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Artigo originalmente publicado na edição n.º 57 do Jornal da Juventude Popular da Maia, "O Jovem":
Os recentes desenvolvimentos da política portuguesa trouxeram novamente à liça, ainda que sub-repticiamente, o duradouro problema do snobismo social das nossas elites. Em quê, perguntarão, e bem, os caríssimos leitores. A resposta é simples: no desprezo olímpico a que foi votado um governante que, com ou sem um talante político de nomeada, ousou trespassar o consenso do doutorismo pátrio. Falo, pois, de Álvaro Santos Pereira. Durante dois anos, com uma inalterada paciência de Job, o ex-ministro da economia foi trilhando o seu caminho, tentando reformar o que, amiudadas vezes, parece totalmente irreformável. Alçou a sua voz face aos grandes potentados neo-feudais que vivem das rendas públicas, redefinindo, em simultâneo, ainda que com alguma parcimónia, a relação dos poderes públicos com a economia privada. Mas a grande inovação que Álvaro Santos Pereira trouxe à política portuguesa foi, indubitavelmente, o seu despojamento relativamente à ética doutorista que permeia as elites do regime. Ao pedir para ser tratado apenas por “Álvaro”, o ex-ministro da economia concitou contra si o que há de pior nesta República gasta e caduca: o vício esparvoado do título académico. O caso de Álvaro Santos Pereira é sintomático sobretudo pelo facto de as elites amesendadas no Estado português, e que têm governado o país nas últimas décadas, não aceitarem reinvenções de trato pessoal que impliquem uma certa igualização no modo como são encarados os titulares de determinados cargos. O atraso e provincianismo do Portugal democrático desvela-se, em grande medida, nesta pecha cultural, que percorre, com uma certa toada à la “Ancien Régime”, todos os estratos sociais da sociedade portuguesa, não deixando incólume um único recanto da alma nacional. O título académico serve de feição aos interesses reputacionais dos Cresos milionários das nossas elites, pois, sem esse pedacinho de papel com o “doutor” bem garatujado, o tão almejado prestígio social seria um pesaroso quebra-cabeças, cujo desfecho tenderia a ser, necessariamente, a inclemente zombaria dos pares. Para o Zé povinho, o título académico serve um propósito de ascensão social, temperado pela ideia de que só existe, socialmente falando, quem é “doutor”. Não importa, pois, se um indivíduo sabe ler, contar, raciocinar ou discretear sobre o estado do céu, o crescimento da economia, os dotes pictóricos do Mestre da Lourinhã, ou as amantes de Júlio César. O que realmente interessa aos preconizadores deste caldo cultural snob e pseudo-ilustrado é a ideia, ingénua e torpe, de que a diferenciação social depende, fundamentalmente, do título académico. A democracia, enquanto regime das massas, ajuda a entender, numa pequeníssima porção, a influência desta mentalidade castradora, porém, na verdade, o mal do snobismo não nasceu com esta III República desrepublicanizada. O zângão do doutorismo tem, infelizmente, um largo arraigo no nosso país, atravessando regimes, guerras, divisões e uniões esporádicas. O que os últimos 30 anos trouxeram foi, sem dúvida nenhuma, o empolamento exacerbado deste vício, levando a que uma classe média em crescimento contínuo encarasse o carimbo do “doutor” como a oportunidade de uma vida. A geração mais qualificada de sempre, fruto de uma democracia jovem formada nos preconceitos de uma esquerda reaccionária, é, com grande probabilidade, a mais ignara nos preceitos básicos da etiqueta e da boa educação. A educação não nasce no “doutor” ou no respeitinho por quem põe e dispõe do pão e do verbo. O que distingue um ser humano de uma besta quadrada com doutor aposto antes do José ou Estanislau é a dignidade e a honra, e essas nascem do trabalho diário, da labuta constante, e do esforço interminável de cada dia. Estes predicados parecem, aos olhos de hoje, um tanto ou quanto apartados do ar do tempo, mas são eles que fazem a dignidade de cada ser humano, não o facilitismo do título. Em Portugal, vive-se ainda na peçonhenta ilusão de que a fronteira do desenvolvimento só se ultrapassará com a ajuda prestimosa do vírus da doutorite aguda, descurando, em nome da massificação do doutorismo, a qualidade e o mérito. O preço desta incúria está a ser pago, com língua de palmo, por todos os portugueses. O caso do “Álvaro” foi apenas e tão-só mais uma centelha num mato que arde todos os dias, descontrolada e desapiedadamente, com o silêncio desgarrado de um povo alienado pela balbúrdia moral, sem que haja uma só alma que se apreste a debelar o incêndio dos nossos valores. É nestes momentos que me vem à memória uma das sentenças mais infelizes de Descartes, que dizia, na abertura do seu “Discurso do Método”, que o bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída. Lamento profundamente que o matemático francês não tenha incluído na sua análise filosófica as particularidades psicológicas e sociológicas do povo português, pois, caso o tivesse feito, certamente teria escrito que o bom senso é a coisa do mundo pior distribuída. Basta olhar para a doutorite aguda do povoléu lusitano.
Publicado aqui.
Semedo tem razão. O que fizeram às sementeiras? António Costa deve explicações ao povo e aos lavradores da cidade. Não acho graça nenhuma que tenham destruído a horta comunitária. O acto exprime o estado de desenvolvimento político do edil. Os dirigentes municipais demonstram que vivem na idade da pedra. O minifúndio urbano representa a resposta sensata aos excessos do urbanismo, ao avanço desmesurado do betão sobre a base agrária original. A paisagem rural precede a cidade, mas mais importante do que essa dimensão histórica ou arqueológica, será a resposta que a população encontra para suprir necessidades alimentares. Não estão a trabalhar para aquecer. Estão a plantar couves e batatas. Estão a homenagear a alface. E fazem-no alegremente, a cantar. A reforma agrária que lançou pânico nos latifúndios nos anos 70 parece ter sobrevivido e se mutado geneticamente para desbastar esta iniciativa que nem sequer aconteceu na floresta de Monsanto, e que nem sequer envolveu a empresa de transgénicos que também vai pelo nome de Monsanto. Ainda por cima a empresa agrícola era, ao que parece, uma multinacional. Ouvi falar na detenção de uma agricultora francesa e outro proveniente da Turquia. A polícia municipal que efectuou as detenções provinha de que ramo? Era polícia agrícola ou polícia dos costumes? Mesmo assumindo que havia questões regulamentares relacionadas com licenciamentos de hortas urbanas, o espírito empreendedor e integrativo da batata na cidade foi assaltado. Não havia necessidade de agredir a fruta e a nabiça. No contexto da crise seria expectável que um quadro favorável fosse estabelecido para autorizar talhões de cultivo um pouco por toda a cidade. Isso aconteceu um pouco por toda a Europa no contexto da miséria resultante da segunda grande guerra. Mas eu nem peço tanto. A praça do Império tem terreno? É rústico ou urbano? A alameda da cidade universitária está disponível? Então, faça-se uso da terra fértil e ponham os académicos a dar à pá, à enxada, em vez de encherem o peito com presunção. Não tinha sido Cavaco a afirmar que era um especialista, que sabia tudo sobre plantar árvores e sobre como arrancar as vinhas? Portugal não precisa de ser a Holanda nem a Noruega, mas ao menos deveria respeitar a sua matriz cultural. Lisboa foi sempre uma capital provinciana. Pelos vistos, deve haver quem não aprecie o regresso às origens humildes, de trabalho de sol a sol, na Horta do Monte ou noutro qualquer quintal da capital. O cooperativismo não é um exclusivo da Esquerda (Semedo, esta é para ti). A colaboração humana positiva floresce com muito pouco adubo, longe da política e dos pesticídas. Há quem se vá servir disto como espantalho autárquico, mas não vamos deixar. Não passa de um rebento.
Não haja dúvidas, somos um mundo de modas. Modas essas que, quanto mais abruptamente se precipitam sobre nós e passam a fazer parte do quotidiano, enchendo páginas de jornais e horas de telejornais, mais rapidamente parecem também desvanecer-se. Vivemos numa constante e ilusória ânsia pela mudança, por algo novo que faça as manchetes e passe a condicionar a nossa vida. Quando não é a política, é o futebol, quando não é a educação é a saúde, quando não é a justiça é a religião, enfim, é só escolher a moda. E todas elas profeticamente antecipam um qualquer armagedão que nos vai dizimar a todos. Exageros e mais exageros, com muita irracionalidade e pouco bom senso à mistura.
Há tempos, escrevi aqui que "somos um povo de provincianos, na acepção pessoana, deslumbrados com o exterior e com o que vem de lá. Primeiro foi a doença das vacas loucas, de seguida a gripe das aves, depois os nitrofuranos, agora é a vez da Gripe A. Alarmistas como mais ninguém, queremos mesmo muito ter Gripe A. Tuga que é tuga quer estar na vanguarda do que se passa lá por fora".
Pois bem, parece que, afinal, a Gripe A não passou de um alarmismo à escala mundial. Mais uma vez, como no caso do Climategate, distorceu-se a ciência em nome de determinados interesses e agendas. É tudo uma questão de modas, claro está.
P.S.- ler a Elisabete Joaquim, n'O Insurgente.
Somos um povo de provincianos, na acepção pessoana, deslumbrados com o exterior e com o que vem de lá. Primeiro foi a doença das vacas loucas, de seguida a gripe das aves, depois os nitrofuranos, agora é a vez da Gripe A. Alarmistas como mais ninguém, queremos mesmo muito ter Gripe A. Tuga que é tuga quer estar na vanguarda do que se passa lá por fora. E o que está a dar é mesmo a Gripe A. Eu não tomo precauções (o quê mesmo a não ser lavar as mãos?), viajei duas vezes nos últimos meses, na semana passada organizámos um seminário com quase 30 participantes estrangeiros de países tão longínquos como o Tajiquistão, ando de metro todos os dias, trabalho e estudo como normalmente. Continuo aqui vivinho da silva e ainda não apanhei Gripe A. Se apanhar, resta-me apenas ir ao hospital - nem imagino o que vou encontrar, unidades hospitalares em estado de alerta máximo, secções em quarentena e fatos dignos da NASA, sabe-se lá.
Como há tempos escrevia o Henrique Raposo, somos uma colmeia de hipocondríacos. Para quê tanto alarmismo? Há dois anos eram os incêndios, o ano passado era a criminalidade violenta, este ano o que está mesmo a dar é a Gripe A. Lá por fora ninguém é tão alarmista quanto nós. Teorias da conspiração à parte, alguém sabe se este ano há incêndios ou assaltos violentos? Não haja dúvidas, mais do que informar, a comunicação social constrói a realidade...e tuga que é tuga, quer mesmo apanhar o que está na moda lá fora.