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O novo partido criado pelo ambíguo Rui Tavares presta-se a variegadas interpretações, todas elas passíveis de alguma barafunda. No fundo, a hermenêutica deste "fenómeno" depende, como quase todas as coisas, da perspectiva em que cada um se coloque. A minha, no caso em apreço, prima por alguma credulidade, pela simples razão de que, não obstante a pungente história desta III República, ainda creio na possibilidade, duvidosa, é certo, das nossas esquerdas se "europeizarem". Nessa medida, não vejo com maus olhos este acometimento político espoletado por Rui Tavares. Quem conhece a história nacional dos últimos 39 anos sabe que o regime se consolidou no rescaldo do dissídio verificado entre as esquerdas emergentes no pós-25 de Abril de 1974. Esse dissídio teve como consequência necessária a imposição do Partido Socialista como o árbitro do sistema político conformado pela Constituição de 76. O Partido Comunista liderado, então, pelo, hoje, incensadíssimo Álvaro Cunhal acabaria por aceitar o equilíbrio político gizado pelos socialistas, aceitando em troca a participação no jogo parlamentar. Esta troca, vista à distância, teve, como não podia deixar de ser, múltiplas implicações, que, nos dias que correm, ajudam, sobremaneira, a explicar o imobilismo político que, mormente, abalroa as governações socialistas. Na prática, o PS tornou-se, com os anos, numa espécie de PRI à portuguesa, sendo, em função disso, o centro político da democracia nacional. Como é bom de ver, a extrema-esquerda acusou o toque, recusando, desse modo, o aggiornamento ideológico imprescindível a uma política pactista. O Bloco de Esquerda surgiu, em grande medida, como a resposta ao bloqueio político originado no PREC, visando renovar, com uma plataforma política repleta de pós-modernices fracturantes, a esquerda portuguesa, no entanto, os resultados da fantasia bloquista comprovam, uma década e meia depois, que não basta meia dúzia de pechisbeques caviarianos para alterar uma lógica incrustadíssima no âmago político do regime. É neste contexto que surge o partido de Rui Tavares, um contexto marcado, fundamentalmente, pela impossibilidade de haver entendimentos largos entre as diversas forças políticas das esquerdas portuguesas. Como referi no início desta posta, ainda creio, talvez ingenuamente, num entendimento governativo ao nível das esquerdas, porque, sem ele, o regime, tal qual o conhecemos, tenderá, necessariamente, a erodir-se. Alguns leitores perguntar-se-ão, certamente, o porquê de alguém, como eu, pertencente ao campo da direita conservadora ansiar por um compromisso à esquerda. A resposta é muito singela: o regime só se normalizará (entenda-se por normalização o enfraquecimento das reminiscências ideologizantes do regime) com a "europeização" das esquerdas, isto é, se a esquerda socialista souber pactuar com a extrema-esquerda, o sistema político, polarizado em torno do Partido Socialista, adquirirá, necessariamente, uma feição nova, na qual a direita terá, finalmente, uma oportunidade de ouro para afirmar um projecto político alternativo, que aparte, definitivamente, a práxis das inenarráveis cedências políticas às cantilenas socializantes. Do ponto de vista de quem se reclama da área política da direita, um entendimento à esquerda seria, em boa verdade, um excelente tónico para a renovação programática que continua, infelizmente, a ser adiada para as calendas gregas. Não sei se Rui Tavares será capaz de levar avante uma proposta política que se arrogue uma concertação à esquerda. Para dizer a verdade, olhando para o histórico deste regime democrático, tenho as mais sinceras dúvidas que um novo partido, ainda para mais alicerçado nos descontentes do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, obtenha o menor êxito. Ademais, não é líquido que Rui Tavares disponha do talante político indispensável à tarefa referida. O próprio eurodeputado, fazendo uso da sua natural ambiguidade, como é, aliás, seu timbre, não tem dado razões suficientes para acreditar que o partido em causa não seja uma plataforma fulanizada. Mas a política ensina-nos que não há impossíveis, porque, vistas bem as coisas, o homem é, como dizia Ortega, o homem e as suas circunstâncias. Resta saber se as circunstâncias de Rui Tavares se coadunam com um projecto político desta envergadura. O futuro será o juiz desta empresa.