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A NATO no século XXI

por Samuel de Paiva Pires, em 19.03.09

(publicado originalmente na edição de Março de 2009 do Pacta Sunt Servanda, Jornal do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do ISCSP, e ainda no blog na Comissão Portuguesa do Atlântico / Associação da Juventude Portuguesa do Atlântico)

 

 

À medida que nos aproximamos do início do mês de Abril, vão-se intensificando os preparativos por parte dos aparelhos diplomáticos dos diversos estados membros da NATO. Na Cimeira de Estrasburgo/Kehl será celebrado o 60.º aniversário da organização, cuja agenda se encontra preenchida por diversas questões que necessitam de reflexão estratégica para poder projectar a Aliança Atlântica como um actor cada vez mais importante no sistema das Relações Internacionais.

Como referiu F. Stephen Larrabee, da Rand Corporation, em entrevista ao Council on Foreign Relations, o assunto mais premente na agenda é, sem sombra de dúvida, a questão do Afeganistão. É crucial encontrar soluções para estabilizar o Afeganistão, operação que está directamente relacionada com a reputação da NATO. Ao que tudo indica, a administração de Barack Obama estará já consciente da necessidade de agir tendo em consideração no cálculo estratégico as diversas condicionantes, o que implica uma abordagem de carácter regional através da aproximação e construção de consensos entre países como a Índia, Paquistão, China, Rússia e, possivelmente, até o Irão.

No seguimento do acima descrito, Joe Biden, Vice-Presidente dos E.U.A., deslocou-se no passado dia 10 de Março ao Conselho do Atlântico Norte, com o objectivo de discutir com os aliados a situação actual no Afeganistão. Numa reunião inserida nas discussões de preparação da Cimeira de Estrasburgo/Kehl, foi dado particular ênfase à abordagem regional, à intervenção junto das comunidades locais afegãs, bem como à necessidade de um maior esforço civil e de apoio à construção das instituições estatais.
   
Outro dos assuntos que marca actualmente a agenda da NATO é a reentrada da França no comando militar. Após mais de 40 anos passados sobre a decisão do General De Gaulle, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, reafirmou já no passado dia 11 a aproximação e reintegração das forças franceses no comando militar na organização, decisão que caberá ao Parlamento francês oficializar. Esta é uma atitude que só pode agradar a todos os estados que integram a Aliança Atlântica que assim se vê militarmente reforçada, especialmente no que concerne à importância relativa das forças europeias dentro da organização.

Por outro lado, uma das principais questões com que a NATO se depara actualmente prende-se com o relacionamento com a Rússia, o que se enquadra também no espectro maior da dimensão do alargamento, especialmente no que concerne à Ucrânia e à Geórgia. Nos anos 90, após a queda do Muro de Berlim, com o colapso do sistema comunista a par com a aparente tendência de abertura russa ao liberalismo ocidental, vários foram os países da Europa central e de leste acolhidos no seio da NATO com a conivência russa, até porque Moscovo não tinha alternativa. Hoje em dia, a atitude russa encontra-se num ponto diametralmente oposto.

Na actualidade, como alerta Robert Kagan no seu ensaio O Regresso da História e o Fim dos Sonhos, o utópico sonho de Hegel e, mais recentemente, de Francis Fukuyama, o chamado Fim da História, conceito relacionado com a alegada natural expansão das democracia liberal generalizada à maior parte dos estados, parece estar a dar lugar a uma ascensão das autocracias em oposição às democracias, autocracias essas com um forte sentimento de orgulho nacional. É esse o caso da Rússia que com Vladimir Putin recuperou a lógica de grande potência que actua de forma determinante no chamado espaço pós-soviético, afastando-se da imagem criada ao longo dos anos 90.

A Rússia encara a NATO e o Ocidente cada vez mais como forças estranhas que não quer ver interferir na sua tradicional área de influência geopolítica. Dois casos simbólicos do que aqui falamos são a questão do escudo anti-míssil que os próprios russos sugeriram fosse colocado por exemplo em Itália, especialmente porque não querem ver um dos seus antigos estados satélite, a Polónia, adquirir tal capacidade e, de forma ainda mais representativa, o conflito georgiano que ocorreu no passado Verão de 2008. Com o envio de forças para a Abkhazia e Ossétia do Sul, a Rússia enviou uma mensagem ao mundo e à NATO: não tolerará interferências nos países do seu near-abroad.

Isto coloca à NATO um dos principais desafios que terá que enfrentar neste século. Como será possível compatibilizar o alargamento da NATO a países como a Geórgia e Ucrânia, com uma Rússia em clara ascensão como potência, ainda para mais com uma natureza política eminentemente oposta à do Ocidente? Ainda que no passado dia 5 de Março os países da Aliança Atlântica tenham decidido voltar a reunir com a Rússia no Conselho NATO-Rússia com o objectivo de normalizar as relações, o que implicará negociações principalmente em relação à suspensão russa do Tratado sobre as Forças Armadas Convencionais na Europa, como será possível compatibilizar tais relações com a retórica fortemente anti-russa dos estados da Europa Central e de Leste e ainda integrar estados como a Geórgia e a Ucrânia?

Em nossa opinião este será o principal desafio para a NATO no século XXI. As relações com a Rússia têm uma natural implicação na questão do alargamento, na transformação das capacidades da NATO e na definição de novas ameaças. De acordo com o Tratado sobre as Forças Armadas Convencionais na Europa a NATO tem reestruturado e limitado as suas capacidades ao nível militar, com vista a tornar-se uma organização que actua como estabilizador e providência segurança, intervindo inclusive em cenários de crise humanitária, e redireccionando o seu conceito estratégico para enquadrar o combate ao terrorismo. Mas é necessário que seja diminuída a retórica fortemente anti-russa que tem vindo a ser apanágio de alguns dos estados membros da aliança. Ainda que compreensível em termos históricos, é contraproducente, até porque esses estados estão já protegidos ao abrigo da aliança, e teriam muito mais a ganhar com uma gradual aproximação e cooperação com Moscovo.

A NATO terá assim que lidar com a sua própria transformação interna ao nível das capacidades adequadas para as novas ameaças, enquanto as relações com a Rússia se irão assumir como centrais na agenda da organização ao longo deste século. Segundo Kagan, o mundo não estará preparado para regressar a uma retórica de Guerra Fria, mas então, cabe em grande parte à NATO agir proactivamente para que o século XXI fique na história pelas melhores razões.

publicado às 00:24

Voltando a coisas importantes

por Samuel de Paiva Pires, em 18.02.09

Pelo menos que a mim me interessam de sobremaneira. Já iniciei a leitura do livro de Kagan, mas aqui deixo mais uma parte do seu artigo, de certa forma relacionado com o que já escrevi aqui sobre o que o imperialismo dos direitos humanos e/ou, como aponta Kagan, da democracia:

 

 

(imagem picada daqui)

 

International NGOs interfere in domestic politics; international organizations like the Organization for Security and Cooperation in Europe monitor and pass judgment on elections; international legal experts talk about modifying international law to include such novel concepts as "the responsibility to protect" or a "voluntary sovereignty waiver."

 

In theory, these innovations apply to everyone. In practice, they chiefly provide democratic nations the right to intervene in the affairs of non-democratic nations. Unfortunately for China, Russia, and other autocracies, this is one area where there is no great transatlantic divide. The United States, though traditionally jealous of its own sovereignty, has always been ready to interfere in the internal affairs of other nations. The nations of Europe, once the great proponents (in theory) of the Westphalian order of inviolable state sovereignty, have now reversed course and produced a system, as Robert Cooper has observed, of constant "mutual interference in each other's domestic affairs, right down to beer and sausages." This has become one of the great schisms in the international system dividing the democratic world and the autocracies. For three centuries, international law, with its strictures against interference in the internal affairs of nations, has tended to protect autocracies. Now the democratic world is in the process of removing that protection, while the autocrats rush to defend the principle of sovereign inviolability.

publicado às 00:52

Democracia vs. autocracia

por Samuel de Paiva Pires, em 16.02.09

 

(imagem picada daqui)

 

Estava eu a ler o artigo de Robert Kagan baseado no seu último livro, o Regresso da História e o Fim dos Sonhos, que está na FNAC a € 12 (mais barato do que na Amazon, não sei se alguém terá lido este post...), onde esse considera que a geopolítica do séc. XXI se baseará em confrontos pontuais entre as forças da democracia e as da autocracia, quando na CNN surgiu a notícia da vitória de Chávez no referendo para acabar com a limitação de mandatos do Presidente (no momento em que escrevo este post ainda só a BBC tinha dado conta da notícia online), podendo agora ser reeleito indefinidamente. Este é só mais um dos passos rumo a uma democracia formal, mas a uma cada vez mais substancial autocracia.

 

A propósito, aqui fica parte do artigo de Kagan:

 

Growing national wealth and autocracy have proven compatible after all. Autocrats learn and adjust. The autocracies of Russia and China have figured out how to permit open economic activity while suppressing political activity. They have seen that people making money will keep their noses out of politics, especially if they know their noses will be cut off. New wealth gives autocracies a greater ability to control information--to monopolize television stations, and to keep a grip on Internet traffic--often with the assistance of foreign corporations eager to do business with them.

In the long run, rising prosperity may well produce political liberalism, but how long is the long run? It may be too long to have any strategic or geopolitical relevance. As the old joke goes, Germany launched itself on a trajectory of economic modernization in the late nineteenth century and within six decades it became a fully fledged democracy: the only problem was what happened in the intervening years. So the world waits for change, but in the meantime two of the world's largest nations, with more than a billion and a half people and the second-and third-largest militaries between them, now have governments committed to autocratic rule and may be able to sustain themselves in power for the foreseeable future.

The power and the durability of these autocracies will shape the international system in profound ways. The world is not about to embark on a new ideological struggle of the kind that dominated the Cold War. But the new era, rather than being a time of "universal values," will be one of growing tensions and sometimes confrontation between the forces of democracy and the forces of autocracy.

During the Cold War, it was easy to forget that the struggle between liberalism and autocracy has endured since the Enlightenment. It was the issue that divided the United States from much of Europe in the late eighteenth and early nineteenth centuries. It divided Europe itself through much of the nineteenth century and into the twentieth. Now it is returning to dominate the geopolitics of the twenty-first century.

publicado às 02:14






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