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No próximo dia 5 de Abril, vai a leilão na Sotheby's de Hong Kong, uma histórica jóia que pertenceu à Rainha Dª Amélia. O valor estimado é de c. 1,098,240 - 1,387,250€, um preço acessível para um Estado que terá recebido mais de seis milhões de Euro de indemnização pelo roubo holandês das jóias da coroa. Uma parte desse montante foi há uns tempos gasto num pequeno quadro de Tiepolo. Urge uma decidida pressão por parte do muito diligente e competente director do Palácio da Ajuda.
A Rainha D. Amélia ostentando esta jóia (anos 90 do século XIX)
Quanto ao Ministério da Cultura, não se trata de uma renovação da frota automóvel, não se trata de uma adjudicação directa, nem de compra de "imprescindíveis artigos" destinados às sumidades departamentais. Falem menos e ajam mais.
A multifacetada personagem do Kaiser, tem sido pasto de todo o tipo de considerações feitas a posteriori e decorrentes de uma estranha mescla de revanchismo ditado pelos vencedores de 1918 e pela absurda escalpelização e do avaliar de atitudes e pensamentos sem ter em consideração a sua época. Tal como há muito estamos habituados, existe uma inevitável tendência para olharmos para os homens de há um século, segundo os padrões do nosso tempo. O Kaiser surge então como um ente estranho e deslocado daquilo que hoje se considera como aceitável, talvez incomodamente escapando a estas considerações o seu papel na instituição do Estado Social na Alemanha.
Tal como a obra social entre nós formalmente iniciada pela rainha D. Amélia - e logo abandonada pelas várias repúblicas que sucederam ao golpe de 1910 - que a seu tempo era abertamente ridicularizada, quando não hostilizada pela superestrutura do regime da Monarquia Constitucional e imaginados inimigos do PRP que naquela balbúrdia institucional gostosamente participavam, a provisória instauração dos serviços sociais - direitos do trabalho, creches, escolas, hospitais, seguros de doença, dispensários, institutos científicos, etc - bem depressa saiu da tradicional esfera das ordens religiosas liquidadas pelo liberalismo e passaria a teoricamente pertencer ao âmbito do Estado após um longo interregno de algumas gerações deixadas ao liberal laissez-faire. Em Portugal sofreu hiatos e nem por isso deixou de ser incipientemente realizada a partir dos anos sessenta. Na sua visita a Lisboa, para além das cerimónias e visitas a quartéis, Guilherme II terá interrogado D. Amélia acerca do que a rainha andava a realizar em várias frentes sociais, ficando agradado com o programa que a mulher do seu primo lhe apresentou.
Na literatura oitocentista, nas mais conhecidas obras de Charles Dickens ou Dumas, entre muitos outros, encontramos facilmente os resultados desta absência de instituições, religiosas ou não, a que o advento do liberalismo conduziu uma população em crescimento demográfico e industrial.
O Kaiser percebeu que o Estado não podia apenas ser o ornamento que garantisse a inviolabilidade das fronteiras, deixando aos magnatas o esforço de enriquecimento de casta, mesmo que isso implicasse a produção dos meios que propiciariam a expansão territorial que inflamava patriotismos em países que à época eram cultural e etnicamente muito multifacetados, tal como o império austro-húngaro, a Rússia, a Alemanha e a própria França e o Reino Unido. Não. Procurando evitar a revolução de que a Comuna de Paris apenas fora um claro aviso, o imperador alemão pretendeu e impôs uma política que concedeu direitos aos sectores alienados pelo mundo dos negócios e do estreitíssimo âmbito dos jogos da política dita partidária. Foi deveras um precursor numa época pouco propícia a matizes entre o claro e o escuro, o maniqueísmo que ainda hoje surge diariamente nas discussões políticas.
Para mais, Guilherme II, um deficiente físico, consistiu num alvo fácil, aproveitando-se o seu gosto pela pompa muito própria da Belle Époque e o seu jamais esfriado entusiasmo pela vitória de 1871. Os seus modos relativamente deslocados daquilo que "parecia bem", serviram como preciosas armas que o desacreditavam aos olhos de uma manipulável opinião pública que vendo desaparecer os seus filhos no conflito que abrasou a Europa, ansiosamente procuravam um responsável identificável com a principal nação que defrontavam. Sendo um soberano que não se limitava à representatividade nas funções que os Estados por regra atribuem aos nominais detentores das coroas, fez confluir sobre si uma culpa colectiva inventada por vencedores que dela se serviram para explorar um país subitamente caído na anarquia e indefeso pela obrigatoriedade da liquidação da sua força armada. Muito do que sucedeu nos vinte anos subsequentes ao Tratado de Versalhes, deveu-se a esse estéril exercício de uma vingança que um século antes e após mais de duas décadas de incessantes conflitos e devastação do continente, não fora aplicada à França. Hitler foi então um produto da conveniente cegueira e imediatismo político da dupla Clemenceau-Wilson. Se compararmos o Kaiser com os seus contemporâneos presidentes americanos, ficaremos admirados com os paralelismos em termos de poder de influência na condução da coisa pública.
Em 1918, aquela amálgama de nacionalismo agressivo que formalmente tutelava e a contenção da revolução através de uma obra social que a tornou desnecessária e que por isso mesmo concitou à majestade os ódios que genericamente aceitamos sem reservas de qualquer espécie - a revolução "que viria de baixo" -, condenou-o eternamente como um dos malditos do século XX. A meu ver e como há muito digo, uma condenação muito injusta.
Ao contrário do que se propala, Guilherme II não era nem parvo, nem ignorante e muito menos ainda, o belicoso psicopata que conformou a imagem propalada e deixada ad eternum pelos vencedores. Um imprevidente excêntrico? Certamente. Talvez sejam estes dois factores os que mais concorrem para a sua lenda negra, aproveitando-se como cúspide do monumento, o desastre europeu na Grande Guerra.
Era aflitivo ver este casal que tudo tentava para obter o acesso a um Centro de Saúde. Com residência na zona do Príncipe Real, a inscrição foi rejeitada devido à sobrelotação de utentes no C.S. Cais do Sodré (1).
São ucranianos, residindo ele em Portugal há seis anos e sem que até hoje alguém lhe concedesse um contrato/inscrição na S.S. Trabalha a recibos verdes e acumulam-se os episódios de "colocação à experiência" durante meses infindos. Devido aos problemas russo-ucranianos, já há quase seis meses trouxe de Kherson a sua mulher. Está grávida, na primeira fase da gestação. Até hoje ninguém a quis atender, deambulando de centro em centro, esmagada pela exigência deste e daquele papel que não era possível obter senão com a apresentação de um outro qualquer.
Decidi acompanhá-los ao C.S. do Cais Sodré e após indicações da simpática funcionária, dirigimo-nos ao C. S. da Lapa, na Rua de S. Ciro. Após uma espera de pouco mais de cinco minutos, tivemos a oportunidade de conhecer um modelo de funcionária pública. Conhecedora dos trâmites legais e inteirando-se da situação da Yelena, prontamente resolveu o caso, marcando para esta tarde a primeira consulta. Rapidez, saber fazer, delicadeza e boa educação extrema, salientando-se ainda a compreensão dos problemas de gente que até então lhe era completamente estranha. Se Portugal contasse com este tipo de serviço público em cada departamento do Estado, boa parte dos dramas nacionais não existiriam.
O Centro de Saúde da Lapa merece o nosso reconhecimento, até porque facilmente concluí acerca da existência de outras Anas Fernandes de serviço ao mesmo balcão, significando isto um perfeito trabalho de equipa. Em conformidade solicitei o Livro de Reclamações, nele deixando um louvor. Trata-se da mais elementar justiça.
(1) Orgulhosamente em exposição na sala de atendimento do C.S. do Cais Sodré, está uma grande fotografia da visita da Rainha D. Amélia ao mesmo local, quando ali funionava a SLAT de que foi fundadora e benemérita. Cercada por uma multidão de populares, o grande vulto da soberana recebe as homenagens de quem, mesmo tendo passado 35 anos desde a catástrofe de 1910, jamais a esquecera. Afinal, existe mesmo um outro Portugal.
Oferecida pelo meu amigo Jacques Fieschi, a obra de Lucien Corpechot tem servido de base a todas as outras biografias de D. Amélia. Este volume da edição de 1914, é dedicado pelo autor ..."A Monsieur le duc de Noailles et à Madame la duchesse de Noailles. Respectueux hommage
Lucien Corpechot"
"A la faveur d'une législation naïve, toutes sortes d'entreprises, de spéculations politiques sont nées et s'épanouissent scandaleusement, épuisant les revenus de la nation, l'entraînant à d'inévitables faillites. Deux partis, ou plutôt deux groupes d'hommes se succèdent au poivoir: les conservateurs et les libéraux. En réalité, il s'agit beaucoup moins d'une méthode governementale, d'une politique en remplaçant une autre, que d'appétits à satisfaire. C'est un véritable système destiné à gorger tour a tour tous les politiciens du parlement. Il est avoué. Il a un nom. On l'appelle le système rotatif.
En Portugal, il n'y eut pendant bien longtemps d'autre industrie que la politique. Elle offrait à peu près le seul moyen de parvenir et de s'enrichir. Chacun l'exploitait à son profit. "Certains parlementaires se sont faits, dit le Roi, une situation telle, et si semblable à celle de quelques féodaux du moyen-âge, ils se sont si bien élevés au-dessus des lois, qu'on n'ose pas leur faire payer des impôts, auxquels tous les citoyens sont soumis! On a parlé de pots-de-vin scandaleux, de corruption; ce n'est pas cela la plaie vive, et d'ailleurs les faits d corruption sont encore à prouver. Seulement aussitôt arrivé au pouvoir, un chef de parti ne songe qu'à explouter le pays au profit de sa clientèle, à créer des charges pour ses protégés, et l'Etat devient ainsi la proie, le butin, la depouille des politiciens. A ce jeu, les ressources de la plus riche nation seraient vite épuisées (...) La Constituition laisse le Roi spectateur impuissant de cette vaste curée! Je ne pis ien changer, dit dom Carlos, car aucun ministre responsable, aucune Chambre ne se prête à un bouleversement qui mettrait fin à un tel scandale!"
A Rainha. Novecentos anos de história deram a Portugal o tempo necessário para a manifestação de personalidades hoje totalmente esquecidas, mas nem por isso menos determinantes para a afirmação internacional do país que somos. Em períodos onde pesou de sobremaneira o perigo da ocupação estrangeira, o país contou com mulheres exemplarmente exercendo a regência. Na sua grande maioria estrangeiras, cumpriram a função da qual dependia a independência de Portugal. Este é o caso de D. Luísa de Gusmão, talvez a soberana que mais perigos enfrentou durante a sua chefia do Estado, colocando Portugal acima de quaisquer considerações familiares e da sua pátria de origem. No hoje quase obsessivo assunto da assistência social, as rainhas portuguesas marcaram indelevelmente a atenção votada pela Coroa aos mais desprotegidos, em épocas onde a vileza do homem era sobretudo considerada pelo extracto, o berço - ou a ausência deste - onde tinha nascido. A lista é longa, contando-se a Rainha Santa Isabel, D. Filipa de Lencastre, D. Leonor, D. Estefânia e D. Maria Pia, entre aquelas que a memória popular não deixa esquecer. Contudo, quando nestes tempos convulsos alguém se refere à Rainha, a personalidade citada é incontornavelmente D. Amélia. Talvez por ter sido aquela que mais próxima de nós está pela contagem das gerações - as nossas bisavós tiveram-na como referência quotidiana num país constantemente à beira do abismo -, será uma verdade reconhecermos a sorte de podermos reconhecê-la de imediato. Existem milhares de fotografias de D. Amélia de Orleães e mesmo que assim não fosse, restava-nos a grandeza da obra que abnegadamente ergueu num país preocupado com umas tantas pequenezes que insistentemente devoraram todo o século XX e, num misto de mania e teimosia, prosseguem na senda dissolvente da nossa própria - se é que ainda existe - consciência nacional. D. Amélia sintetiza a saudade de muitos portugueses pela Monarquia, significando uma grandeza quase assustadora neste Portugal dado a gente timorata quanto à adopção das novidades, por muito evidentes e benfazejas que estas sejam. Além dos já clássicos autores seus contemporâneos, pelos politicamente rancorosos considerados como desdenháveis panegiristas, poucas biografias de D. Amélia, a Grande, podem ser consideradas como obras fiáveis e distantes das paixões, ódios ou meros intuitos comerciais à semelhança das revistas de um mundo alegadamente cor de rosa e sem qualquer substância.
Folheei o livro de José Alberto Ribeiro, por sinal o novo responsável pelo Palácio da Ajuda. A leitura na diagonal de umas tantas páginas, chama-nos a atenção pelo constante desejo de dar voz a D. Amélia, recorrendo às suas palavras. Se é bem certo que talvez nos tenham sido omissas algumas passagens propiciadoras de novas controvérsias, aquilo que o autor nos deixa, é a multifacetada personalidade de uma mulher antes de tudo consciente dos seus deveres. A banalização que o padronizar "por baixo" impõe como norma, talvez incomode alguns leitores pouco interessados no tentar compreender da mentalidade da época. Os portugueses vivem soterrados pelo anacrónico império de uma certa versão de neo-realismo, quase se exaltando as misérias como máximas provas de bem-aventurança. Vivemos obrigados a enaltecer os Feios, Porcos e Maus. É um fado em tudo contrário à imponente figura daquela que ainda hoje é a Rainha. Se a tudo isto acrescentarmos a volatilidade da política do Portugal do virar do século e as profundas transformações que muito alteraram o país nos últimos cinquenta anos de vigência da Monarquia Constitucional, torna-se então praticamente impossível vislumbrar aquele complexo todo que garante a verdade, não permitindo interpretações ao sabor dos apetites políticos ou adequação à moda de um dado momento. José Alberto Ribeiro exaustivamente traça o percurso da Rainha em Portugal e de forma ainda mais interessante, a vida e os afazeres de D. Amélia durante o longo período de exílio, metade da sua existência, em que ao contrário daquilo que dela muitos esperariam, jamais se desinteressaria do seu país. Da autoria de Rui Ramos, a excelente biografia de D. Carlos será decerto uma obra que inevitavelmente acompanhará esta agora apresentada pelo director do Palácio da Ajuda, ajudando-nos a compreender, mesmo de forma muito ténue e sempre aberta a outras contribuições vindouras, as personalidades do casal real e tão importante como a curiosidade pelos reis, o Portugal que fomos e em alguns aspectos nada recomendáveis, ainda continuamos a ser.
Quanto ao Palácio da Ajuda, esta grande mole de pedra é o elefante branco dos vários regimes que assistiram à sua construção, período de fugaz opulência e agora, o calamitoso e desnecessário decair de um símbolo. Grotesca e sintomática é a forma como dele se aproveitam as nossas autoridades, nada envergonhadas por receberem o mundo que oficialmente nos visita, num espaço que poderia ser bem diferente. A total ausência de vontade e de imaginação para a gestão ou angariação de recursos, é a constante daquele que sem dúvida poderia ser o mais importante espaço público da capital portuguesa. Neste momento, lembro-me de uma carta enviada há muitos anos ao então 1º Ministro Cavaco Silva, alvitrando-lhe uma opção mais económica e culturalmente mais valiosa que aquela decidida com o fim de dotar a capital com um espaço de renome. Em vez do projectado CCB, sugeri então a conclusão das obras da Ajuda e o pleno aproveitamento da nova área a construir para as actividades apontadas pelas autoridades como absolutamente necessárias. Nem sequer uma acusação de recepção de missiva alguma vez chegou às minhas mãos. É este o regime que temos e a ele estamos resignados.
Voltando à Rainha D. Amélia, será com todo o interesse e atenção que hoje mesmo iniciarei a leitura do livro.
A chamada "caridadezinha" deixa de sê-lo quando se trata de uma obra bem fundada, com continuidade e pedagogia.
Sabia-se qual era o deplorável estado em que se encontraria quem por fatalidade se "atrevesse a naufragar" junto à costa portuguesa, durante muito tempo apelidada internacionalmente como "A Costa Negra". Houve quem tivesse instituído uma organização de "solidariedade", como hoje se usa dizer para efeitos de cartilha programática daqueles obcecados pelo ataque à carteira dos demais.
Aqui está o ISN, outra obra da Caridade da rainha D. Amélia de Orleães.
Apesar de todas as tonitruâncias do grotesco e pacóvio regime que há mais de cem anos infelizmente se apoderou de Portugal - transformando o país numa simples república portuguesa -, esta obra de Caridade consiste numa daquelas teimosias de outros tempos. Actualmente também tem servido de pelouro e de suculento bonbon servido a conhecidos comensais do regime que pouco ou nada entendem dos assuntos que o combate à tuberculose exige.
A ANT, coroa de glória da rainha D. Amélia de Orleães.
No Palácio da Independência, uma sala bem composta acolheu o lançamento do livro "Dom Manuel Ii e Dona Amélia, Cartas do Exílio", obra organizada pelo Prof. Dr. Fernando Amaro Monteiro.
O discurso real acentuou aquela verdade que os do regime da república sempre quiseram e puderam - mercê de uma propaganda caluniosa e insistente - ocultar:
"Depois de 5/Outubro/1910, ele não passou a ser um “ex-Rei”… Durante os 22 anos do exílio, reinou permanente e incontestavelmente, porque sempre ao serviço gratuito do País, olhando com superioridade e distância, por vezes mesmo com impaciência, quaisquer choques e intrigas que a partir de Portugal pretendessem envolvê-lo."
S.A.R. o Senhor D. Duarte de Bragança, tem a plena consciência do que estas palavras significam, pois há muitos portugueses que poderiam usá-las quando a Ele se referem. A única vantagem? O Senhor D. Duarte está entre nós e assim permanecerá, por muito que isso desgoste a quem quer e manda, mas não pode.
O Rei é um homem sério. Aí está o problema incontornável para os donos do poder.
A justa homenagem a uma grande portuguesa.
Para melhor visualizarem o filme, não deixem de ampliar o ecrã.
"Perante tal atentado, tão selvagem tão planeado, o primeiro gesto é de indignação. Mas isso não exclui a lucidez. Que os povos não tenham ilusões. A revolução, onde quer que nasça e sejam quais forem os pretextos de que se arme, mata primeiro os reis para matar de seguida, mais à vontade, os povos. Faz o seu baptismo de sangue para prosseguir uma tarefa sanguinária. "Liberdade!", grita o regicida, a maior parte das vezes um instrumentalizado e um impulsivo, o que não o torna mais respeitável. "Servidão", responde a História.
Gentes de Portugal e doutras paragens: acreditem nos franceses experientes que passaram por todos os dramas, todas as loucuras e também todas as inanidades da miragem revolucionária. O que o complot antidinástico visa é precisamente esta ordem hereditária onde são possíveis liberdades, mesmo num visível constrangimento. Trata-se de instaurar a desordem, em regra parlamentar, onde uma fachada de abertura social mal consegue esconder a pior das tiranias. O assassínio do rei só tem como finalidade o advento de reizinhos anónimos, irresponsáveis e passageiros, os quais, não tendo interesse em conservar a nação, a devoram. Os tiros dirigidos ao soberano eaos seu herdeiro vão atingir o coração da pátria, da mesma forma que, segundo a expressão de Balzac, a Assembleia, condenando Luís XVI, cortava o pescoço a todos os pais de família. Os povos são solidários com os monarcas."
Le Gaulois, Paris, 4 de Fevereiro de 1908
A Real Associação de Lisboa apela à comparência popular no acto de reparação do 1º de Fevereiro de 2011, a realizar-se na Igreja da Encarnação pelas 19.00H, em Lisboa (Chiado). Estará presente a Família Real.
"O regicídio de Lisboa abalava a sociedade paulistana numa só e única demonstração de mágoas. Apesar de chegarem-nos as notícias aos poucos, sem maiores minúcias, a todos preocupou visivelmente o funesto fim do monarca português e de seu filho, o príncipe real; e, com o decorrer das horas, quanto mais se espalhava a infausta comunicação, tanto maior se tornava o sentimento de tristeza na massa popular (...)as ruas, desde o amanhecer de ontem, demonstravam o luto que se apossava da população, conhecido que fora o revoltante acontecimento. Por toda a parte, nas arcadas dos edifícios públicos e particulares, abatiam-se em funeral os pavilhões e à frente das redacções, num pasmo e numa curiosidade, atropelava-se a turba de populares, à busca de notícias, cada qual deixando entrever nas fisionomias a emoção desse pesar fundo e verdadeiro que só um caso como esse poderia ocasionar."
Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano, Brasil
"Londres ficou estupefacta e horrorizada, esta manhã, com as notícias enviadas de urgência a partir de Lisboa pela agência Reuters às primeiras horas da madrugada (...) Homens públicos e cidadãos privados, ricos e pobres, aristocratas e plebeus, todos estavam irmanados ao deplorarem profundamente o assassínio e na solidariedade com a família do monarca morto, que, tendo visitado a Inglaterra frequentemente, era muito conhecido e popular neste país."
The Liverpool Courier, 2 de Fevereiro de 1908
"Os diplomatas estavam ansiosos por receber informações detalhadas da imprensa. À hora do jantar, muitos deles passaram pela legação portuguesa, encontrando o grupo de jornalistas que aguardavam o regresso do visconde de Alte (o ministro português). O sentimento geral era de choque e desolação perante o crime, e de alguns elogios calorosos ao rei D. Carlos da parte de quem o conheceu."
New York Times, 2 de Fevereiro de 1908
"É humilhante para o orgulho do século XX verificar que os reis ainda caminham com o homicídio nos seus calcanhares. Crimes como o de Lisboa são uma humilhação não só para o país onde ocorrem, mas também para a humanidade."
The Daily Express, 3 de Fevereiro de 1908
No próximo 1º de Fevereiro, pelas 19.00h realizar-se-á o sufrágio por D. Carlos e D. Luís Filipe, na Igreja da Encarnação (Chiado, Lisboa). A Real associação de Lisboa apela à participação popular neste acto de reparação. Estará presente a família real.
O Público tem divulgado uma série de textos alusivos à comemoração do centenário da República. Por regra, o tom laudatório predomina, escamoteia a realidade histórica e reafirma as superstições que ao longo de gerações, foram insistentemente inculcadas nas mentes dos portugueses. O analfabetismo na sua versão mais moderna que sem dúvida é a iliteracia, torna-se assim, numa preciosa ferramenta para a manutenção de um teimoso olhar para um passado, onde a divagação ocupa o lugar de primazia, relegando a análise multidisciplinar, para o âmbito de um número muito restrito e díspar de curiosos da história. Simplificando, a narrativa do preconceito é de fácil divulgação, atinge o objectivo político e torna os eventos identificáveis em termos sociais, atravessando sem distinção de extractos, todo o corpo nacional. É esta afinal, a exclusiva e mais perene vitória do defunto PRP.
No mais moderado e credível texto do Centenário divulgado pelo Público, Joaquim Pintassilgo aborda os temas do analfabetismo e da educação popular, que aparentemente tiveram os seus defensores em entrecruzadas trincheiras, quando não opostas. De facto, o problema da escola e da formação já vinha de longe e o chamado Iluminismo pombalino, num afã imediatista de concentração de poderes à laia de modernização do Estado e liquidação das informalmente aceites autoridades multipolares numa sociedade predominantemente rural, comprometeu de forma irreversível, a criação das desejáveis elites de que o país, apesar de tudo ainda imperial, necessitava. A escola tacitamente confiada aos clérigos como aliás, passe o anacronismo do conceito, a "assistência social", foi uma das primeiras vítimas do desejo do controlo absoluto de um poder político emergente que de imediato, identificava a velha nobreza e a Igreja, como os principais adversários. Rapidamente, o restrito corpo discente viu-se sem mestres capazes, expurgado pelas maciças expulsões e sobretudo, pelo progressivo estiolar da investigação, compilação de registos e arquivos e também, da necessária salvaguarda da formação dos instrumentos humanos que garantiam a normal continuidade e adequação da administração pública. Mais tarde, os republicanos, encandeados pelos grandes princípios generalizantes que de fora chegavam, totalmente submeteram o seu "programa" a um sem número de artigos, onde o populismo fácil de mera propaganda assimilável pela massa citadina, garantia uma audiência minoritária, fazia vista e sobretudo, era ruidosa. Os grandes mitos do sangue, da terra e do altar da Monarquia, tornaram-se naquela trilogia que na prática, acabava por justificar a outra, a parisiense ressonância que incendiara a Europa. Numa Lisboa que de novo se transformara numa terra de muitas e desvairadas gentes, estava criado o cadinho essencial para a agitação permanente condicionante da política e mais ainda, que tolhia de receios uma população de extracto médio, imbuída por um geral respeito e aceitação da ordem estabelecida pelo liberalismo constitucional, este sim, introdutor das tais sempre aguardadas novidades e progressos que fizeram Portugal caminhar naquele sentido europeu reclamado pela burguesia.
O populismo teve como principal arma, o recurso ao inflamado discurso nacionalista. Assim aconteceu no dealbar das novas nações-Estado do centro e leste europeu, onde nalguns casos, revivificaram-se idiomas há séculos secundarizados por outros, originários da potência que tutelava o território que as contingências das quase ininterruptas guerras, foram integrando em espaços mais dilatados. No caso português, um Estado em crónica crise financeira e sem o necessário apoio de um sector privado que garantisse a chegada dos meios técnicos modernizantes do todo, via-se obrigado a acorrer à acção em sectores que normalmente, deveriam pertencer ao labor de empresários interessados em engrossar cabedais e à própria promoção pessoal, naquele oitocentista sentido da filantropia, criação de riqueza e velar do bem estar geral das sociedades liberais da revolução industrial. Bem pelo contrário, as vias férreas, os portos, estradas, universidades e escolas técnicas, estavam sempre dependentes desse Estado que estava longe de possuir os recursos que desde o fim do ciclo brasileiro, foram drasticamente diminuindo as suas possibilidades. Criava-se desta forma, o ciclo crónico do défice público e do recurso ao dinheiro que do estrangeiro chegava, submetendo o fraco sector privado, a uma informal dependência do Estado.
A falsa "questão da Monarquia", punha-se como elemento agregador de uma heterogénea camada de revoltados, que não tendo conseguindo ascender aos pretendidos lugares que garantiam uma tranquila, mas quase sempre frugal subsistência, colocou-se na oposição ao regime. Tem sido esta, uma constante na vida política portuguesa e é um facto que chega aos nossos dias, apontando-se facilmente a cupidez de "classe", as "cumplicidades de clube" e a "ganância pelo enriquecimento fácil", como óbices à modernização do país, entendida esta nos seus múltiplos aspectos da educação e cultura, justiça, administração pública e até, na defesa militar de um património pluricontinental que era entendido como uma invariável sempre presente e querida, embora totalmente desconhecida pela grande maioria da população. O Império existia, estava nos mapas e garantia nas mentes, um certo estatuto que satisfazia a opinião pública. Isso bastava. Paralelamente, apresentava-se a laicização, como um imprescindível instrumento para encontrar um outro ethos que facilmente resvalou na impressionável oratória republicana, para um histriónico pathos que acabou por fatalmente contaminar o restrito, mas decisivo microcosmos nacional que era a capital do país.
Não tendo em conta a necessidade da concentração de esforços familiares para a obtenção de recursos monetários que tornassem aceitável a vida do núcleo, propagou-se a ideia de uma forçosa e imprescindível política de educação que na óptica dos directórios republicanos, só ao Estado competiria. A criação de centros republicanos - alguns ainda nominalmente existentes - que faziam a vez da educação primária, consistiu antes de tudo, numa tentativa de fidelizar futuros contingentes militantes para a luta política de conquista do poder do Estado que proporcionava rendas, lugares administrativos e também, aquelas interdependências com um sector empresarial sempre carente de meios financeiros.
Tal como mais tarde Salazar ressuscitaria esta política, o nacionalismo foi habilmente aproveitado na grande fase de comemoração de diversos Centenários, sobressaindo o de Camões e o de Vasco da Gama, habilmente republicanizados como exemplos de uma perdida grandeza. Pombal serviu como esteio, naquele sentido centralizador que hegemonizava o Estado e principalmente, os detentores do seu poder. Logicamente, o PRP transformou a questão do analfabetismo, como a pedra fundamental do atraso português e como bem explicita Joaquim Pintassilgo, não tendo em consideração o próprio desinteresse dos núcleos familiares sempre dependentes do trabalho de todos os seus componentes. Aparece então a refulgente luz da "alfabetização por decreto", princípio basilar que tem sofrido algumas alterações de adequação aos tempos, mas que ainda hoje faz de tarimba na luta política. Numa fase conturbada da evolução para novas realidades sociais, a adequação do país aos ímpetos modernizadores provenientes da Europa, dependeu quase sempre de iniciativas de entidades ou figuras cimeiras do Estado. Na verdade, as obras mais perenes - e que foram pelo PRP ostensivamente secundarizadas, quando não combatidas - chegaram pela decisiva acção da própria rainha, uma francesa educada naquele sentido bastante regalista de dever que a sociedade liberal impunha. O que os exaltados tribunos pela República não souberam ou quiseram entender, foi a certa similitude de situações que se verificavam no seio das mais prósperas sociedades industrializadas europeias, onde numa Londres financeiramente hegemónica à escala mundial, existia uma colossal massa de miseráveis que remetia os pés descalços lisboetas, à categoria de aceitável componente social do tempo. No entanto, um factor fundamental que passou despercebido, consistiu na própria dinâmica da sociedade britânica, onde a contestação das instituições liberais conformadas pela Monarquia, não foi além da luta pelos direitos cívicos - as sufragistas, por exemplo - e o labour do sindicalismo que jamais puseram em causa a estabilidade do regime político. Em Portugal, prevaleceu a superstição salvadora de uma súbita quebra da continuidade ou evolução gradual, identificando-se uma instituição, ou melhor, um homem, como a grande questão nacional a resolver de imediato, surgindo todas as demais, como naturais dependências. O Ultimatum e a demente e nefasta espiral populista dele decorrente, acabaram por conformar a opinião pública de Lisboa, especialmente aquela que ociosamente enchia as ruas da capital e se prestava ao serviço da agitação, no tempo em que os "anarquistas" apareciam como justificativo que rotulava as mais díspares ocorrências denunciadoras do mal estar. Daí à mitificação de um passado distante e ainda possível de recuperar através do abrupto e paradoxal corte com um tempo presente que afinal o justificava, tornou-se naquela necessidade que o belicoso sector que o PRP representou. Este heteróclito partido, decididamente afrancesou os fervilhantes impulsos nacionalistas republicanos, que à "esquerda" - uma parte da maçonaria e ramificações carbonárias, o "anarquismo" - e à "direita" - maçonaria e sectores abastados de proprietários rurais e empresários urbanos -, criariam as condições que o Estado Novo aproveitaria para consolidar a própria República que tão bem lhe serviu. O extenso programa oratório de construção de escolas primárias e secundárias, tendo sido iniciado na fase final do reinado do rei D. Carlos I - e incentivado durante o governo do caçador no terreno republicano que foi João Franco -, encontraria o seu apogeu durante o governo de Salazar, acompanhado pelo culto aos símbolos da bandeira, hino e instituição presidencial, cuja explicação era remetida para um passado com o qual os precursores republicanos disseram querer definitivamente cortar.
A República portuguesa deve afinal a sua sobrevivência, à imperiosa necessidade orgânica da sua segunda versão, o Estado Novo que nela colheu o nacionalismo e construiu a sua escola.
Todos os testemunhos fotográficos testemunharam a imponência dos funerais do rei D. Manuel II. Assustando o "regime da situação" na sua nova vertente de salvação do 5 de Outubro, comboios encheram-se de gente que de todos os pontos do país afluiu à capital, prestando aquela que desde o Regicídio, seria a maior homenagem pública de que havia memória. O corpo do rei esteve exposto em S. Vicente por um dilatado período de tempo, tal a dimensão da manifestação de pesar. Isto encontra-se testemunhado por reportagens imparciais, nacionais e estrangeiras, que além de centenas de fotografias e de milhares de cartas trocadas, consistiram numa justa homenagem ao monarca que ficou conhecido pelo Patriota.
Apesar desta bem conhecida verdade dos factos, ontem, tal como hoje, existia uma censura que distorcia a notícia, calava as consciências e ameaçava pelo descarado despudor e manipulação. Assim, a imprensa oficial da 2ª república fazia difundir a velada ameaça, susceptível de ser lida nas entrelinhas. Dizia que ..."os últimos chapéus altos da monarquia estavam presentes em S. Vicente de Fora. No Terreiro do Paço, toda a causa monárquica cabia em dois automóveis modestos."
Quando figuras do regime - como Mário Soares - tentam a todo o transe demonstrar o "monarquismo" do Estado Novo e e a inexistência de uma situação de república no Portugal de 1926-74, a linha editorial prosseguida durante mais de quatro décadas, desmente as patéticas, mentirosas e abusivas alegações. São bem conhecidos os movimentos policiais em torno da rainha D. Amélia, quando a soberana visitou Portugal em 1945. Escassas notícias publicadas pelos jornais da "situação" e do tolerado "reviralho", impedimento da divulgação de toda a agenda oficial da rainha, a sua discretíssima chegada de comboio à Estação de Entre-Campos (Lisboa), a gorada insistência em apartar D. Amélia do contacto popular. Conhece-se a carta da rainha a Salazar, em que esta alfinetava graciosamente o presidente do Conselho, salientando a constante "companhia" da indesejada policia política do regime. Apesar de tudo, as enormes manifestações populares de regozijo nas ruas, montras do comércio no país e em todos os locais onde D. Amélia se apresentou, desmentiram e assustaram o regime do poder e da sua oposição: o regime oficial da 2ª república e os dejectos sobreviventes da 1ª que para cúmulo, seis anos depois seriam ambos ultrajados nas ruas de Lisboa, quando do funeral da rainha. Centenas de milhar de pessoas invadiram as ruas, ultrapassando a presença popular nas pompas fúnebres de D. Manuel. Nunca mais se viu tal manifestação de pesar em Portugal.
No dia em que a oficialmente inexistente censura actua uma vez mais, convém recordar, pois este Centenário da República não passa da consagração da miséria mental a que este país chegou. Da descarada esquerda à cobarde e colaboracionista direita.
Um dia destes, ainda ouviremos os senhores Cavaco ou Soares perorar acerca da bandeira que durante mais de quatro décadas esteve hasteada na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso. Ficaremos a saber que "oficialmente" a bandeira verde-vermelha não era a da república, mas talvez, a da Casa Gucci. Que gente...
Na imagem, a moderníssima avenida Rainha D. Amélia tal como surgia em 1908. Após a golpada terrorista do 5 de Outubro, rebaptizaram-na com o glorioso nome de um pateta, cujo único feito digno de nota consistiu em introduzir um pedaço de chumbo no encéfalo. No entanto, há males que valem por bem, pois dada a fauna - vendedores de drogas e de zonas médias - e o tipo de comércio que nesta avenida Almirante Reis se faz, merece bem o nome do "herói" da república. Para não falarmos da constante depredação dos belos edifícios que por lá existiam e que vão sendo substituído por mamarrachos, decerto também muito republicanos.
Fica para a pequena história o episódio ocorrido durante a visita de D. Amélia a Portugal (1945). Um dos antigos motoristas da casa real, conduziu-a numa visita à Lisboa que a soberana tão bem conhecera, mas que entretanto tinha crescido em direcção ao norte, "marreca", segundo a feliz expressão de Ribeiro Telles.
Em dado momento e percebendo muito bem em que ponto da cidade se encontravam, a rainha ardilosamente perguntou:
"- Diz-me lá uma coisa... Como é que se chama esta avenida?"
-" Saiba Vossa Majestade que esta avenida se chama... rainha D. Amélia!"
Os monárquicos são na verdade, o mais antigo, teimoso e permanente movimento de resistência da nossa história.
*Post dedicado ao blog Família real Portuguesa
Nos últimos dias, recebi alguns e-mail "circular", onde é solicitada a minha adesão a um abaixo-assinado contra a edificação de um novo Museu dos Coches. Como obrigatória regra inerente à participação cívica - um dever entre nós bastante desprezado -, contribuo modestamente para protestar contra aleivosias e atropelos vários, onde a gestão danosa do património o conduz a um fim inglório e desnecessário. No entanto, desta vez não o farei.
O Museu dos Coches consiste na principal jóia museológica nacional, dada a espantosa quantidade e qualidade de viaturas ali expostas. Miraculosamente sobreviveram a um terramoto, invasões, várias revoluções e principalmente, à atávica indiferença que as entidades oficiais sempre manifestam quanto à preservação de um passado muitas vezes extravagante, mas nem por isso menos demonstrativo daquilo que fomos. Ao contrário das destruições e queimadas que reduziram a carvão as carruagens das cortes de Versalhes ou de S. Petersburgo, Portugal contabiliza uma colecção absolutamente extraordinária e sem par. Viaturas que percorrem três séculos de evolução técnica e artística, sendo de salientar o facto de muitas terem participado em importantes acontecimentos da nossa história, ainda se encontram em razoável estado de conservação, para deleite dos visitantes que ao Museu acorrem.
Fundado mercê da teimosa insistência da benemérita rainha D. Amélia, a própria inauguração do Museu dos Coches consistiu num verdadeiro acontecimento sem precedentes em Portugal, dada a sempre avara renitência das autoridades políticas, a profundamente imbecil indiferença da inteligentsia da época e a dificuldade na concepção do próprio espaço de exibição permanente da enorme colecção disponível. D. Amélia porfiou e conseguiu realizar o projecto e apesar de algumas pequenas modificações, o Museu é sensivelmente semelhante àquele que abriu portas em 1905.
O maior serviço prestado pela sua existência oficial, consiste sobretudo, nesse mesmo acumular e conservação das carruagens que de outra forma há muito teriam desaparecido,tal como aconteceu a tantas outras colecções portuguesas.
O actual Picadeiro Real transformado em armazém de um precioso espólio de talha dourada, é apenas isto e pouco mais. Diria mesmo tratar-se de uma simples "garagem" de viaturas fora de uso, praticamente empilhadas num cenário deveras encantador, mas totalmente contrário ao destaque que a maior parte das peças merece. É quase impossível proceder a uma visita de forma criteriosa, pois os estilos e modelos que evoluíram ao longo dos tempos surgem de forma heteróclita, num reduzidíssimo espaço, deficiente iluminação e patética organização que apenas imita de forma bastante ténue, aquilo que deverá ser um verdadeiro Museu. A solução encontrada pela soberana fundadora consistiu antes de tudo, no profundo desejo em conservar, não desprezando intuitos pedagógicos e coincidentes com a sua multifacetada personalidade, sempre disposta a trazer para Portugal, as "novidades" de uma época moderna que teimava em não chegar.
Hoje temos o dever de prosseguir o caminho em boa hora encetado pela rainha. É indispensável uma criteriosa catalogação de todas as viaturas - incluindo as de Vila Viçosa, cuja ausência mutila gravemente o todo - e a organização do espaço de exposição, que julgo dever ser repensado na forma de um projecto mais vasto e didáctico, com o regresso de aspectos complementares à vida das próprias carruagens, como o vestuário de época, os ofícios relativos à construção daquelas, pequenos espectáculos multimédia e porque não?, a extensão da colecção a algumas das viaturas motorizadas utilizadas pela Corte e que ainda existem algures em Portugal. Este é um maravilhoso museu do bom gosto da monarquia portuguesa, cujas preferências estéticas foram evoluindo ao longo do tempo, adequando-se à moda e à inovação técnica.
Tão relevante para a compreensão da história é a carruagem de Filipe II, como as espectaculares viaturas de aparato de D. João V e de D. José. Se os coches de passeio, belos e de uma discreta riqueza, evocam a vida quotidiana da família real, temos por exemplo, o modesto landau do Regicídio que por sinal, é sem dúvida e a par da chamada Carruagem da Coroa, o veículo politicamente mais importante da nossa história. Se existir vontade das autoridades na persuasão do mecenato, poder-se-ão até incluir elementos - boas cópias - dos adereços presentes na Aclamação dos monarcas, como bandeiras, o trono, o manto, os símbolos da realeza e uniformes que serviram nas cerimónias oficiais do Estado. O Museu deverá ser visto como um todo explicativo das várias épocas que a colecção integra.
Os coches merecem bem um novo espaço, melhor organizado e exclusivamente concebido para uma grandiosa exposição, única no mundo. Será igualmente desejável que a absurda regra imposta pela tutela quanto à recolha e gestão do dinheiro dos ingressos seja revista, de modo a que uma política de rigoroso restauro tenha início. Desejo até que a maioria das viaturas possa um dia encontrar-se numa situação de operacionalidade. As razões para tal são óbvias.
Creio que o maior óbice quanto ao novo edifício a construir, consiste no aspecto arquitectónico do mesmo, que inevitavelmente terá de ser contemporâneo. Embora não me manifeste como grande entusiasta dos figurinos plasmados no CCB, Torre do Tombo ou Expo, há que reconhecer que este novo Museu, consiste numa boa oportunidade para criar um marco visível e prestigiante para Portugal.
A escassos meses da comemoração da golpada subversiva que roubou Portugal a um destino sem dúvida mais progressivo e conforme a sua História, a edificação de um novo Museu dos Coches é a maior homenagem que o povo português pode prestar à rainha D. Amélia. Arrisco mesmo em afirmar que para a maioria silenciosa, tratar-se-á de um necessário exorcismo ao 5 de Outubro de 1910. Aproveitemos a momento em que no desespero de causa, a própria república é pelos seus comemorada, recorrendo aos símbolos da monarquia portuguesa.