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Um oportuno post de Henrique Monteiro. Pelos motivos por este enunciados e não só, desde logo outros que se prendem com o Direito Internacional Público e a História das Relações Internacionais e que qualquer estudante de Direito ou de Relações Internacionais tem obrigação de saber, é óbvio que Portugal não é um protectorado. Infelizmente, a demagogia e o populismo são demasiado tentadores para algumas mentes.
Assim, permitam-me duas citações (negritos meus). Em primeiro lugar, Joaquim da Silva Cunha, Direito Internacional Público, Lisboa, ISCSP, 1990, p. 71:
"É uma figura que também actualmente só tem interesse histórico. Nos exemplos concretos que dela podem colher-se, na história do Direito Internacional, a autonomia interna do Estado sob protectorado podia manter-se, embora com restrições mais ou menos extensas, mas a autonomia externa era completamente suprimida, substituíndo-se o Estado protector ao Estado protegido no exercício do direito de celebrar tratados e do direito de legação."
Em segundo lugar, Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 498:
"O protectorado designa um sistema particular de relações entre dois Estados, o protector e o protegido, que não afecta em teoria senão a competência «externa» do segundo. O Estado protector está habilitado a representar inteiramente o Estado protegido nas relações diplomáticas internacionais e a concluir tratados que comprometerão o Estado protegido.
Em princípio, a soberania territorial do Estado protegido não é afectada. Na prática, porém, o Estado protector intervém igualmente na gestão interna do protectorado e exerce competências territoriais limitadas. É nisto que o protectorado não é uma simples fórmula de representação internacional, mecanismo muito mais difundido e menos contestado.
As modalidades desta «protecção interna» são demasiado diversificadas para que possa falar-se de um regime de protectorado: «A extensão dos poderes de um Estado protector sobre o território do Estado protegido depende, por um lado, dos tratados de protectorado entre o Estado protector e o Estado protegido e, por outro lado, das condições nas quais o protectorado foi reconhecido por terceiras Potências face às quais há a intenção de fazer valer as disposições destes tratados. Apesar dos aspectos comuns que apresentam os protectorados de direito internacional, eles possuem características jurídicas individuais resultantes das condições particulares da sua génese e do seu grau de desenvolvimento (...).
Com efeito, o Estado protector instala muitas vezes no território do Estado protegido certos serviços públicos, que lhe são próprios e que ele mesmo gere, porque estão ligados ao exercício da protecção internacional: serviços destinados à defesa do território protegido, à gestão financeira da protecção assegurada, serviços judiciais com vista a julgar os processos em que estão implicados estrangeiros.
Não igualitários por definição, de inspiração colonial, os protectorados - franceses e britânicos essencialmente - são incompatíveis com a concepção moderna da independência e estavam votados a desaparecer. Mas podemos interrogar-nos se eles não reaparecem, sob uma forma menos declarada e sob pretexto ideológico ou estratégico, em certas circunstâncias (cf. as relações entre a Índia e o Sikkim por exemplo (...)."
Portanto, temos que: i) um protectorado pressupõe um tratado entre um Estado protector e o Estado protegido, por via do qual é abolida a soberania externa deste último, passando as suas relações diplomáticas a ser conduzidas pelo primeiro; ii) o Estado protector instala instituições no Estado protegido que intervêm também no âmbito da soberania interna; iii) os Estados terceiros devem reconhecer o protectorado. Como está bom de ver, somos efectivamente um protectorado, não é? O Tribunal Constitucional que o diga. Que seja um ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros a repetir recorrentemente esta converseta só torna isto tudo ainda mais caricato. Imagino o quanto não se riem os diplomatas acreditados em Lisboa de cada vez que a ouvem e relatam às suas capitais.