Santa Trindade, está a ser devassado de um modo particularmente doloroso. As joias da coroa não o são. São empresas com valor intrínseco assinalável, sobretudo por terem sobrevivido a processos políticos nefastos. Depois do adeus, do acenar na Portela, não sei o que restará a Portugal que possa ser defendido de um modo visceral. Uma vez quebrado o tabu, aberta a caixa de Pandora, não haverá limites para o que possa ser vendido ao desbarato. O governo não passa de um reles agente imobiliário. Compre a casa e já agora leve o recheio.
As privatizações comandadas pelo maior corifeu da trampolinice política portuguesa, Miguel Relvas, são uma demonstração incontestável do indiferentismo a que chegámos enquanto colectividade política. A política de privatizações deste Governo é um exemplo pobre e tacanho da confusão que, por vezes, emerge em algumas cabecinhas entre o poder de fazer e a licitude inerente a esse mesmo poder. Privatizar não significa, de modo algum, entregar o ouro ao bandido, mais, privatizar não pressupõe a entrega de negócios certos e garantidos a companheiros de salão. Numa sociedade civilizada, em que o bem comum é a matriz fundacional do arranjo social, o ministro Relvas já teria sido há muito demitido, porque, como dizia o emérito jurista, Manuel Rodrigues Leitão, "quem faz tudo o que pode, está muito perto de fazer o que não pode". E, Relvas faz sempre o que pode, fazendo, assim, o que não pode, com o indiferentismo garrettiano como pano de fundo. Um poder regido desta forma, é um poder iníquo e injusto.
Terminou há pouco o Prós e Contras dedicado à privatização da TAP (a três dias do anúncio da decisão do Governo), numa das edições mais importantes do programa da RTP.
Ficou perfeitamente evidente como este negócio será desastroso para o País (a par da venda da ANA), do ponto de vista empresarial, patrimonial, económico e do interesse nacional (e não apenas do Estado), a tal ponto que os três convidados que começaram por defender a privatização acabaram no final por dar razão aos argumentos para não privatizar. Mesmo que o assunto estivesse a ser tratado com transparência e normalidade (que claramente não está), seria na mesma um erro histórico, cujos prejuízos se sentirão para sempre. Foram referidos os exemplos do desmembramento e da destruição da Cimpor, contra todas as promessas feitas no momento da sua venda a empresas brasileiras, e por outro lado, da possível renacionalização da Ibéria, uma hipótese que o país vizinho equaciona.
Em resumo, a TAP é uma empresa estratégica (uma expressão que muita gente parece não compreender) de uma importância capital não só pelo ingresso de divisas que representa para Portugal (representa 1% do PIB) mas também pelo serviço que presta à economia portuguesa e aos interesses portugueses no Mundo (4 milhões de cidadãos estrangeiros expatriados), algo de que Portugal não pode prescindir, e nada disso fica assegurado se for privatizado e o seu centro de decisão sair de Portugal e do Estado (como estão os espanhóis a sentir no caso da Ibéria, com os interesses ingleses a sobreporem-se aos espanhóis). A situação estratégica de Portugal é um activo valioso (economica e politicamente) que deve ser usado por Portugal e para bem dos Portugueses; nunca cedido a estrangeiros.
Se este negócio prosseguir, Portugal ficará mais pobre economicamente, politicamente e na sua dimensão internacional, e não é por acaso que outros países não se aventuram a fazer o mesmo. Será mais um erro histórico a lamentar, mais um numa longa série que nos trouxe à actual situação.
Espero que o Governo não prossiga neste erro e se o fizer, pela minha parte, PSD e CDS saem definitivamente do meu boletim de voto, sem hipótese de regressar.
«Greed is good.»
«Proposta para a TAP abaixo das expectativas do Governo
Como era de prever.
É óbvio que este claramente não é o momento para privatizar empresas, por muito que os cofres públicos estejam necessitados, pela simples razão que nas actuais condições de mercado e de investimento, o Estado nunca poderá arrecadar receitas minimamente interessantes em troca do património que perde, por muito que sejam cumpridas as regras estabelecidas. E arrisca-se a atrair simples oportunistas sorridentes que dizem o que o português quiser ouvir.
Era evidente que, com apenas um candidato à compra, com o Estado a tentar fazer dinheiro apressadamente e num ambiente de crise e de grande incerteza quanto ao futuro (na vizinha Espanha, a Iberia prepara-se para despedir 22% dos seus trabalhadores e desfazer-se de 15% dos seus aviões, segundo o Financial Times de sexta), a proposta seria sempre má. E cito Pedro Sousa Carvalho, hoje no Diário Económico:
Naturalmente que o investidor colombiano/brasileiro/polaco German Efromovich (que adquiriu a Avianca quando a esta se encontrava à beira da falência) age como lhe compete e argumenta como pode para justificar a sua proposta, referindo riscos potenciais e até uma suposta necessidade de gastar milhares de milhões de euros para renovar a frota da TAP como se ninguém se lembrasse que a empresa renovou há pouco tempo parte dos seus aviões numa polémica compra à Airbus (que não obteve contrapartidas para a indústria portuguesa), negociada pelo governo de José Sócrates.
Com a perspectiva de simplesmente ceder a TAP a troco de uma menos-que-ninharia de 20 milhões de euros (convém referir que o Grupo TAP inclui todo um conjunto de empresas, da Portugália ao handling e ao catering, os 20% na Air Macau, e o ramo de manutenção, cuja filial brasileira tem desde há pouco tempo um valioso cliente, a Força Aérea Brasileira; ou seja, há muita coisa que poderá ser desmembrada da empresa-mãe e eventualmente vendida sem romper o compromisso de não vender o Grupo TAP nos próximos dez anos exigido pelo Governo), parece-me óbvio que não resta outra solução que não desistir da privatização.
E é bom que o PSD e o CDS compreendam que, a prosseguir este negócio, hipotecarão para sempre a sua credibilidade já que a opinião pública não esquecerá nem perdoará, sendo o erro estratégico evidente que é. Já basta o facto de o Governo ter sequer considerado este investidor com base numa proposta preliminar superior em apenas 15% à agora apresentada.
Depois da má experiência com a Swissair nos anos 90, esta será a segunda desistência da privatização da TAP, mas ao menos desta vez o erro poderá ser evitado a tempo. Há que ser realista e ver que a situação é o que é, que não se arranjam bons investidores por decreto, e que ao Estado só resta fazer uma coisa: arregaçar as mangas e gerir a empresa com eficiência, e enfrentando o maior obstáculo ao seu sucesso: os sindicatos. Se isso for feito, a TAP, que é reconhecidamente uma das melhores companhias aéreas do Mundo e que há décadas se mantém ininterruptamente entre as cinco mais seguras (juntamente com a australiana Qantas), deixará de ser uma fonte de preocupações e será uma fonte de lucros para o Estado, tal como foi no passado.
Por fim, e já que aqui recorri ao filme Wall Street, de Oliver Stone: a quem não se lembrar, aconselho que o reveja para ver como Gordon Gekko obtém e o que quer fazer de uma companhia aérea chamada Blue Star Airlines.
O governo deverá estar muito atento ao que se passa com a "companhia de bandeira" do país vizinho. A fusão com a British Airways não parece ter colhido os benefícios esperados e hoje a Iberia enfrenta uma drástica redução da sua frota, encolhimento do volume de negócios, despedimento de pessoal e o corte de rotas, sobretudo na América "Latina". O que quer isto dizer, quando temos a TAP em discussão?
Não há espaço para asneiras.
Por estes dias, o que fragmenta politicamente os portugueses e cria facções são as dicotomias entre público e privado, privatização ou não da RTP, aumento ou não de impostos. Entediante e sintomático do pensar baixinho que domina o Portugal troikado. Mas não surpreendente. Quando se nivela a polis por baixo, rebaixando a democracia ao nível de um qualquer relvado que providencia sustento a coelhos, continuando o trabalho dos que ao longo de décadas politicamente nos abalroaram, financeiramente arruinaram e moralmente esmagaram, o resultado não pode ser outro que o estado a que chegámos. Sem nos refundarmos, só nos afundaremos ainda mais.
Se desde 2008 andamos a brincar às nacionalizações de bancos para esconder sabe-se lá o quê, às privatizações que demoram eternidades, a aumentos de impostos para alimentar um défice crónico e uma dívida pública galopante, a cortes salariais à função pública que em nada reduzem a despesa estrutural do estado, a questionários às fundações para fazerem prova de vida para depois se poder decidir da continuidade dos subsídios que lhes são atribuídos, à privatização da RTP (que agora é concessão, mas que o PSD blogosférico, numa tentativa orwelliana de duplo-pensar, quer fazer crer que é mesmo uma privatização), sem falar na já esquecida questão dos milhares de institutos públicos que ninguém sabe muito bem porque existem ou o que fazem, entre outros dislates com que os politiqueiros nos prendam todos os dias, é porque a crise e a austeridade, na realidade, ainda não chegaram ao estado. Não há honra alguma em asfixiar os portugueses com impostos para alimentar este estado de coisas, solução sempre à mão e que é reveladora quanto baste da qualidade de quem nos desgoverna há já várias décadas. Como escreveu Eça, "isto não é um país, é um sítio e ainda por cima mal frequentado!"
Não tenhamos ilusões, pois por mais promessas que os predadores associados British Airways-Iberia façam, o destino da TAP será o desaparecimento em poucos anos. Não contem com a renovação da frota, a abertura das anunciadas novas rotas e a manutenção dos postos de trabalho. A dar-se a fusão, serão apenas mentiras. O que lhes interessa? Apenas o saque das rotas africanas e sul-americanas. A prova? Deixando de lado outras aquisições - em Espanha, por exemplo - que ditaram a extinção de companhias, eles têm a clara pretensão de mascarem o miolo, deixando as côdeas duras de fora. As ditas côdeas compreendem algumas migalhas, mais precisamente os pilotos.
A gente do governo devia ter juízo quanto a este aspecto das "privatizações" a todo o custo e brida. Que pensem seriamente naquilo que a TAP representa para os portugueses, sejam eles de "esquerda" ou de "direita".
Pedido de esclarecimento, por Rui A.:
«Alguém saberá informar quantas fundações já foram encerradas? Quantas empresas públicas foram já privatizadas ou qual é o calendário das privatizações? Quais os organismos do estado e da sua administração que já efectivamente desapareceram? Se a RTP vai ser ou não vendida, e quando haverá uma decisão palpável sobre essa empresa? Se a TAP vai pelo mesmo caminho e quando? E o que irá suceder com a Caixa Geral de Depósitos, alguém poderá dizer-nos? Quando? 120 dias após a entrada em funções do governo e muitos impostos entretanto já criados, aumentados e cobrados, será cedo ainda para termos respostas que ultrapassem as simples declarações de intenções?»
Bem a propósito da questão da privatização da RTP (entre outras), uma passagem de Chandran Kukathas (Hayek and Modern Liberalism) que deveria estar sedimentada em muitas mentes: "São as regras e não os indivíduos que governam que asseguram a segurança e a liberdade da sociedade". Enquanto a personalização do poder fizer escola e o regime não se institucionalizar devidamente por via de uma autêntica separação de poderes, e enquanto nesta quinta uns animais forem mais iguais que outros, não sendo as regras para cumprir por todos, vamos continuar a bambolear entre o centrão do vira o disco e toca o mesmo sempre propenso ao clássico erro da suprema arrogância de pensar que se é melhor que os outros na arte da desgovernação, e que por isso "agora sim isto vai funcionar". Convém relembrar Lord Acton (Lectures on Modern History), embora infelizmente a maioria dos desgovernantes não tenha memória, ou faça por não a ter: "The science of politics is the one science that is deposited by the stream of history, like the grains of gold in the sand of a river; and the knowledge of the past, the record of truths revealed by experience, is eminently practical, as an instrument of action and a power that goes to making the future."
Normalmente, em debates com pessoas minimamente inteligentes e racionais, deve-se evitar brandir a acusação de "demagogo". A mais das vezes, significa que quem o profere perdeu o debate, passando a tentar desqualificar intelectual e mentalmente o adversário. É por isso que faz já várias semanas que Manuel Castelo-Branco perdeu o debate sobre a privatização da RTP, quando deixou de ter argumentos para contrariar os dos Blasfemos. Recomenda-se ainda vivamente a leitura deste post inebriado de fundamentalismo demagógico do Tomás Belchior, que aqui deixo na íntegra:
Até estou disposto a admitir que a RTP não é só um esquema para oferecer empregos bem remunerados a uns milhares de pessoas. Mas uma coisa é certa: a RTP não é um grupo de comunicação social. É um braço político do(s) Governo(s) e é como braço político do(s) Governo(s) que tem de ser avaliada. É por isso que me faz alguma confusão ver o Manuel Castelo-Branco falar em “racionalizar” a RTP sem sequer aflorar essa questão.
A RTP tem uma única missão, arranjar votos, e duas formas de cumprir essa missão: indirectamente, através do “serviço público” (que muita gente defende mas que pouca gente vê) e do condicionamento do sector da comunicação social e, directamente, através de propaganda mais ou menos explícita. “Racionalizar a RTP” significa melhorar o rácio euro/voto do dinheiro que os contribuintes portugueses metem na empresa. Não significa, ao contrário do que o Manuel Castelo-Branco diz, combater o desperdício, arranjar estruturas mais produtivas ou definir estratégias empresariais racionais. Isso é o que os privados fazem. Isso é o que só os privados podem fazer. Logo, se é para avançar nesse sentido, mais vale passar-lhes a bola o mais rapidamente possível.
O problema é que, se a RTP cumprir a sua missão como empresa pública, funciona como uma espécie de subsídio à acção governativa. Um subsídio que os contribuintes são obrigados a pagar pelos governos cuja acção subsidiam. Não me parece uma situação particularmente higiénica. Como se isto não bastasse, ainda resta saber se os contribuintes ganham alguma coisa com esse subsídio, ou seja, se ao subsidiarem essa acção governativa subsidiam a qualidade da acção governativa ou apenas a sua quantidade (e, pelos vistos, o resultado líquido dos concorrentes da RTP).
Enquanto a RTP for pública, são estas as contas que têm de ser feitas. A RTP é mal gerida porque é pública e não é “racionalizável” enquanto se mantiver pública. Eu percebo que eventualmente não se possa falar desta questão abertamente mas talvez o facto de não se poder falar disto acabe por ser o melhor argumento para se tirar de uma vez por todas o Estado da comunicação social.