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A tão propalada saída limpa do programa de assistência não altera a substância dos factos. Portugal continuará endividado por muitas décadas; o desemprego estrutural não baixará dos 10% e o crescimento económico será ténue, senão insignificante, nos anos que se seguem. Para já, as contas do país beneficiaram do choque fiscal que foi aplicado às empresas e aos contribuintes portugueses. A ideia de que "a casa está arrumada" foi vendida, como seria de esperar, de acordo com um calendário político preciso: eleições europeias a semanas de acontecer e legislativas ao virar da esquina. O governo, ao oferecer a ilusão de retorno à normalidade financeira, à soberania e à independência nacional, assemelha-se a outro diletante - António José Seguro. Este último, presente no outro canto do mesmo ringue de boxe fala desalmadamente sobre as condições do presente, mas omite como será o futuro. E os tempos que se seguem (parecidos com estes) irão traí-lo, caso chegue ao poder cheio de garra e entusiasmo socialista. A inversão das condições económicas e sociais que o governo anuncia e a oposição sugere quando chegar ao anti-governo, colocam Portugal numa situação particularmente difícil. O país está efectivamente à mercê da inconsciência e do engodo de lideres presentes ou futuros. Seria preferível que apresentassem aos portugueses a verdade nua e crua, ou pelo menos uma boa parte dela. As décadas que se seguem serão condicionadas pela vigilância apertada do FMI. Ao passarem a vistoriar Portugal de seis em seis meses, concedem uma margem de manobra ligeiramente melhor, mas não largam a trela. Retiram o açaime, mas continuam a dar ordens ao Bóbi - fica, senta, quieto! O Marcelo Rebelo de Sousa também é outro tonto a ter em conta. Vê-se mesmo que não lê as obras todas que despeja em frente à Judite, porque se lesse, seria mais sensato e não diria calinadas: «os portugueses não vão ficar altos e loiros como os finlandeses, nem ricos como os alemães». Quais são os portugueses que desejam ser como os finlandeses ou os alemães? Os portugueses são o que são, para bem ou para mal, e continuarão a sê-lo pelo menos por mais 800 anos. Nessa lógica temporal, anacrónica e histórica, os portugueses deveriam desejar ser como os chineses. Ou seja, perspectivar a grande história que se estende milenarmente. Sem dúvida que serão décadas duras as que se seguem, mas as mesmas devem ser entendidas como um acidente de percurso de um país com oito séculos de história. Contudo, seria bom que aprendessem como os erros, mas tenho dúvidas. Há uma tendência inata para repetir os mesmos.
Uma saída nem sempre pressupõe uma entrada. E é isso que me preocupa. A ênfase colocada na saída do programa de ajustamento a 17 de Maio sem que se vislumbre uma entrada. A passagem para um território seguro, para terra firme. Sabemos muito bem que um doente crónico, a que dão alta em determinada data, fica obrigado a consultas regulares para observar se a recuperação é tendencialmente positiva. Os políticos portugueses vivem obcecados com a numerologia da retoma. Como se tudo se pudesse reduzir a níveis de taxas de juro e percentagens. Por isso o consenso em Portugal me parece improvável. Porque o mesmo se baseia na dimensão quantitativa da política, colocando à margem a dimensão moral. Não interessa muito qual a data oficial da partida da Troika. O que interessa, e muito, é a capacidade de implementar soluções que façam erguer os portugueses da sua ruína económica e social. Os tempos que se seguem (falo de anos, falo de décadas) exigirão uma grande atitude colectiva. Um esforço acrescido para que cada português, filiado ou não, faça cair por terra a pequena política, a mentalidade de quintal. O que diz Cavaco não é totalmente desprovido de verdade e o que diz Belmiro peca por comparar alhos com bugalhos. Não sei de que modo o país se pode reinventar se insiste nos rancores e na ideologia de bancada que apenas serviram enquanto elementos fracturantes da sociedade portuguesa. A revolução cultural que Portugal necessitaria tarda em acontecer. A dinâmica de pensamento capaz de questionar as grandes estruturas, a matriz condicionadora dos processos, não está a acontecer. Nessa medida, o caso português apresenta-se-me como particularmente bicudo. Persiste na consciência colectiva um certo saudosismo por um modelo económico e social que já demonstrou a sua insuficiência. E todos sabemos que em equipa que não funciona, deve-se mexer...e muito.
Nem sempre se pode fiar no que diz Cavaco (o que diz Cavaco?), mas desta vez o Presidente da República fala a verdade. Os efeitos (e as medidas) do programa de ajustamento far-se-ão sentir até 2035. E o chefe de Estado partilha este aviso porque em breve estará disponível para estar do outro lado da barricada, precisamente no mesmo campo onde a FMI ou o Banco Mundial têm as suas sedes - os mesmos que condicionam a vida portuguesa. Estará Cavaco Silva a piscar o olho a futuros patrões? Mas, mesmo assim, atingida essa data do calendário, apenas 75% dos dinheiros emprestados serão honrados. Alguém terá de responder pelos restantes 25%. No entanto, este discurso aterrador pode ter tido um efeito positivo - se não vai a bem, vai a medo. O PS já se mostra disponível para debater algumas questões com o Governo, ou, para todos os efeitos legislativos, o PSD. Será que o tal consenso nacional pode emergir a partir de um efeito pavloviano desta natureza? Será que lentamente começam a perceber que o salvamento do país é uma questão que tem de envolver todas as partes sem excepção? Em 2035, Cavaco Silva terá mais ou menos 100 anos de idade. Será, para todos os efeitos mais velho que a soma do Antigo Regime e dos 40 anos de Democracia em Portugal. Mas existirá melhor figura para ser o portador destas péssimas notícias? Penso que não. A haver alguém com o perfil certo para entregar este telegrama, essa pessoa é Cavaco Silva. Os outros, a caminho de Belém ou não, como Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa ou Guterres, decerto que prescindirão das verdades que comprometem seriamente as suas candidaturas. E é com isso que teremos de contar. A política que subalterniza o interesse nacional e o sentido de emergência que deve permear todas as instituições e figuras de Estado. Não será o caso, certamente.