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Já vimos que António Costa conseguiu contratar o humorista-rei de Portugal. Ricardo Araújo Pereira (RAP) tem capital intelectual para dar e vender. Apenas alguém com níveis de inteligência muito elevados consegue apostar no cavalo político ganhador. Não há mal nenhum em ser franco e honesto em relação à preferência ideológica. RAP não está a ser cínico. Tem mesmo afecto por António Costa. O problema reside na explicação racional que teria de oferecer (se não fosse humorista) para fundamentar a sua escolha. Mas depois pensei no seguinte; os humoristas, à semelhança dos mágicos, apresentam truques com uma mão cheia de nada. Eu entendo que seja tentador estar alinhado com a parte fraca, com aqueles pintados de perdedores. E a comédia é intrinsecamente um exercício de contestação, mas não de alinhamento com um partido político. Isso tem outro nome - propaganda. Charlie Chaplin também fora acusado de ser socialista, mas eu sei que não devo confundir o cu com as calças. Ainda falta bastante para RAP superar Herman José, quanto mais Charlot (que raio de tradução?!). Por estes motivos de escalada mediática ou de manutenção do status de humor, devemos questionar as suas motivações e o que afirma Pereira (Tabucchi, perdoa-me) no seu programa tá-se-bem (é assim?). Se RAP fosse mesmo rapper, incluiria na sua letra um sentido mais ecológico e subtil, esbanjaria gargalhadas no boletim de voto integral e não correria o risco de ser eleito faccioso. Mas deste modo, impõe-se de um modo anti-democrático. Canoniza a antitese perfeita, corporiza o estado paliativo do humor inteligente e apresenta um estado novo de comédia. RAP tornou-se numa autoridade, no ditador da piada fácil, dispensável.
Esta semana assisti ao Tanto para Conversar, o programa nocturno de conversa amena na RTP2, na qual Ricardo Araújo Pereira, na vertigem do seu establishment, justificou a sua opção em ser de esquerda e comunista socorrendo-se do pensamento de Norberto Bobbio no seu livro Direita e Esquerda. Cito RAP: “As pessoas de esquerda acham que as pessoas são mais iguais do que desiguais; para as pessoas de esquerda é natural que a sociedade tenda a reproduzir essa igualdade; as pessoas de direita acham que as pessoas são mais desiguais do que iguais, portanto para as pessoas de direita, se umas têm mais mérito do que as outras, é até justo que a sociedade reproduza essa desigualdade”.
Pode dizer-se que na cabeça comunista de RAP o pensamento de Bobbio faz todo o sentido excepto, diria eu, em dois pequenos detalhes. O primeiro detalhe é que a esquerda comunista não vê os homens todos como mais iguais, distingue claramente "os ricos” como inimigos da sociedade. O segundo detalhe é que a esquerda comunista não reproduz a igualdade dos homens, utiliza apenas meios “extraordinários” para erradicar "os ricos”. Também nisto da esquerda/direita o diabo está, como sempre, nos detalhes.
Sabemos todos muito bem que o político vive do dito por não dito, da euforia das promessas eleitorais, e no lance seguinte, da alteração do curso de acção. Faz parte engalanar o discurso a caminho do promontório, e, uma vez lá chegados, parece que afinal as convicções eram outras, as prioridades distintas. Acontece a todos os candidatos (e repetentes), invariavelmente, e independente do partido de origem, a ideologia de fundo. Os eleitores, hipnotizados pela oratória mais ou menos elaborada dos proponentes, caem que nem patinhos na conversa, no conto do vigário - vezes sem conta. Porém, não são os únicos. Os comentadores e analistas também padecem da mesma condição de volatilidade. Não há nada de artificial nesse comportamento. A natureza humana é feita desse deslizar na régua da opinião. Acontece-me a mim, como a tantos outros. Pouco honesto seria se não admitisse a minha incoerência. O tempo, por onde se estende a agenda dos juízos, acaba por servir para definir a amplitude da mudança, repentina ou não. Ao longo destes últimos anos, e à luz da crise que atormenta vidas desconhecidas ou não, sei que sofro de vulnerabilidade. Sei que o meu espírito foi admoestado pelo sentimento negativo, pelas evidências do descalabro, mas ao mesmo tempo, como se fosse um instinto de sobrevivência, esgotámos a neura e procuramos ver a luz, um lampejo de esperança. Dito isto - de um modo puramente sensorial -, mal de nós seria se nos deixássemos derrotar. Os governos, incumbentes ou aspirantes, lidam e não lidam com o espectro dessa fragilidade de sentimentos, ligam e ignoram a importância dessa força, a substância que funciona como anti-corpo para a sua deficiência congénita. Os governos, são, essencialmente, deficitários. Nunca correspondem aos anseios - comprometem os sonhos. Vivem numa superfície relativista, explicável, mas não necessariamente justificável. Na mudança de turno, despoletada por processos eleitorais, os fundamentos da acção não se alteram - confundem-se. E é precisamente diante dessa panóplia de falsas opções que nos encontramos. O actual governo ainda pode fazer mais, mas não fará menos do que aquele que se segue. Confesso que seria conveniente agarrar-me à instransigência, ao dogma que não concede um palmo à noção de alteração, ao engano. No entanto, se realizasse o exercício confessionário, confirmaria a contradição. O dia que não se segue à aurora - aquilo que fui ontem e que deixei de ser hoje. Nessa modulação de onda onde me encontro (onde nos desencontramos) aceito as minhas insuficiências e respeito as animosidades que provoco nos outros - estou vivo. Faz parte da condição humana estar vivo (muito melhor do que falecer). Trata-se de reflectir de um modo incompleto sobre o modo como vertemos a nossa eterna volatilidade. Se os parodiantes servem o interesse nacional ou afagam o umbigo não me interessa nada. Há coisas mais importantes. Quanto aos governos, não sei o que dizer. Sei o que não devo dizer. E não preciso de ligar a televisão para confrontar fantasmas que afinal não o são. São pálidas sombras da mesma árvore, ressequida - tombada.
Sem dúvida, uma das melhores Mixórdias de Temáticas de Ricardo Araújo Pereira:
Ricardo Araújo Pereira resume aquilo que muitos pensam acerca de Miguel Relvas:
«A característica mais admirável de Relvas é esta: embora possua uma aflitiva falta de talento para a oratória, dispõe-se a fazer intervenções públicas todos os dias.
(...)
Em política, a persuasão faz-se através da palavra. Cunhal era um grande orador, Soares era um grande orador, Sócrates tinha telepontos muito bons. O facto de Miguel Relvas ser incapaz de articular um sujeito com um predicado faz com que a sua proeminência na vida política seja razoavelmente misteriosa.»
Ricardo Araújo Pereira na Visão:
Às vezes um ministro engana-se e diz que está em Mafamude quando na realidade se encontra em Gulpilhares. A oposição não perdoa: manifesta indignação porque são duas freguesias de Vila Nova de Gaia absolutamente inconfundíveis, condena a ofensa sem nome que foi feita à boa gente de Gulpilhares (e, até certo ponto, também à de Mafamude), chama o ministro ao Parlamento para que justifique o lapso inaceitável, exige ao chefe de Governo que demita o ministro e ao Chefe de Estado que convoque eleições antecipadas com carácter de urgência.
Agora, que recaem suspeitas graves sobre José Sócrates, o PSD veio dizer que tem toda a confiança institucional no senhor primeiro-ministro, Luís Nobre Guedes, do CDS, manifestou apoio e solidariedade e o resto da oposição não disse nada de especial. Quando rebentou o escândalo BPN, foi parecido. Era difícil distinguir a lista de envolvidos nos negócios pouco claros do banco de um conselho de ministros do Governo de Cavaco Silva. O sonho de qualquer militante do PS. E que disse o PS? Nada de especial. Parece evidente que a melhor maneira de promover a concórdia e a cooperação estratégica dos principais partidos é acusar os seus dirigentes de ilícitos graves. Os adversários políticos não perdoam a quem comete lapsos menores, mas dão a mão a quem é acusado de delitos graves. São feitios.
A campanha negra, a existir, aparenta ser fruto de geração espontânea. Não há quem não repudie o ataque cobarde e ignóbil a José Sócrates, e andar simultaneamente a orquestrar e a repudiar o ataque seria especialmente cobarde e ignóbil. Mesmo para políticos. Em todo o caso, mais do que investigar o caso Freeport, eu gostaria que fosse investigada a campanha negra sobre o caso Freeport. Os conspiradores, se existem, devem ser detidos. E, depois, condecorados. Isto porque esta campanha negra, na eventualidade de ser real, é a iniciativa mais bem planeada, organizada e executada da política portuguesa. Portugal precisa de gente com este talento e esta capacidade de trabalho na vida política. São profissionais competentes na política, porque sabem escolher os factos mais delicados e a altura mais prejudicial para os revelar, são fortes na diplomacia e nos negócios estrangeiros, pela facilidade com que envolveram a polícia inglesa, e são rigorosos a ponto de desencantarem mails com mais de três anos quando eu tenho dificuldade em lembrar-me dos que recebi ontem. Menos dos que incluem fotografias de senhoras nuas. É possível que os autores da campanha negra sejam os melhores políticos portugueses das últimas cinco ou seis décadas.