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A 4 de Julho de 1943, um estranho acidente aéreo em Gibraltar, vitimava o chefe do governo polaco no exílio, o general Sikorski. Para a Polónia ocupada, este militar era o símbolo da resistência à ocupação decorrente do Pacto germano-russo de 23 de Agosto de 1939 e emulava perante os seus compatriotas, o papel desempenhado pelo general De Gaulle junto dos franceses.

 

Após o Armistício de Rethondes e tal como o chefe da França Livre, Sikorski decidiu passar o núcleo de resistência para a Inglaterra, onde se dedicou à formação de unidades de combate polacas integradas no exército britânico. A situação da Polónia diferenciava-se do posicionamento de Londres perante o Eixo, pois a evidente convergência de interesses entre o Reich e a URSS, tinha como base de sustentação a partilha do país que conduzira à declaração de guerra de 3 de Setembro. Se a primeira fase do conflito conformou os esforços de Sikorski na estreita cooperação com o War Cabinet de Londres, o início da Operação Barbaruiva trouxe imediatas dificuldades ao relacionamento entre os novos aliados, ambos muito interessados em soluções completamente diferentes para o futuro do ressurgimento da Polónia como Estado independente. Inicialmente, os britânicos pretendiam honrar os seus compromissos que previam a manutenção do status quo das fronteiras anteriores à guerra, enquanto numa primeira fase da invasão da Rússia, Estaline preferisse não se pronunciar acerca do verdadeiro projecto de anexação soviético, já estabelecido pelo tratado celebrado com Ribbentrop em Moscovo. Desta forma, a possibilidade de renunciar aos territórios polacos  situados a leste da Linha Curzon, estava de antemão posta fora de qualquer cogitação. Estaline pretendia um claro avanço territorial para ocidente que lhe permitia intervir decisivamente na Europa Central e nos Balcãs, transformando toda a vasta região num conjunto de Estados vassalos e de preferência, com forte presença militar russa.

 

A necessidade de chegar a um acordo levou Sikorski a negociar com Moscovo, sabendo-se que na URSS vegetavam nas mais miseráveis condições milhares de militares e civis polacos, mas a informação alemã acerca dos massacres de Katyn perpetrados pelo NKVD, viria a criar um fosso intransponível entre o governo polaco de Londres e o regime de Estaline. Em consequência, foi organizado um governo fantoche pró-russo, assim como um exército polaco sob férreo controle  do Stavka, o que aparentemente facilitaria a aceitação da entrada do Exército Vermelho na Polónia, numa fase da guerra em que a Wehrmacht recuava e tornava evidente o desenlace do conflito.

 

Toda a controvérsia inter-aliada, ou melhor, entre os polacos no exílio e o conjunto dos aliados ocidentais e a URSS, residia na dificuldade de estabelecer a Polónia com fronteiras aceites por todos. Para a URSS, isso implicava o reconhecimento da linha estabelecida por Molotv e Ribbentrop, uma das fundamentais causas da própria entrada em guerra da Grã-Bretanha. A rica e multifacetada personalidade de Winston Churchill - estando os ingleses muito dependentes da ajuda norte-americana - poderá ter induzido o Premier a uma daquelas reviravoltas políticas de que foi sempre um destacado protagonista, embora o segredo tenha pautado as suas actividades mais comprometedoras de homem de Estado e de governo. Ainda hoje se discute a autenticidade de uma correspondência mantida com o Duce até aos derradeiros momentos da II Guerra Mundial, mas o facto dos arquivos britânicos não confirmarem ou negarem formalmente a existência da documentação, deixa numerosas questões por responder. Assim, Sikorski - por muitos considerado como homem providencial -, poderá ter-se tornado num permanente incómodo para os ingleses, já colocados num plano secundário entre os chamados Três Grandes, ao lado dos EUA e da URSS.  Sabemos que Roosevelt estava sempre disposto a contemporizar com Estaline e provavelmente Washington pressionou Londres no sentido de forçar os renitentes polacos a aceitar as condições impostas por Moscovo no que respeita á alteração radical de fronteiras. O governo de Sikorski jamais manifestou qualquer interesse em receber compensações em território alemão a norte ou a ocidente, percebendo que a delimitação das fronteiras polacas de 1939 propiciava uma efectiva vantagem nos Países Bálticos e mantinham intacta a possibilidade da manutenção dos Balcãs e da Europa Central fora do domínio soviético. 

 

O inicial silêncio acerca das estranhas circunstâncias que conduziram ao desaparecimento do unanimemente reconhecido chefe do governo polaco e a posterior acção de encobrimento da investigação, deixam intactas as possibilidades de conjecturar acerca das chamadas "teorias da conspiração", uma muito provável verdade habilidosamente oculta durante sessenta anos. A quem aproveitou o crime? Em que circunstâncias foram radicalmente alteradas as históricas fronteiras territoriais - e principalmente étnicas - da Polónia? Qual foi o papel desempenhado pelos governos dos Aliados ocidentais em todo o sórdido, brutal e ilegal  processo da transferência de populações e de territórios? Se hoje ninguém alimenta qualquer tipo de dúvidas acerca da natureza criminosa do regime soviético e dos seus métodos diplomáticos abstrusos  e absolutamente contrários à ética que deve reger - mesmo que apenas na sua forma -  a ordem diplomática internacional, muitas questões continuam sem resposta. Apesar de todas as interrogações e recordando que há apenas duas décadas não existiam os meios de que hoje dispomos para a informação global, é muito fácil imaginar a eliminação selectiva de documentos comprometedores para Londres e Washington, porque para os soviéticos, religiosamente crentes na vitória final do comunismo, o Arquivo foi sempre o destino certo para todo o tipo de documentos escritos, fossem eles de índole pública ou privada. Enfim, os carrascos e os burocratas do PCUS organizaram criteriosamente o infindável processo de acusação que a História lhes reserva. Quanto aos ocidentais, só o futuro o dirá.

 

 

*Post dedicado ao Paulo Soska

publicado às 15:11






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