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E se Marcelo Rebelo de Sousa fosse primeiro-ministro por um dia? O exercício é interessante. Nessas 24 horas teríamos de encontrar uma actividade de tempos livres para António Costa. Adiante. O que o Presidente da República afirma deve ser levado à letra. Fala de Sócrates e desse ano fatídico de 2011, do microfone na lapela, e o "estou bem assim? ou assim, mais para a esquerda?" - resgate à vista. Marcelo, que está uns furos intelectuais acima de Costa ou Mortágua, não está a ver as coisas de uma torre de marfim. Ele sabe que um país não pode desenrascar-se à pala do turismo. A cerimónia ejaculatória sobre o crescimento do sector assenta nalgumas contradições monetário-ideológicas. Se esses estrangeiros que andam a estragar a calçada portuguesa não tivessem acumulado riqueza não estariam aqui a gastar as suas poupanças. Se esses bifes ou boches tivessem vergonha na cara deixavam-se ficar por Bradford ou Dusseldorf. Mas esse estado de arte de passeio dos alegres pode acabar bruscamente. Basta uma crise Deutsche Bank, bastam sanções a Portugal, basta um ataque terrorista. E de repente teremos uma mercado de tuk-tuks usados interessante. Marcelo sabe, talvez melhor do que os associados em governo, que as vistas não podem ser sazonais. Parece ser um facto histórico inegável desde o tempo dos Descobrimentos existir uma certa predisposição comportamental. A riqueza nacional afinal não é nacional. Não tem cidadania. É refugiada. Vem de fora. Ora são especiarias, ora é o ouro. E mudam-se os tempos, mas o "chip" parece ser semelhante. A ver se cai algo lá de fora. Chamam-lhe turismo.
Queria encontrar outro tema para explorar, mas regresso ao mesmo. São questões incontornáveis. São pedras no sapato. São alergias e urticárias provocadas pela audácia descarada de quem nem sequer consegue apalpar o conceito de riqueza - a ideia de que o mundo abunda em meios financeiros acumulados é totalmente falsa. A maior parte do "dinheiro" está consignada a propriedades imobiliárias (na forma de residências principais) e fundos de pensões que investem em títulos de tesouro e acções. Quando um governo ataca a sua própria base de poupança, invocando falsas teses de redistribuição de riqueza, operada pela via fiscal persecutória, omite a grande tendência de ascensão económica e social do nosso mundo. São os aforristas chineses e indianos que demonstram o caminho da sustentabilidade. São nativos desses países que têm vindo progressivamente a "pôr de parte" uma parte dos rendimentos auferidos do trabalho para dispor dos mesmos no último terço das suas vidas enquanto complemento de reforma. Ou seja, mesmo que os sistemas de pensões não entrem em falência material, estarão "minimamente" preparados para o advento do mesmo. O Bloco de Esquerda (BE) faz leitura diversa da realidade. Ao castrar a ideia de poupança e "acumulação" grande ou pequena, lança sobre os ombros da administração central um ainda maior fardo de garantia de sustentação dos seus súbditos. A riqueza acumulada a que se refere a mestrina Mortágua não está parada num cofre à tio Patinhas. Essas "fortunas" de 51 mil euros residem em aplicações dinâmicas buscando um maior ou menor retorno conforme a tolerância de risco do titular. Ora essa predisposição, essa inclinação para dar um destino ao que monetariamente nos pertence, é uma prerrogativa dos cidadãos de um Estado alegadamente democrático. São os cidadãos que devem escolher o modo como interpretam o futuro. São os pequenos ou grandes investidores que decidem quem os deve governar. Nessa medida, e atendendo à declarada autofagia do BE, encontramo-nos diante de uma profecia que realizar-se-á sem grande necessidade de nervosismo ou alarido. O radicalismo extremo encontra sempre uma saída - um beco daqueles que tão bem conhecemos.
Já acumulei horas e mais horas de voo com o incorrecto axioma monetário de Mariana Mortágua. Já pedalei muito. A detentora da pasta das finanças do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista não está a prestar atenção às grandes correntes e tendências de moda do Banco Central Europeu (BCE). A troupe de Mario Draghi não menciona a função fiscal dos governos de países em apuros na última tirada vinda a público. Refere sim a importância de genuínas reformas estruturais conducentes ao crescimento das economias dos países da Zona Euro. Refere o lado da oferta agregada e não destaca o papel da procura - ou seja, de nada serve o pobretanas receber umas notas sacadas ao vilão que acumulou fortuna. Aliás, podemos e devemos ir mais longe. O capital avultado, "concentrado", se desejarem, se for sujeito a uma "reforma agrária-fiscal" de transformação em "minifúndio", perde a sua força transformadora. Por outras palavras, tirar a quem acumula para dar a quem não é empreendedor, mas mero consumidor, retira virilidade à realidade macro-económica. O que pensa a Mariana Mortágua sobre o que tem feito o BCE nos últimos tempos? Tem feito a sua vontade. Não tem deixado acumular grande coisa nos cofres desse banco e tem distribuído mundos e fundos pelos Estados em apuros. A compra de títulos de dívida pelo BCE corresponde, em certa medida, ao idioma recente da declamante bloquista. Mas o problema de fundamentalistas amblíopes é terem vistas curtas, umbilicais. O problema, vasto e complexo, não se encaixa no radicalismo que o BE procura encarnar. No entanto, existe uma outra leitura exclusivamente política. O BE pode estar a preparar o próximo ciclo de poder. Saber onde encaixa levanta algumas dúvidas existenciais. Cinicamente, mesmo que não o saibam, a iminência de mais umas ajudas de custo em forma de novo resgate, não se pode excluir. Um descalabro do governo de geringonça obriga o BE (e o PCP, embora menos) a pensar a travessia do deserto. Por isso a doutrina Mortágua de reinvenção do capitalismo foi agora lançada. Funciona como uma apólice de seguro para desastres políticos naturais - aqueles que sabemos que estão para acontecer mais dia menos dia.
Uma boa notícia que surpreendentemente não parece ter recolhido previsível entusiasmo por parte dos portugueses foi a aparente descoberta de 6 jazidas de petróleo/ gás natural em Portugal continental. De acordo com a empresa prospectora são mais de 43 mil milhões de euros brutos, ou seja, 25% do Produto Interno Bruto de Portugal, o que permitirá, entre outras coisas, transformar Portugal de um pais importador de energia num pais exportador.
Dinheiro a entrar a rodos quando o pais se encontra encalacrado em dívidas são certamente boas notícias mas parece que ninguém embarca em histerias. O governo permaneceu em silêncio, sabe-se lá se pelo facto de um dos sócios da IONIQ, a empresa que detectou as várias jazidas, ter sido colega de Pedro Passos Coelho na Fomentivest.
Com um território marítimo tão vasto vá-se lá saber se, à semelhança da Noruega, este cantinho à beira mar está plantado sobre um lucrativo lençol de petróleo - que no caso da Noruega é imenso. Alguma vez Portugal constituiria um Fundo do Petróleo controlado pelo governo tal como o pais nórdico fez? Tal como diz Mia Couto, “a maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos”. E os portugueses já viram o suficiente para saberem que já viram demais.