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O anúncio da possibilidade de Portugal estar a poucas semanas da saída da recessão técnica deve ser lido como um aditivo para justificar as previsíveis medidas cautelares, mas o problema é o mesmo de sempre - os bons números económicos não traduzem a dimensão qualitativa da vida das principais vítimas da crise - as pessoas. Aliás, foi precisamente o advento e a consequente consolidação da econometria que ditou a ruína do homem. Em termos académicos a recessão define-se por dois trimestres consecutivos em que não se regista crescimento económico. Mesmo que haja inversão da tendência, longe estamos de poder registar uma significativa melhoria das condições do mercado laboral. Mesmo sendo um lagging indicator - o primeiro indício de um processo positivo a registar no médio e longo prazo, a verdade é que o nível de desemprego não acompanha a par e passo as vitórias técnicas e administrativas. Eu entendo que o governo queira aproveitar todos os detalhes de optimismo para justificar as políticas de austeridade e as decisões a tomar ao abrigo de um programa cautelar, mas a vida do cidadão português não se modifica com um simples estalar de dedos - o acenar adeus à recessão. Há danos que perdurarão por anos. Paulo Portas fala nos oito meses que ainda faltam para cumprir o programa de resgate, mas esse período de tempo é traiçoeiro - não permite alterar os elementos substantivos que definem a realidade económica e social. Oito meses é em muitos casos o tempo de gestação suficiente para dar à luz outras considerações negativas. É no fim do ano económico que as empresas e governos de todo o mundo aperaltam os principais indicadores, douram a pílula, para poder lançar o ano novo como se tratasse de um novo mandato político resultante de eleições. Esse magistério de réveillon económico é utilizado para aproveitar um certo entusiasmo natural que reside na psique colectiva - ano novo vida nova. Mas os portugueses já pressentem que o que aí vem não é muito bom - já declararam a sua quebra de confiança, a sua falência motivacional. Seria tão bom que todas estas declarações técnicas correspondessem à melhoria efectiva das condições de vida dos portugueses. Mas convém lembrar que não se trata de um jogo de monopólio por mais que sejam regras impostas pelo regime da Troika. Seria preferível que gritássem e esperneássem de um modo honesto - Portugal, para mal dos seus pecados, vai necessitar de muita ajuda nos meses e anos que aí vêm. O PS, e o seu jogador de tabuleiro António José Seguro, estão a tentar perceber qual o melhor modo de capitalizar nesta situação de cautela ou sem cautela. Se avançam agora ou se permanecem espectadores da tragédia, para dizer depois - "estão a ver, tínhamos razão". A taluda que pretendem, acaba por escamotear a verdade, a mesma verdade inconveniente - querem o poder, e depois a seu tempo lidarão com as mentiras ou as meias-verdades económicas e sociais. Qualquer que seja o senhor que se segue, vai ter as mãos a arder - a pasta quente do processo de recuperação de Portugal que não se extingue com a substituição dos titulares do poder. O desafio transcende, e muito, a força da técnica ou o seu contrário - é algo mais simples e ao mesmo tempo intensamente mais complexo - chama-se sobrevivência de um povo, sofrimento e esperança. Por isso, toda e qualquer "conversa técnica", pode ser considerada indecorosa para quem não tem emprego - a técnica adequada para dar a volta por cima.