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Triste visão de negócios em Portugal. Apenas sabem vender Gins a 12 euros ou especular com casas. O país que descobriu o mundo não tem ideias. Tem fome de ganhar tudo de uma assentada. O Robles & companhia representam algo de mais profundo e transversal. A ambição de ser como o Gordon Gekko e conduzir um Ferrari vermelho PC ou negro BE. Arrivistas mal amanhados. Mas o que causa mais comichão ao cidadão nacional não é o ganho, ou o lucro oportunista. É a hipocrisia de quem afirma categoricamente não praticar a religião capitalista, mas depois é apanhado a arrombar a caixa de esmolas. Quem Robles a ladrão tem cem blocos de perdão...
Esta semana assisti ao Tanto para Conversar, o programa nocturno de conversa amena na RTP2, na qual Ricardo Araújo Pereira, na vertigem do seu establishment, justificou a sua opção em ser de esquerda e comunista socorrendo-se do pensamento de Norberto Bobbio no seu livro Direita e Esquerda. Cito RAP: “As pessoas de esquerda acham que as pessoas são mais iguais do que desiguais; para as pessoas de esquerda é natural que a sociedade tenda a reproduzir essa igualdade; as pessoas de direita acham que as pessoas são mais desiguais do que iguais, portanto para as pessoas de direita, se umas têm mais mérito do que as outras, é até justo que a sociedade reproduza essa desigualdade”.
Pode dizer-se que na cabeça comunista de RAP o pensamento de Bobbio faz todo o sentido excepto, diria eu, em dois pequenos detalhes. O primeiro detalhe é que a esquerda comunista não vê os homens todos como mais iguais, distingue claramente "os ricos” como inimigos da sociedade. O segundo detalhe é que a esquerda comunista não reproduz a igualdade dos homens, utiliza apenas meios “extraordinários” para erradicar "os ricos”. Também nisto da esquerda/direita o diabo está, como sempre, nos detalhes.
O Diário de Notícias relata neste apontamento de redacção que o governo pretende criar uma agência para atrair imigrantes ricos. "Pedro - o Lomba" (sim, Tadeu diz "Pedro - o Lomba", vejam o filme) foi encarregado de anunciar esta nova loja do cidadão abastado. A ideia, que parece ser um Sonho Americano invertido, serve para confirmar que a ideia de "self-made man" não funciona em Portugal. O governo quer a papinha feita. Quer que jactos privados aterrem na Portela com passageiros carregados de massa, dispostos a largar o guito assim sem mais nem menos. Ou que génios, netos de Einstein, venham estagiar em Aveiro a troco de uma bolsa furada ou coisa que o valha. Este proto-projecto esbarra com a ideia de mérito, de sucesso alcançado a partir do nada, da mala de cartão que chega, que vem e não vai - rumo a Paris. Esta solução apenas confirma que duas décadas de presença de brasileiros e ucranianos não foi suficiente para que estes vingassem e fossem bem sucedidos nos seus intentos. O ambiente não lhes foi propício. Vieram com uma mão atrás das costas e foram-se com as duas feitas num oito. Esta magnífica ideia, para além de discriminatória, por apelar às elites intelectuais e financeiras de outros países, constitui um atentado ao pobre coitado (nacional ou não) que não reúne os requisítos propostos. O conceito anda perto de práticas de regimes nacional-socialistas - um processo de selecção de uns em detrimento de outros. São estes os valores que Portugal agora encarna? O país que foi o primeiro a abolir a escravatura. E pensam que os outros são idiotas? Esses prospectivos milionários que querem captar, muito provavelmente foram eles próprios os indigentes nos seus países de origem. Homens e mulheres com um par de sapatos sem sola, nada no estómago e nos bolsos, mas que foram capazes de se construir a partir de muito pouco. Este atalho chico-esperto não passa disso e há outra questão ética e financeira que se apresenta na alfândega, nos serviços de estrangeiros e dinheiros. Serão notas limpas as que trazem na mala? Ou será que ninguém quer saber, desde que seja uma divisa consensual? Ao subscrever este tipo de medida, o governo passa um atestado de incompetência aos esforçados da casa e manda-os dar uma volta. Vai trabalhar malandro, não vês que estamos aqui a atender um cliente como deve ser? Isto é mau demais para ser verdade. Olha lá? Só agora é que me lembrei: eu também sou um imigrante!
A propósito deste post do Pedro Quartin Graça, e após uma leitura em diagonal de um artigo do sempre indispensável Ambrose Evans-Pritchard, cheguei à conclusão de que as elites teutónicas andam completamente à nora. Leiam isto e tirem as vossas próprias conclusões:
"The proposals, from members of Germany’s council of economic experts, raise the prospect of taxes being imposed on property in a country like Spain if its government was forced to seek a bail-out. The council, known as the “Five Wise Men”, is often used to test new policies that are later adopted officially. The German suggestion is the latest sign that Berlin is intent on imposing even tougher rules on weaker southern euro members in exchange for using its economic might to support their finances (...) Taxes on property or other assets would mark a significant change in Europe’s approach to funding bail-outs for eurozone members (...) But German economists are now challenging that argument. They say that new figures taking into account property values show that people in many southern countries are actually wealthier than their German counterparts. Prof Lars Feld, another “wise man”, highlighted a recent study by the European Central Bank, which Germans say show that the people in bailed-out countries are often better-off than those in Germany. Less than half of Germans own their own home, lower than the rate in many southern eurozone members.
Não é difícil chegar à conclusão de que estas propostas conduzirão a uma cisão ainda maior na dita Europa. Mais: a partir do momento em que os mandarins europeus concentrarem baterias nos tão propalados ricos, dirigindo o raide tributário do Estado impostadeiro para o património imobiliário, é certo e sabido que as elites dos países periféricos, acossadas por uma austeridade cada vez mais esmagadora, optarão pelo abandono do euro. O ponto é justamente este: se a austeridade atingir um patamar de violência tal que quebre, concomitantemente, o elo de ligação entre as elites nacionais, europeístas até à medula, e as elites eurocráticas, a pertença ao euro deixará, certamente, de ser um tabu. Perante isto, só há uma questão a fazer, uma única questão: as elites alemãs já desistiram do euro?
Hoje recordei-me de uma célebre história, que talvez evidencie mais claramente alguns afunilamentos estafados à esquerda e à direita em relação a narrativas políticas que não são inocentes ou ingénuas. Consta que quando Otelo Saraiva de Carvalho se encontrou com Olof Palme, questionado por este sobre a visão que tinha para Portugal, terá dito que queria acabar com os ricos. O Primeiro-Ministro sueco, por seu turno, replicou: "Curioso, nós na Suécia queremos é acabar com os pobres."
Leitura complementar: O mito do "viver acima das possibilidades"; Marx a rir; Duas petições; Isabel Jonet e o coro da tropa fandanga do business as usual; Boa noite e boa sorte; O coro da tropa fandanga, versão intolerância democrática
Quando várias vozes destacadas na opinião pública portuguesa se fazem ouvir contra as ideias peregrinas de taxação dos ricos. É ler Luís Paixão Martins, Camilo Lourenço, João Cândido da Silva, António Ribeiro Ferreira e Paulo Pinto Mascarenhas. Por outro lado, claro que os nossos empedernidos conservadores do que está, dos socialistas aos comunistas e a começar em Cavaco Silva, se mantêm fiéis aos seus princípios que só nos têm empobrecido, mas destes não seria de esperar outra coisa.
Aconselha-se ainda vivamente a leitura deste breve texto de Alberto Alesina, a que fui dar por sugestão do Tomás Belchior, de que deixo os parágrafos finais (os negritos são meus):
«Many others have also studied the effects of fiscal adjustments. From detailed case studies, to regression analysis, to vector auto regressions. Below we show a (possibly incomplete) list, including work done at the IMF. There is an additional recent and large fiscal policy literature (including work by Robert Barro) that consistently finds very small multipliers for government spending, much less than one. That is: a one-dollar cut in spending stimulates private demand that compensates partially for the cut in public demand.
Below, however, we list only the papers more directly related to fiscal adjustments. All of these analysis, find what we confirm in our most recent paper. These previous papers use different samples, different set of countries, and different methodologies. This body of work show two results: 1. that spending cuts are less recessionary than tax increases when deficit are reduced, and 2. that sometimes, not always, some fiscal adjustments based upon spending cuts are not associated with economic downturns.
In any event, the brand new Chapter of the WEO is a welcome addition to this list. When all the data are made available, and the analysis is replicated by others, we will see how to fit its results into the large preceeding literature. We already know that one conclusion is in line with many of the previous papers-- namely, that spending cuts are better than tax increases to reduce a budget deficit.»
Moral da história: o governo português que se deixe de invenções fiscais importadas de países com os quais a nossa situação tem muito pouco a ver e cuja generosidade é duvidosa (não há almoços grátis), e que continue a arrumar a casa.
Provavelmente um dos melhores posts do ano, que aqui transcrevo na íntegra, Quando for grande não quero ser rico, pelo Tomás Belchior:
«Há quem tenha ficado sensibilizado com esta história dos ricos franceses (e talvez dos ricos portugueses) virem a público oferecer-se para pagar mais impostos. Pessoalmente, deu-me a volta ao estômago. E não só pelas razões que o Tiago apontou, e muito bem, aqui e aqui.
Fiquei enjoado não por duvidar da sinceridade destes senhores. Nem por ver que estes 16 milionários, ao exprimirem a vontade de “ajudar” o Estado francês, estão a perpetuar os problemas que “obrigam” o Estado francês a tapar buracos com o seu próprio dinheiro. Nem sequer foi o facto deste gesto ser mais uma prova de que as grandes empresas e os grandes empresários vivem em concubinato com o poder político.
O que me enjoou foi a cobardia. O que me enjoou foi ver estes tipos cederem à chantagem que se tornou o esprit de corps da democracia e que diz que os ricos, por serem ricos, devem pagar mais impostos, sob pena de serem vítimas do “descontentamento” popular. O que me enjoou foi ver que estes tipos estão a dar razão aos políticos que se têm esforçado por evitar que a generalidade da população pague o preço das suas opções políticas, recorrendo a instrumentos como a progressividade fiscal e a emissão de dívida. O que me enjoou foi ver estes tipos, por um punhado de euros, a deixar que os políticos continuem a usar a inveja da população como fundamento moral para assegurar que uma parte significativa dessa mesma população nunca vai ganhar mais, para poder pagar mais.
No fundo que me enjoou foi ver que estes tipos, por serem ricos, acham que se podem dar ao luxo de vender não só a nossa liberdade como também a nossa dignidade.»
Nota: Ler também o João Miranda, para se ficar a perceber melhor quem são os ricos franceses e portugueses que querem pagar a crise.