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A Europa das luzes, da superioridade civilizacional, do legado dos impérios coloniais, prepara-se para recuar na história e tornar a plantar um factor de dissensão no presente, no seio da União Europeia. O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Alfonso Dastis, não descarta a possibilidade da prisão de Puidgemont. A acontecer, seremos forçados a designar a detenção de prisão política. O governo de Madrid invoca a legalidade constitucional e a traição do lider catalão, mas arrisca-se a promover ódios e reacções mais profundas. Se Puidgemont é o inimigo a abater, então Rajoy e Saenz devem usar a máxima do padrinho, de D. Corleone - keep your friends close, but your enemies closer. Quer a ficção quer a história oferecem lições importantes. Em 1815, o Congresso de Viena foi concebido para reintegrar França no sistema europeu após a derrota napoleónica. Ou seja, a humilhação política é um mecanismo contraproducente - existem imensos exemplos na história europeia. Madrid, envolve-se deste modo, semi-voluntariamente, num processo de reasserção juridificante através do qual poderá ter de chamar a si prerrogativas de controlo político que obrigam a uma profunda revisão constitucional. A reciprocidade da violência poderá correr em linhas paralelas a mecanismos de ajustamento jurídico, através dos quais Madrid anula as benesses das periferias granjeadas com o estatuto de governação autónoma. Nesse sentido poderemos traçar comparações com as movimentações recentes do regime erdoganiano (Erdogan, Turquia). A manifestação de hoje, a favor da união espanhola, comparticipada por centenas de milhares de pessoas, pode gerar efeitos diversos ainda mais ousados. A emenda da união de Madrid pode ser pior do que o soneto da independência da Catalunha. Deve haver algum cuidado para que o tiro não saia pela culatra - que o nacionalismo espanhol não seja acordado, para pôr em marcha purgas mais alargadas em nome de uma bandeira intransigente. A prisão de Puidgemont, a acontecer, pode gerar atritos entre a Espanha e os valores democráticos que a União Europeia tanto apregoa. Afinal, pode não ser necessário viajar à Turquia para coleccionar exemplos de censura política e perseguição policial. Uma orbanização iliberal (Órban, Húngria) que seria uma outra via, seria propensa ao isolamento do estado unitário espanhol no contexto do concerto comunitário da União Europeia. As implicações, in extremis, que decorrem das perguntas colocadas pelo desafio catalão, poderão incluir a sugestão da "desfederalização" da Espanha, mesmo que a mesma esteja configurada juridicamente enquanto entidade unitária. A pergunta mais pragmática que talvez se possa formular será a seguinte: existirá uma modalidade menos lesiva para a unidade espanhola do que a remoção de poderes autonómicos à Catalunha? Veremos como irão cambiar de tércio em Espanha, e como irão domar o touro. A faena vai ser longa.
gravura: Francisco Goya