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Sou apenas mais um que ignora os factos. Sou um mero papalvo que aceita as patranhas. Sou um sobrevivente da calamidade - e estou à mercê do estado de graça de Portugal. Se fosse no Texas seria bem diferente. Ao mero indício de falha de um sistema de comunicações, e à luz dos cidadãos mortos pela incompetência e irresponsabilidade políticas, os familiares das vítimas já tinham movido um processo ao Estado Português. O governo da república sabe que do outro lado da barricada está gente pequena, minifundários, almas sem grande poder de fogo para ripostar. Mas há bastante mais. Há o negócio volumoso que o SIRESP envolve; os contratos, os financiamentos, as contrapartidas. Não sei quantas centenas de milhões de euros este matrix das emergências já consumiu, mas "algum" do dinheiro tem proveniência externa. A União Europeia (UE), essa entidade reguladora por excelência, parece o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português - não se pronuncia sobre putativas responsabilidades políticas. O esclarecimento cabal de que fala António Costa não pode nascer a partir de uma comissão de inquérito de um concelho socialista como Pedrógrão Grande. Tem de ser a Comissão Europeia a iniciar um processo que extinga todas as dúvidas sobre o SIRESP; quanto dinheiro foi lá metido? E quanto terá escorrido para bolsos alheios? Finda essa parte instrutória, a "judicialidade" da UE deve determinar o grau de culpa do Estado Português e distribuir sanções e multas. Com os da casa isto não vai lá. Querem enrolar-nos a todos.
Portugal está de luto. Pelo menos 64* pessoas perderam a vida nos fogos florestais de Pedrógão. E Marcelo Rebelo de Sousa abraça a Ministra da Administração Interna, o Secretário de Estado da Administração Interna e o Presidente de Câmara. No lugar dos afectos e compaixão política desmesurados, EXIGE-SE que haja demissões. Houve pelo menos um socialista, em análoga situação de tragédia, que soube interpretar o que os eventos demandavam - Jorge Coelho. O então Ministro das Obras Públicas, assim que ruiu a ponte de Entre-os-Rios, pôs o lugar à disposição. Mas o Presidente da República tem razão - não há falta de competência nem de audácia dos bombeiros e da população que tentaram defender-se o melhor que souberam. O que temos é outra coisa: dolo político, irresponsabilidade governativa e administração danosa das florestas portuguesas. Enquanto os atrasados mentais dos jornalistas perguntam aos banhistas molhados se estes vão ao mar para se refrescarem, tantas questões certeiras deixam de ser colocadas. Das perguntas que devem ser colocadas em plena câmara ardente, uma delas será: "Sr. António Costa, vai sugerir a demissão de responsáveis políticos?", em vez disso, ficámos sem saber se os gelados tiram a sede. Vergonhoso, trágico e para além de lamentável.
* número em actualização constante
Só faltava Passos Coelho oficializar o regresso de José Sócrates. Ao fazer comparações entre o seu reinado e o do outro (o "outro" é um termo politicamente incorrecto, eu sei), reconhece direitos adquiridos ao socialista-écrivain - concede-lhe a importância que ele merece. O actual primeiro-ministro demonstrou, porventura sem o desejar, que Sócrates não é apenas um problema do passado, mas poderá vir a ser um rival num futuro próximo. Depois de sucessivas tampas de Seguro, a propósito do guião da reforma do Estado e do orçamento de 2014, Passos Coelho vira-se para aquele que está ávido por desferir uns golpes, mas que ainda não tem as luvas da titularidade política calçadas. O primeiro-ministro quer mostrar ao lider da oposição Seguro que nem precisa dele para invocar as fracturas profundas que opõe os socialistas aos social-democratas. Sabemos muito bem que Seguro não é comparável a Sócrates (é igual a si), e deste modo Passos Coelho retira força aos socialistas ao se "picar" com um político ligeiramente civil - Sócrates é uma espécie de fantasma da Troika, regressado do mundo dos políticos mortos-vivos para distribuir a culpa pelos outros e eximir-se de responsabilidades. À medida que Sócrates se reintegra na vida política e social do Rato, vai reavivando a fraca memória dos portugueses - estes irão lentamente recordar que foi o mestre de Paris que assinou o memorando de entendimento, que foi ele que conduziu o país a esse estado de calamidade que infelizmente teve continuidade através das políticas de austeridade do actual governo. Afinal Sócrates tem uma missão importante a cumprir na tomada de consciência dos cidadãos portugueses. Sócrates regressa ao cenário de sismo económico e social para o qual contribuiu, impávido e sereno, mas os portugueses sabem o que a casa gastou. Quem negar as responsabilidades de um e de outro na actual crise, não estará a ser honesto e justo. A ruína não pertence em exclusivo aos sociais-democratas ou aos socialistas. Foi uma longa sociedade por quotas destes dois parceiros que ditou o rumo penoso de Portugal. O país vive o dilema do prisioneiro e não existe uma jogada que possa eximir as duas principais forças políticas das suas responsabilidades. Seria bom que soubessem, que nalguns casos, as laranjas e as rosas não se comparam - nem se cheiram.
Tenho a agradecer a um académico em particular (o meu pai) - o Prof. John Howard Wolf -, por ter recortado e guardado este artigo do New York Times de 21 de Novembro de 1976. De facto o que se segue à Revolução de Abril está a tornar-se uma aventura muito cara. O senhor que se apresenta na fotografia de queixo caído e consternado, provavelmente à época não sonhava com o que viria a acontecer a Portugal. Por outro lado, volvido tanto tempo, talvez devêssemos encontrar o ex-chefe de estado novamente cabisbaixo por confessar um ligeiro mea culpa, mas ele assim não o entende. Para ficar bem de consciência, e no retrato da nação, deveria assumir a sua quota de responsabilidade. Não lhe ficava mal e daria um bom exemplo a tantos sócios políticos com a mesma cor ideológica ou não. Nesta caminhada de transição para a Democracia, quer olhemos de longe ou espreitemos de muito perto, os Socialistas recusam assumir a sua mão no acidente verificado. Pergunto; ainda temos Democracia em Portugal? Ou colocando a mesma questão mas de um outro modo; temos Democracia em Portugal, mas a que preço? A última edição do Orçamento de Estado é apenas um filho de outros tantos Orçamentos desviados pela condução tortuosa de tantos dirigentes, quiça espantados pelos Allendes deste mundo.