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A crise europeia acabou, e o emprego vai crescer exponencialmente em todos os Estados-membro da União Europeia.
A Dívida Grega vai ser perdoada e a Troika vai conceder um bónus de 500 mil milhões de euros aos helénicos por terem tido uma ideia tão boa.
A Austeridade vai acabar dentro de 10 minutos e cada cidadão europeu vai receber um cheque de 500 euros para estoirar no Carnaval com a garantia de que receberá outro no Natal.
A Rússia vai retirar-se da Ucrânia e compensar aquele país pelos danos causados e oferecer gás natural durante 20 anos.
O Estado Islâmico vai converter-se em centro ecuménico de reflexão e paz.
Os EUA vão deixar a Rússia desmontar a NATO.
A União Europeia vai ter, a partir de amanhã, uma União Fiscal e uma Política Externa e de Segurança Comum.
Portugal vai ser salvo por um novo partido de inspiração tsiprarista fundado por António Costa, Mário Soares e José Sócrates.
Os ataques terroristas, tal como acontece com as greves, deverão ser marcados com antecedência mínima de 24 horas pelas uniões sindicais que representam os suicídas.
As receitas da venda de armas dos EUA, França, Reino Unido e Alemanha vão reverter integralmente para a Cruz Vermelha, a Amnístia Internacional e o Banco Alimentar contra a Fome, que cessarão de existir e tornar-se -ão desnecessários.
O Euro irá ser adoptado por todos os países africanos descarrilando o Dólar Americano como moeda de referência no comércio internacional.
Todas as Empresas Privadas portuguesas serão nacionalizadas para compensar a Privatização da TAP e a perda de controlo sobre a PT.
Os bancos vão passar a ter filiais dentro da casa de cada família portuguesa para pôr em prática soluções de poupança e oferecer salários aos reformados e delinquentes.
As semanas laborais vão ser sujeitas a uma reforma humanitária que implicará não mais de 15 horas semanais de trabalho.
As dívidas vão passar a ser entendidas como um valor positivo civilizacional e promovidas no programa curricular das escolas.
Os partidos políticos da Extrema Direita e da Extrema Esquerda vão deixar de existir para dar destaque a uma força moderada nascida a partir de uma sociedade civil que não sabe o significado de ideologia.
E por último, eu deixarei de ter ideias tão realistas quanto estas e outras que me escapam de um modo tão flagrante...
A última semana trouxe-nos com histriónico som de trombetas de guerra, o regresso da velha Rússia de sempre. Mal habituados a duas décadas de aparente declínio do colosso das estepes, ei-lo que ressurge mais decidido e poderoso que nunca, fazendo valer os seus direitos ditados por uma já longa história de grande e incontestada potência mundial.
A caminhada do Homo Sapiens na sua vertente de tribo politicamente organizada, tem-se caracterizado pela demarcação de territórios considerados como reserva de caça e de segurança para o seu círculo mais íntimo, seja ele a família, ou de forma mais lata, a tribo. O mesmo aconteceu com essas tribos alcandroadas à condição de nações-reino ou de impérios. Pela nossa reserva de caça ou esfera de interesses bombardeámos as cidades costeiras do Malabar, enviámos os Bandeirantes rasgar pela praxis o Tratado de Tordesilhas e tivemos, em 1890, de sofrer o evitável Ultimatum. Ao longo da sua existência como potência imperial, Portugal exerceu o seu alegado e auto-assumido direito de prevalência sobre territórios, povos ou mares e isto, inevitavelmente, pelo sibilar das granadas disparadas pelas colubrinas e canhões dos navios de linha.
Desde Pedro o Grande, a Rússia vem sacudindo o marasmo da sua interioridade e provou à Europa as suas habilitações como Estado com poder, influência e desejo de intervir e conquistar o seu direito a um lugar ao sol entre os maiores. Alexandre I esmagou Bonaparte; o seu irmão Nicolau I banalizou a derrota na Crimeia e Alexandre II e III, expulsaram os turcos dos Balcãs, conquistaram os confins da Ásia, ameaçaram a hegemonia britânica nas remotas fronteiras do norte da Índia do Raj e estabeleceram firmemente a Rússia no Pacífico. Mesmo derrotado - pela impossibilidade técnica de uma vitória inatingível pela distãncia - na guerra de 1905, Nicolau II salvou a França de infalível colapso no Marne (1914) e uma vez mais, em 1916 - na ofensiva Brussilov, o canto do cisne das vitórias czaristas - , impediu a conclusão da I Guerra Mundial com um total e inequívoco triunfo austro-alemão. O rolo compressor russo, mal vestido, calçado e deficientemente armado, foi por si só, capaz de obstar à vitória dos dois kaisers, oferecendo-a paradoxalmente, aos principais inimigos do seu sistema de organização social do Estado, ou sejam, a França republicana e as plutocracias democráticas-ocidentais.
Eterna adversária dos desígnios expansionistas dos otomanos, os russos foram durante séculos, um dos principais obstáculos à imparável jihad da Sublime Porta, podendo o seu tremendo esforço de contenção, comparar-se à resistência austríaca que logrou - com o auxílio precioso de Jan Sobieski, o Grande -, impedir a invasão da Europa central pelos janízaros do Sultão.
O Congresso de Viena consagrou o estabelecimento da zona de influência russa, que se manteve durante mais de um século desde a Finlândia ex-sueca, à Bessarábia que se subtraiu à soberania de Istambul. No Cáucaso desapareceu o reino georgiano dos Bagration que foi integrado no domínio dos Romanov-Anhalt-Zerbst. Já a alemã Catarina II estendera as fronteiras ao coração da Polónia e às margens do Mar Negro, desenhando a ocidente, aquelas que seriam as fronteiras russas que conhecemos - com algumas oscilações - até 1990-91. A construção do transiberiano diluiu o poder local das tribos e de vagos emiratos ou clãs herdeiros das arcaicas hordas que no seu tempo aterrorizaram a Europa. O comunismo seguiu a tradição e esquecendo os heróis das matanças de Ekaterinburgo e dos kulaks, apelou em 1941-43 à Santa Mãe Rússia e a todos os starets e popes do hagiógrafo ortodoxo. A cruzada vermelha de Estaline chegou a Berlim, devastou a Polónia, Roménia, Hungria e Checoslováquia. Alargou a esfera de interesses de uma Rússia habilidosamente camuflada de União soviética, sob o diáfano manto do "internacionalismo proletário", sofrível disfarce para a realidade da instalação de feudos de tal forma submissos que deles só encontramos paralelo na Idade Média.
Quando da partilha da Reich, Roosevelt não fazia a mais ténue ideia acerca da localização dos territórios da Alemanha oriental, aquiescendo com o seu inimitável sorriso, com a expulsão de milhões dos seus lares ancestrais. Em nome do momentâneo interesse comum, fez tábua rasa daquilo que os europeus sempre consideraram como inevitável princípio da harmonia entre os "grandes", ou seja, a existência de uma zona de segurança que qualquer país do velho continente - consistente pela história e perenidade do seu Estado e fronteiras - jamais deixou de reivindicar. A França tem a sua zona de reserva alemã na Alsácia-Lorena, assim como a Itália a imita no Tirol do Sul. Os espanhóis não prescindem das suas aquisições do século XV, nem a Inglaterra abre mão da Escócia ou da Irlanda do Norte. É a realidade tacitamente reconhecida e habitualmente costumeira. É a normalidade.
Colossal massa continental com fusos horários de igual dimensão imperial, a Rússia possui fronteiras vulneráveis e hoje, mais que nunca, ameaçadas pelos mesmos inimigos do Ocidente. Contando com a fidelidade das comunidades coloniais instaladas na Ásia Central, os russos fazem exercer poderosamente a sua influência e assim continuarão a impôr uma prática já secular. As ilusórias veleidades de infinito alargamento da NATO, consistem num evidente erro, apenas possível pela inconsistência das sucessivas administrações americanas (*) que subjugadas pelos interesses das grandes companhias que ditam os vencedores dos quadrienais escrutínios eleitorais, procuram competir dentro da tradicionalmente considerada "coutada russa", ou melhor dizendo, zona de influência de Moscovo. Podemos mais propriamente considerá-las como zona de segurança, dado o instável e volátil processo de consolidação das novas realidades nacionais decorrentes da implosão do império soviético. A Rússia vê-se hoje ameaçada pelos ímpetos islamitas no seu ventre-mole da Ásia Central e pelos apetites económicos dos novos e muitas vezes desleais parceiros euro-americanos. No entanto, tarde acabaremos por reconhecer que a os russos são nossos aliados de interesses e principalmente, de destino. É este o dilema que se nos coloca de forma clara: ou reconhecemos a importante missão russa naquela área extra-europeia, ou colaboramos de forma suicida no regresso de uma indesejável Guerra Fria, no preciso momento em que os russos querem "viver à europeia". Esta grande nação que gostosamente veste as nossas marcas e lota as nossas estâncias turísticas, revê-se não em qualquer khan, emir ou mandarim, mas sim no legado de herdeira do Império Romano do Oriente, considerando-se como parte de uma grande Europa que começa em Lisboa e termina no Estreito de Bering.
Em 1975, perante um aparvalhado dr. Cunhal, Brezhnev declarou a esse sátrapa pretendente a Honnecker ibérico, que Portugal ..."pertence à NATO e assim deverá continuar a ser"... Uma simples frase que pesou tanto, como a derrota da aventura terceiro-mundista dos paraquedistas vermelhos do 25 de Novembro. Os russos conhecem bem a nossa condição de espaço reservado aos interesses da potência atlântica que são os EUA. Podemos hoje considerar a Geórgia, como uma espécie de "Portugal do Cáucaso". É disso mesmo que se trata. É a realpolitik à qual nos devemos submeter. Questionemos-nos acerca daquilo que Metternich, ou até, D. João II teriam para nos dizer e ensinar. Sabiam mais de política internacional que os senhores Bush ou Saakashvili. Disso não me resta qualquer dúvida.
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Putin aproveitou maravilhosamente a excelente oportunidade oferecida pela abstrusa posição euro-americana relativa ao Kosovo. Os russos podem hoje utilizar exactamente os mesmos argumentos esgrimidos pelos ocidentais quanto ao direito de auto-determinação, relíquia do soterrado Tratado de Versalhes/14 Pontos de Wilson. Não vale a pena sacrificarmos a tranquilidade de centos de milhões, por causa de uma qualquer República Autónoma da Kretínia-Subcarpática, ou de um hipotético ex-Grão Ducado de Shittberg.
*Apesar de todas as iniquidades cometidas contra Portugal (1941-74), continuo pró-americano. Não há alternativa.