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A política e os mercados têm tanto em comum. Mas uma máxima em particular aplica-se sem reservas. Por mais que queiram insistir no contrário, a verdade é que não existem lugares cativos - a não ser que se trate de uma ditadura. O governo de António Costa e os taxistas partilham a mesma cultura da intangibilidade. Julgam que existe uma estância que não pode ser tocada, um património ideológico sagrado, uma faixa de rodagem inviolável. Contudo, essas intenções estão sujeitas às considerações e às preferências dos cidadãos. No mercado quem concede os selos de aprovação são os consumidores, e na política quem diz que sim são os destinatários finais de decisões governativas. O ponto de equilíbrio resulta da fricção entre o deve e o haver, a procura e a oferta, a qualidade ou a ausência da mesma. Amanhã o protesto dos taxistas irá subtrair receitas à economia nacional. Milhares de cidadãos que não fazem parte desta guerra sofrerão as consequências de um pequeno sector da textura produtiva nacional. O que irá suceder quando a UBER for substituída por veículos sem condutor? Será que a UBER tornar-se-á num arruaceiro? Será que ainda não perceberam que o cliente pode não ter sempre razão, mas que neste caso exprime inequivocamente que deseja algo diferente - mais qualidade? Os taxistas devem continuar a existir, mas agora a fasquia está mais elevada. E amanhã não sei se ganharão mais adeptos. Parece que será mais um tiro que sai pelo escape. Estou a falar do PEC, naturalmente.
Muito se tem escrito a propósito dos protestos brasileiros. De facto, no oásis de prosperidade que tem sido o Brasil da última década nada fazia prever a irrupção de um movimento de protesto social desta escala. Porém, se deixarmos de lado as análises meramente perfunctórias das causas deste tumulto, verificaremos, com alguma facilidade, que o milagre brasileiro dispõe de alguns escolhos de difícil resolução. Para começar, o crescimento económico verificado nos últimos anos deveu-se, fundamentalmente, a uma conjunção de factores dificilmente repetível. Por um lado, houve o boom das "commodities", que o Brasil explorou da melhor forma, exportando uma gama infindável de produtos agrícolas para a China e para os outros países emergentes, por outro, houve a prossecução de uma política macroeconómica ortodoxa, que reuniu sob a capa de um amplo consenso político os dois grandes pólos políticos do país: o PT e o PSDB. Já escrevi aqui que o maior feito dos governos Lula foi a moderação da esquerda brasileira, o que passou, em larga medida, pelo "aggiornamento" de um partido, o PT, que baseou grande parte da sua existência política a contestar as forças "demoníacas" do capitalismo. Hoje, ainda que com algumas nuances, o PT já consegue lidar, com alguma desenvoltura, com os mecanismos fundamentais de uma economia de mercado. O maior responsável dessa renovação ideológica foi, sem dúvida alguma, o ex-presidente Lula da Silva. O consenso que animou os últimos anos não nasceu no vácuo, pois teve muitos responsáveis, alguns deles tristemente esquecidos - sim, falo de FHC, um verdadeiro estadista, que foi, como se sabe, o grande obreiro da felicidade lulista, ao ter cimentado as bases da institucionalidade democrática do país -, e teve, sobretudo, a chancela de um político bastante carismático, que ainda hoje é visto por muitos como uma espécie de reserva política da nação. Todavia, houve neste percurso de altos e baixos a concretização, consciente e premeditada, de alguns erros de palmatória, cujas consequências estão, neste momento, à vista de toda a gente. O investimento público desenfreado, refém de um keynesianismo bastardo (vide as obras do Mundial e dos Jogos Olímpicos), o proteccionismo social em excesso ( o programa Bolsa Família e afins), e a consecução de um modelo dirigista na economia, ajudam a perceber o porquê de a economia brasileira ter abrandado subitamente. A inflação voltou a subir, e o crédito, alavancado por uma classe média em crescimento aumentou em demasia. Os resultados estão à vista: a economia estagnou, a rede infraestrutural do país continua a ser deficitária, e o Estado, fremente de impostos e altamente burocratizado, entrava o florescimento da livre iniciativa. O PT, por defeito ideológico, não conseguiu tornear estes problemas. É certo que, como já referi, houve um compromisso expresso do PT com a alta finança internacional, porém, esse acordo não incluiu, nas suas "cláusulas", a desestatização absoluta da economia. É, pois, neste contexto que surgem os gigantescos protestos que tomaram conta das parangonas dos media internacionais. Tudo começou com o preço dos transportes públicos em São Paulo, o verdadeiro leit-motiv inicial do protesto popular. Posteriormente, o movimento de protesto disseminou-se um pouco por todo o país, fruto de um sentimento difuso de insatisfação. Como escreveu Juan Arias no El Pais, o que alenta este mar de gente é o desejo de desfrutar de tudo o que é normal e corrente nas democracias do chamado primeiro mundo. As dores do desenvolvimento chegaram, finalmente, a terras de Vera Cruz. Para as classes médias do Rio ou de São Paulo o acesso ao crédito e aos bens de consumo correntes deixou de ser uma quimera, sendo que o que lhes importa agora é a mudança no modo coronelístico de fazer política e o fim da corrupção. São desejos que, para alguns, são, pura e simplesmente, irrealizáveis. A verdade é que o Brasil, passados 28 anos da redemocratização, enfrenta, decididamente, um desafio de modernidade. A resposta dependerá, em grande medida, da força da cidadania. Com ela, e apenas com ela, é que se cumprirá o futuro que Zweig profetizou.
É vergonhoso o modo como os jornalistas são tratados nos protestos por todo o mundo.
Reportagem da Folha de S.Paulo:
Alexis de Tocqueville, na obra "Da Democracia na América", 1835
A propósito de Grândola Vila Morena, da manifestação do dia 2 de Março, de rouquidão política e o silêncio que também é uma forma de expressar.
"Now the Sirens have a still more fatal weapon than their song, namely their silence. And though admittedly such a thing has never happened, still it is conceivable that someone might possibly have escaped from their singing; but from their silence certainly never."
Franz Kafka, The Silence of the Sirens
Este novo hábito de atear fogueiras em frente à Assembleia da República bem que podia ser aproveitado para fazer um magusto.