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Deixemo-nos de congressos do Partido Social Democrata e se a Sra. Dona Fraga tem uma voz semelhante àquela do ditador- acabaram-se-os-jornais, o Goeballs de Alvalade, para centrarmos as vistas em algo um pouco mais substantivo. Refiro-me a um facto que escapa ao controlo da Geringonça, do Banco Central Europeu (com ou sem o vice VÍtor Constâncio a imitar o chefe Draghi) ou de ideólogos de mãos largas e tesourarias falidas. Como todos sabemos, ou deveríamos conhecer, o fim da era dos juros baixíssimos de títulos de dívida pública aproxima-se a passos largos - assim teria de ser, a não ser que desejemos inflação e depois ainda mais inflação - galopante ou hiperbolante. O sistema financeiro internacional é, para todos os efeitos, um monstro que não se restringe à cerca da política monetária de um dado país. Ou seja, o que está a acontecer nos Estados Unidos da América (EUA), no que concerne à subida da taxa de juros de government bonds, far-se-á sentir na Zona Euro. A União Europeia, castigada pelo Euro forte (que em nada ajuda as exportações), não se encontrará nas melhores condições para acompanhar a Reserva Federal, ou seja, subir a taxa de juro de referência com efeitos inevitáveis para parceiros como Portugal ou a Grécia, a título de exemplo. Mas terá de o fazer porque a inflação pode ser madrasta quando menos se espera. Nesta toada de considerações, Portugal, que tem festejado sucessivas emissões de dívida (a 2, 5 e 10 anos) a níveis invulgarmente baixos, pode encontrar-se numa situação particularmente anti-gerigonçal no que diz respeito a financiamentos públicos. António Costa tem celebrado o grande desempenho da economia portuguesa, mas parece omitir o easy money, os tais dinheiros emprestados ao Estado português com prestações ao preço da chuva. Tudo isto está a mudar. Desde os anos 40 que não se registava tal fenómeno de subida abrupta das taxas de juro dos títulos de tesouro dos EUA. E isto tem de preocupar os gestores da economia portuguesa, mas sobretudo os governantes da república. Mas vejo algo diverso - rest and relaxation a mais deste governo de Esquerda que julga erradamente que isto é lá com eles. Nem a três conseguem vislumbrar o que aí vem - o dinheiro fácil algum dia tinha de acabar.
O Estado da Florida prepara-se para receber o primeiro impacto do Furacão Irma nos EUA. Provavelmente outros Estados americanos serão também contemplados com um rasto de fúria e destruição. Passou uma dúzia de anos desde a tragédia causada pelo Furação Katrina e as deficiências registadas, no que toca às operações de salvamento e resgate, serviram para apurar responsabilidades e evitar a repetição de erros. Os EUA aprenderam do modo mais difícil e, perante a iminência da chegada de Irma, sentimos que existe um efectivo plano de cobertura para tentar minimizar os danos humanos e materiais que resultarão deste fenómeno natural. A pergunta que importa colocar aos portugueses, e por analogia ao cenário de catástrofe, será a seguinte: quantos anos serão necessários para evitar a repetição da tragédia dos incêndios de Pedrógão? É a curva de aprendizagem que interessa. Todos cometemos erros, mas devemos assumir responsabilidades e seguir em frente em busca das soluções mais consistentes e compatíveis com a ideia de preservação de vidas humanas e a base geográfica onde nos movimentamos. Para além desta nota de análise, existem outros danos "colaterais" a ter em conta e que soprarão dos EUA para a Europa. A economia americana levará um rombo significativo com a devastação causada por Irma e, à luz dessa condicionante estrutural, a Reserva Federal dos EUA terá forçosamente de continuar o seu programa de estímulo da economia por via do programa de Quantitative Easing ou outro semelhante. Assim sendo, será expectável o declínio continuado do USD e a consequente valorização do Euro que afectará o nível de exportações da Zona Euro para o resto do mundo. No entanto, existe uma atenuante que será falsamente aproveitada pelo governo da República Portuguesa para aumentar o preço das gasolinas nas estações de serviço. O embate nas refinarias americanas será um facto incontornável, mas Portugal não depende directamente dessa linhas de fornecimento. Abastece-se noutros mercados e, uma vez que o Euro se valorizará ainda mais em relação ao dólar americano, e o crude é pago em USD, iremos observar um efeito de anulação, por via do cruzamento recíproco das duas curvas. Ou seja, a subida do preço do crude será mitigada pela subida do Euro que serve para comprar USD que por sua vez compra energia nos mercados internacionais. A geringonça, chica-esperta como nos tem habituado, escreverá a sua própria ficção de aproveitamento da desgraça alheia. Fica feito o aviso. Será um furacão de categoria política reles que assolará a costa portuguesa.
Atenção: vem aí algo maior que Portugal e cujos efeitos far-se-ão sentir em território económico nacional. Por mais louvável que sejam os consensos locais, os alegados entendimentos do governo com as centrais sindicais, os mais que mediatizados indicadores de retoma e crescimento, as próximas decisões da Reserva Federal dos EUA determinarão comportamentos financeiros pelo mundo fora. Não é apenas Bernanke que pode decidir abrandar o estímulo à economia americana (que é o mesmo que dizer a economia do mundo), porque o Bank of England pode ir pelo mesmo caminho face às evidências de crescimento económico naquele país. A última coisa que a Europa necessita é que as ajudas "externas" sejam retiradas. As taxas de juro irão ser afectadas no âmbito dessa orientação e, sem grande surpresa, as mesmas retomarão lentamente a sua via ascendente quer nos EUA quer no Reino Unido. Na Zona Euro será apenas uma questão de tempo até o BCE imitar as congéneres. Ao encarecer o dinheiro afasta-se o medo prospectivo de inflação de preços (atenção; o ambiente dos últimos anos tem sido de inflação que é em termos académicos o aumento da base monetária). Numa primeira fase pode até haver uma valorização do dólar americano face ao euro, mas rapidamente essas benesses de trader dissipar-se-ão. Os SWAPS caídos em desuso pela má fama decorrente da sua péssima utilização, tornam-se novamente uma peça central neste jogo, que acerta ou não, na taxa de juro expectável. Em vez de escorraçar a ferramenta de trabalho, os SWAPS devem ser encarados de um modo totalmente transparente e utilitário. O que julgam que irá acontecer à taxa de juro dos empréstimos para aquisição de casa? E às tarifas a pagar pelos diferentes intervalos de emissão de dívida nacional? Pode parecer que as coisas estão a entrar nos eixos em termos governativos, mas há vida para além da Troika e Bruxelas (e do pouco que resta de um governo soberano). Portugal, assim como os restantes países do mundo, a bem ou a mal, sofrerá as consequências de decisões tomadas em Washington e arredores. Por isso, nos tempos que correm, é sempre prematuro bradar aos céus que estamos salvos, em terra firme. Vivemos tempos perigosos, perniciosos. Há muito com que podemos contar. E não são favas contadas.
Lew Rockwell no Russia Today (via O Insurgente):