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Deve ser apenas uma mera coincidência de época balnear. Acabo de abrir a caixa de correio e lá está a Revista da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Na capa uma imagem a atirar para o Pop-art de Roy Lichtenstein, com um cacilheiro ao fundo, não se sabe bem se a abandonar a Lisboa, a deixar em terra a ciclista. A cara do personagem - da jovem que encarna o estado de espírito -, é uma cara de poucos amigos. A menina está sozinha mas está muito bem. Não deixa descair a preferência de género, o seu sexo de eleição. Pode ser que seja hetero mas também é possível que não seja. A rapariga de cabelos alaranjados provavelmente ter-se-á exposto em demasia ao sol; tem a face e o peito pejados de sardas (ou serão pigmentos naturais?). O piercing na narina direita da garina é a prova de que é uma rapariga toda atirada para a frentex; vai aos festivais de verão (se não vai, tem auscultadores para fazer bombar os éxitos) e repete a cada segunda frase "tá-se bem". A t-shirt de alças e às riscas encarnadas deve ser para afastar os bichos, as vespas, mas cumpre outra função; condiz na perfeição com as cores do patrocinador - o anunciante. Na contracapa lá está o Red da Vodafone e três protagonistas com cara de espanto. Mas não se limitam a olhar com cara de parvas. Uma delas tem vasilhame na mão, um copo vazio (será para recolha de fundos?). Nunca havia recebido esta revista moderna no conforto da minha casa, embora seja publicada trimestralmente, mas está tudo explicado. A Câmara Municipal de Lisboa quer dar uma ajudinha ao presidente-candidato-a-presidente António Costa. Embora tenha sido educado a não julgar um livro pela sua capa, a verdade é que não retirei a revista do envólucro de plástico e não o farei. Sinto-me ultrajado por receber esta encomenda à última hora, no cair do pano de reeleições. Em todo o caso, não devo ter grandes problemas de consciência porque não se trata de um livro. É um panfleto político na mais pura acepção do papel gasto pelos munícipes. Se não estou enganado, a edição é financiada pela Câmara Municipal de Lisboa. Certo? Então, os moradores de Lisboa estão a pagar por isto, a sustentar a campanha do presidente da Câmara de Lisboa. Por essa razão não irei rasgar o plástico que protege a revista e ser maravilhado com as histórias de sucesso autárquico. A publicação que chega a tempo e horas é uma ferramenta de propaganda política, uma acção inserida na campanha política que já começou. Durante os últimos anos nunca havia recebido da CML uma revista com tanto aprumo e design, mas esta prenda caiu-me mal. Fez-me mal à digestão política. Provavelmente irá irritar mais uns quantos - a tiragem chega aos 350.000. Quanto terá custado? Faz parte do orçamento do PS ou da CML? Pode parecer que estou a ser picuinhas, mas estamos em fase de auditoria intensa a todas as movimentações políticas. Faz parte do processo democrático prestar contas e justificar os gastos. Como disse, ficar-me-ei pelos clichés inscritos na capa; "o Tejo devolvido aos Lisboetas", "Lá vai Lisboa", "À conversa com Júlio Pomar" sem esquecer aquele toque cosmopolita de modernidade iorquina. O código QR (no canto inferior esquerdo) para aqueles munícipes agraciados com um smartphone capaz de ler por entre as linhas. Capaz de entender as segundas intenções. Seara verde, verdinho.