Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Enquanto esperamos por uma selfie de Marcelo e Maria Leal, entretemo-nos com os 4%. A agência de rating DBRS já tinha avisado que esse valor dava direito a castigo, mas há mais. Em plena crise de títulos de dívida portuguesa a 10 anos, a agência canadiana também está atenta a outros agravos. Hoje, dia 5 de Janeiro de 2017, publicam um press-release dedicado à Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas não consigo chegar ao ficheiro. Deve haver um hacker russo a soldo de uma parte interessada, a ver se impede ainda mais derrames e escorregadelas. Ou seja, a DBRS, embora atenta quase em exclusivo aos títulos de dívida, não conseguirá evitar meter ao barulho das suas considerações o cangalho CGD. Enfim, adiante. A beleza do título de dívida reside no seguinte: não há manipulação que o valha. O governo de António Costa pode bater o pé as vezes que quiser - o spread já lá vai. E há mais factos pouco abonatórios para este estado de arte. O Banco Central Europeu vai começar a tirar a teta da mama de países com dificuldades de liquidez. Em abril reduzirá o caudal de apoio expresso na compra de títulos de dívida. Porém, existem ainda mais ventos a soprar nesse sentido de contenção e bons modos. Os indicadores respeitantes à inflação na Zona Euro sugerem a necessidade de fechar a torneira, se não totalmente, pelo menos gradualmente - aos pingos. Depois temos o outro lado do Atlântico onde a Reserva Federal, à luz de bons resultados económicos, irá também encarecer o acesso ao dólar americano, e essa condição irá atormentar ainda mais o Euro já abalroada pela valorização da sua congénere. Os tempos Centênicos e Cósticos não estão nada fáceis. A tal toalha atirada por Sócrates e Teixeira dos Santos naquela noite suada de São Bento pode tornar a ser arremessada. De repente.
Que raio de construção é esta? Portugal está dependente de avalistas como a DBRS para garantir a continuidade dos financiamentos do BCE? Há aqui diversos elementos miseráveis. Um Estado alegadamente soberano está nas mãos de uma casa de rating que nem sequer é um Estado. A DBRS não tem governo, não tem território, não é uma nação, não tem um exército, embora tenha uma língua, mas dá ordens ao BCE. A Europa da União, com tantos anos de casa, nem sequer foi capaz de se auditar internamente, nem sequer é capaz de ter a sua própria agência de rating. Recorre a uma casa de apostas canadiana. Por outro lado, Portugal tem um governo de ficções. Uma entidade tri-partidária que inventou o boato de que acabou a austeridade, mas que efectivamente a eterniza. Mário Centeno e António Costa decepam os gargalos de espumante Raposeira como se o mais recente carimbo da DBRS, que mantém Portugal junto ao portão da lixeira, valesse alguma coisa e fosse fruto do grande empenho e competência deste governo. O BCE sabe muito bem o que está a fazer. Em vez de validar a emancipação de Portugal, prolonga a bengala. As facilidades concedidas agora (e desde sempre) implicam agravamentos mais adiante. Mas há mais vida para além de Draghi e Centeno, que com este diálogo de vencedores, apenas compram mais 6 meses de validade. Os homens defendem os seus empregos, sem dúvida alguma, contudo, lá fora, no mundo dos tubarões, todos sabem que Portugal derrapa porque o alegado piquete de emergência pôs travão às verdadeiras reformas de que o país necessita. Centeno quer fazer boa figura nas reuniões do Conselho junto dos seus pares da União Europeia e até usa uma linguagem de cão amestrado - "se calhar até vamos cumprir melhor os compromissos do que outros países e pode ser que depois se entretenham com outros países e não connosco" (...)
Como é que eles diziam há um ano? «Nós não somos Portugal». Pues que no.
Aquando do recente corte de rating da Moody's ao estado português, aqui alertei que o melhor, em vez de se entrar em histeria, era ler o comunicado da Moody's para perceber que estávamos a ser um mero peão no jogo entre o que se passa em Bruxelas e Atenas. Não é muito difícil de entender, está lá no comunicado, bem explicitado. Mas o jornalismo indígena precisa que o Professor Marcelo o leia e verbalize na sua missa dominical na TVI para dar notícia disso nas parangonas dos jornais de referência - já depois da excelente entrevista de Vítor Bento na SIC Notícias onde alertou para o mesmo. Está certo. É mais fácil dar ouvidos a certos oráculos sacrossantos que apenas constatam o óbvio ou andar por aí a lançar petições patéticas do que fazer jornalismo a sério.
Nesta guerra de surdos entre os que defendem a isenção e a capacidade analítica das famigeradas agências de rating, e os que nelas vêem projectados interesses mais ou menos obscuros, o melhor mesmo é ler a fonte de tanta indignação e perceber, como há tempos escrevia o Professor José Adelino Maltez, que "o nosso futuro se joga entre Bruxelas e Atenas", num tabuleiro político onde as agências de rating também interferem, embora a sua declarada preocupação seja essencialmente a salvaguarda de investidores privados, e onde quem está verdadeiramente em cheque é a União Europeia. Ora atentem neste parágrafo do comunicado da Moody's:
Although Portugal's Ba2 rating indicates a much lower risk of restructuring than Greece's Caa1 rating, the EU's evolving approach to providing official support is an important factor for Portugal because it implies a rising risk that private sector participation could become a precondition for additional rounds of official lending to Portugal in the future as well. This development is significant not only because it increases the economic risks facing current investors, but also because it may discourage new private sector lending going forward and reduce the likelihood that Portugal will soon be able to regain market access on sustainable terms.