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Muito obrigado. Passei a ver UBERs em tudo e mais alguma coisa. No jornalismo - a realidade não pertence aos media nem aos repórteres. Na imperial - a cerveja à temperatura certa a 50 cêntimos mesmo ao lado do Mercado da Ribeira. Nos cabeleireiros - o mesmo corte, a mesma permanente, e mais qualidade a um preço razoável. Nas oficinas de reparação automóvel - com as mesmas garantias e a um terço do preço. Nos serviços de advocacia - o mesmo processo, a mesma lei e os honorários conforme o desfecho jurídico. Nas telecomunicações - o custo de roaming a desaparecer. Enfim, UBER existe desde sempre. Desde Adam Smith. Desde a teoria das vantagens comparativas. O país que descobriu o mundo, que navegou mares desconhecidos e trouxe prata e marfim, ouro e especiarias, é o mesmo que inventou a UBER. Quando Portugal se fez aos mares alterou por completo a estrutura da economia mundial, dinamitou as relações laborais e volvidos séculos continua a encher o peito dos portugueses com um sentido de orgulho muitas vezes questionável, contraproducente. Fizeram a revolução há 42 anos? Pois bem. Foi para isto mesmo. Para que o espírito empreendedor se pudesse libertar. Quem não entende o que está em causa não entende o processo civilizacional. O de Elias ou de outro qualquer.
A direita mais radical descobriu recentemente uma filosofia da história. Como os leitores mais simples de Fukuyama, aqueles que só conhecem o nome e o título do livro, entendeu que se chegou ao “fim da história” e o “fim da história” é aquilo a que chamam “realidade”. Uma espécie de muro existente na física das sociedades e das nações contra o qual se vai inevitavelmente quando se abandona o caminho da “austeridade” e se encontra a TINA, o “there is no alternative”. Uma lei a modos que como a lei da gravidade.
Há dias foi publicada a notícia de que a Joana Amaral Dias abandonou o projecto Juntos Podemos para criar o seu próprio projecto denominado Agir. Esta tem sido a patética e monty pythiana história da extrema-esquerda portuguesa, que não se cansa de lembrar a necessidade de encontrar uma plataforma de entendimento entre as várias esquerdas mas que nunca a consegue materializar.
Se não me falha a memória, pois são tantos os partidos e movimentos, nos últimos dois anos surgiram o Movimento Alternativa Socialista, Partido Livre, Movimento Tempo de Avançar, Manifesto 3D, Associação Fórum Manifesto, Renovação Comunista e, agora, Agir. Ah, mas na extrema esquerda ainda temos o Bloco de Esquerda (que só por ironia se designa de “Bloco”) e o Partido Comunista Português. Tem sido uma novela a história de tentativas de entendimento, as zangas, as divergências irreconciliáveis e as rupturas.
Entretanto as notícias que nos chegam da Grécia dão conta da fragilidade interna do Syrisa, com demasiadas vozes dissonantes dentro do partido que não conseguem engolir as “concessões” feitas à Troika, quero dizer, aos parceiros, nem a quebra de promessas eleitorais, para não falar do eventual terceiro resgate.
A esquerda e, em particular, a extrema-esquerda, está em crise. Em crise porque as várias esquerdas não se entendem, não fazem cedências, não têm uma cultura de negociação, cada uma delas reclama-se como sendo mais à esquerda, mais purista e detentora de mais boas intenções do que a esquerda imediatamente ao lado. Em crise sobretudo porque não tem soluções realistas para além do “que se lixe a Troika”, para além dos mercados. A saga do Syrisa veio dar um banho de realidade às várias esquerdas. É que, como dizia Woody Allen, “detesto a realidade mas ainda é o melhor sítio para comer um bom bife”. Que o digam os gregos.
Nos últimos meses, entre os livros que precisei de ler para a tese de mestrado e os habituais livros de cariz filosófico e político, reli o Leopardo de Lampedusa e li A Servidão Humana de Somerset Maugham e Memória das Minhas Putas Tristes de Garcia Márquez, estando agora a ler A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera e O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde. Este último é das melhores coisas que já li. A escrita estética e estilisticamente bela, filosoficamente paradoxal e com contornos que ainda hoje podem ser considerados chocantes para muitos indivíduos, é simplesmente deliciosa.
Quanto mais clássicos leio, mais reforçada fica a ideia de que deveria antes dedicar-me às dimensões da eternidade da literatura e da filosofia. A política e a economia do aqui e agora da espuma dos dias sabem a muito pouco. O mediatismo reveste uma realidade que é intelectualmente muito pouco estimulante e demasiado pobre, chegando o decadente lodo da nossa televisiva e jornaleira infeliz existência a ser esmagadoramente claustrofóbico. O que não significa que, paradoxalmente, eu não vá vivendo neste lodo e, dentro do meu parco raio de acção, agindo e reagindo aos outputs do mesmo. O que, por seu lado, também não significa que esteja disposto a entrar em todo e qualquer debate com toda e qualquer pessoa. As pessoas atribuem demasiada importância a si próprias e às outras, bem como às discussões que encetam. Eu repudio o relativismo intelectual, o politicamente correcto e o dogma da igualdade. Tenho na tolerância uma ideia base do meu pensamento, mas isso não quer dizer que tenha que aceitar sem criticar todas as opiniões, aparências ou acções. Pelo contrário, critico muitas e não as respeito a todas. Ao contrário do que fazia até há poucos meses, deixei de perder tempo em debates espúrios, apenas entrando nos debates que quero e com aqueles que considero intelectualmente dignos de respeito e admiração.
As coisas são o que são, e todos nós fazemos juízos de valor uns dos outros. Todos somos passíveis de ser alvos da crítica ou admiração de terceiros, e certo é que "O número dos que nos invejam confirma as nossas capacidades” (Wilde). Contudo, alguns levam-no ao extremo e passam da mera constatação de facto ou de valor, possuindo até um pendor evangelizador, normalmente perpassado por uma atitude alegadamente moralista de quem egoisticamente quer corrigir os outros e fazê-los viver como vive, não passando, portanto, de um hipócrita, porquanto, como escreveu Wilde, "A moralidade é apenas a atitude que adoptamos para com as pessoas de que pessoalmente não gostamos”. Pode ser pessoalmente ou apenas intelectualmente, não se coibindo muitos indivíduos de tentar entrar em debate com outros ou criticá-los em termos meramente mesquinhos, quando não mesmo ignorantes e até absolutamente estúpidos. Como o mesmo autor salientou, "Não há outro pecado além da estupidez", e eu tenho cada vez menos paciência para lidar com esta. O meu caminho paradoxal para a verdade sou eu que o faço, pelo que dispenso as advertências inusitadas criticando a minha alegada incoerência - posto que “A coerência é a virtude dos imbecis” (Wilde), e talvez por isso seja muito apreciada em política, não tanto pelos seus actores maiores mas mais pelos seus públicos de onde recolhem as respectivas votações – assim como os conselhos vindos de quem muito provavelmente precisa mais deles do que a minha pessoa.
Nesta peça trágico-cómica que é o nosso país – e o mundo –, cujo “elenco é um horror" (Wilde), em que, como dizia alguém, a inveja é o desporto nacional, é perfeitamente repulsiva a exasperante realidade que nos tolhe a mente, pelo que cada vez mais me dou conta, como Wilde, “de que tudo o que é magnífico se prende com o indivíduo, e que não é o momento que faz o homem, mas o homem que cria o seu tempo”. Nesta época em que a ciência é talvez o maior dos avanços da humanidade, tudo o que ainda vale a pena descobrir está contido em nós próprios. Desde a minha imberbe adolescência que me recordo de ser adjectivado de arrogante, vaidoso e pouco modesto, em especial por professores. Nos últimos anos, o leque alargou-se a alguns amigos e muitos conhecidos e desconhecidos. Se há uns 7 ou 8 anos isto me fazia sentir mal e me deixava a pensar, o erro de todos eles é pensarem que a pessoa que sou hoje se importa com isso, quando essa é uma característica distintiva do meu carácter que assumi plenamente. Como escreveu Wilde, "A vaidade é uma das principais virtudes, e, no entanto, poucas pessoas admitem que a procuram e a tomam como objectivo. É na vaidade que muitos homens ou mulheres encontraram a salvação, mas, apesar disso, a maioria das pessoas arrasta-se a quatro patas em demanda da modéstia”. As pessoas perdem demasiado tempo a tentar corrigir os outros, sem que sequer sejam capazes de reflectir sobre os seus próprios defeitos. Se eu nem para a minha pessoa sou moralmente correcto, como posso querer corrigir moralmente os outros? Isto não implica, contudo, que não os critique. E por isso subscrevo aquela frase de Gore Vidal que o João Gonçalves salientou aqui há tempos: «-Van Vooren: É sensível às críticas? -Vidal: Não. Decidi cedo que aquilo que penso dos outros é mais importante do que aquilo que eles pensam sobre mim. Qualquer jogo tem de ter um árbitro e, então, decidi que eu seria o árbitro. »
Não admira que os comediantes andem chateados com os políticos e detentores de cargos públicos. A realidade há muito que vem ultrapassando a ficção. Ficam dois exemplos recentes:
1 - PSP louvou agente por se ter distinguido a fazer centros de mesa
“O agente principal (...) é um trabalhador incansável, voluntarioso, leal, ponderado, dinâmico e eficiente que não se poupa a esforços para que as suas obrigações sejam cumpridas em tempo útil, de tal forma, que sem qualquer tipo de dúvidas contribuiu para que o fornecimento das refeições na messe de oficiais decorresse sempre sem qualquer tipo de constrangimento, pelo contrário, o mesmo, por vezes, tinha a capacidade de nos surpreender, nomeadamente, na elaboração de centros de mesa com recurso a flores e verduras dos jardins desta Direcção Nacional”.
(...)
"Casos como o dos centros de flores e verduras não são inéditos. Há cerca de três anos, na GNR, um militar destacado para uma messe de oficiais, foi louvado por ser exímio na confecção de sobremesas, delas sobressaindo as saladas de frutas."
2 - Presos que queiram iniciar greve de fome têm de preencher formulário
"A partir de agora qualquer preso que queira iniciar uma greve de fome tem de declarar essa intenção por escrito e esperar que a sua pretensão seja confirmada por um funcionário do respectivo estabelecimento prisional. Este, por sua vez, tem de passar ao papel as razões que levam a o recluso a privar-se dos alimentos."