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"A grande questão é saber quanto tempo pode um Estado democrático e de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim. Por enquanto, tem os meios materiais necessários. Mas até quando? É que se um dia lhe faltarem, não teremos muito tempo para lastimar Israel."
O rapto de Europa, Berchem
Mas há alternativas reais?
O ajustamento para permanecer no euro não é uma fatalidade. Nós podemos escolher sair do euro e dizer que queremos funcionar como nos anos 80 e 90: desvalorização, inflação, salários baixos. É isso que queremos? A opção está aberta.
Mas na extrema-esquerda já ninguém se atreve a dizer isso assim: vamos sair do euro.
Porque o euro tem uma base social de apoio enorme. Têm poupanças e, com a crise, até começaram a poupar mais. Aforradores e pensionistas querem uma moeda forte e ninguém tem coragem de ir contra a sua vontade. Não é a troika nem o governo, são todos os portugueses que têm pensões e poupanças. Todos iam perder com o processo inflacionista. Mas quando nos dizem “a moeda forte tem um preço”, gostaríamos de não pagar esse preço.
Sair do euro não há-de ser o único caminho. Haverá outras soluções. Por exemplo, a questão da união política, que toda a gente diz que foi descurada. Apostar por aí podia ser o caminho?
A Europa não é um império. Se houver em Portugal uma maioria contra o euro e a União Europeia, temos a possibilidade de renegociar tudo. O que fizemos através do euro foi externalizar a disciplina de que precisamos. Queremos viver de outra maneira, mas dizemos que são os alemães que nos obrigam. Isto é assim há mais de 30 anos. Nunca ninguém explicou qual o grande interesse da Alemanha em ter Portugal no euro. Pelo contrário, na década de 1990 havia dúvidas de que os alemães nos quisessem no euro. Esta ideia de que a Europa quer mandar em nós... nós é que queremos aproveitar essa ideia.
O avanço do federalismo pode mudar mentalidades? É necessário?
Não sei se essa situação é diferente da que estamos a viver. Uma federalização significaria sobretudo mais disciplina, um escrutínio maior e uma limitação maior à nossa governação. Seria a troika permanente, institucionalizada. É isso que os federalistas querem? O federalismo não é a alternativa à troika, é a troika para sempre.
excertos da entrevista de Rui Ramos ao jornal I
Há na opinião de Rui Ramos um certo catastrofismo que, de resto, permeia quase todas as opiniões da intelligentsia autóctone a respeito de uma hipotética saída do euro. No fundo, a ideia central transmitida pelo insigne historiador reconduz-se à percepção de que uma saída do euro tenderia a ser traumática. Estou de acordo quanto à questão do mais do que previsível trauma, porém, e aqui tenho de fazer uma breve ressalva, não creio que uma saída do euro retire o futuro às gentes portuguesas. Teríamos forçosamente de viver com outros meios, reduzidos à realidade esmagadora da gestão comezinha das coisas, sem créditos avulsos nem festas madrugadeiras, mas a vida é mesmo assim. Além disso, e é aqui que a minha discordância com o Rui Ramos é total, a Europa é, neste preciso momento, um império. Lamento dizê-lo, mas a Europa, e isto partindo do pressuposto, falível, claro está, de que ainda existe Europa ou um conceito semelhante a tal, deixou há muito de existir. Um conjunto de países, liderados em absoluto pelo primo teutónico, que impõe medidas que vão ao arrepio dos procedimentos básicos de uma democracia liberal civilizada é, não sejamos ingénuos, um agrupamento arrimado, como é óbvio, no conceito de imperium. A gestão das dependências europeias deixou há muito de se guiar por critérios básicos de equidade e igualdade na repartição dos sacrifícios. Daí que, ao contrário de muito boa gente na direita nacional, eu não defenda a tal troika permanente institucionalizada. Não o desejo por duas razões muito simples: 1) Portugal, com o actual desenho do euro, jamais conseguirá recuperar a sua economia - sim, Ferreira do Amaral tem razão -, 2) depois do erro maastrichtiano, avalizado pela partidocracia de então, insistir em mais machadadas na soberania nacional, que já é uma brincadeira de crianças, é, de certo modo, coonestar a ditadura da incompetência provinda de Bruxelas. Não é isso que desejo para o meu país. Desejo, isso sim, esperança e vontade de resolver os problemas. E não será com o espartilho do euro e com troikas permanentes institucionalizadas que resolveremos os problemas da Nação.
Nota: Tirando esta discordância, aconselho vivamente a leitura da entrevista de Rui Ramos.
Rui Ramos, inteligentemente, alertava na edição do passado sábado do hebdomadário Expresso para um facto que poucos comentaristas têm realçado: o Portugal troikado é uma tradução eufemística para aquilo que, na verdade, é já o fim da política. Converge-se, pois, no essencial, secundarizando o acessório. E o essencial é a transposição da lógica lampedusiana para a política portuguesa, ou seja, é necessário que algo mude para, no fim, ficar tudo na mesma. Sem política nem desígnio, somente com a gestão das dependências no fio do horizonte.
«A História de Portugal, Rui Ramos e Manuel Loff
Por várias vezes, no decurso das últimas semanas, fui surpreendido por escritos alusivos à História de Portugal da autoria de Rui Ramos (coordenador), Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, publicada em 2009. A maior parte desses textos apareceram no PÚBLICO e o seu principal autor é Manuel Loff. Sei bem que a liberdade de expressão não pode ser limitada de ânimo leve, nem sequer pela qualidade. Mas é sempre triste ver que a inteligência, o rigor e a decência têm por vezes de ceder perante essa liberdade última que é a de publicar o que se pensa.
Quando tive a honra de apresentar o livro, na Sociedade de Geografia, anunciei o que para mim era um momento histórico. Com efeito, esta História de Portugal quebrava finalmente o duopólio fanático estabelecido há muito entre as Histórias ditas "da esquerda" e da "direita".
As várias formas de "nacionalismo" e de "marxismo" e respectivas variantes tinham dominado a disciplina durante décadas. Apesar de algumas contribuições magistrais (e a de José Mattoso é das principais), ainda não se tinha escrito uma História global, compacta e homogénea que rompesse com a alternativa dogmática, que viesse até aos nossos dias e que, especialmente para o século XX, "normalizasse" a interpretação da 1.ª República e do Estado Novo. Ambos estavam, mais do que qualquer outro período, submetidos à tenaz de ferro das crenças religiosas e ideológicas e ao ferrete das tribos.
Com esta História, estamos longe daquela tradição que cultiva e identifica inimigos na História. Agora, deixa de haver intrusos e parêntesis. Os regimes políticos modernos e contemporâneos, de Pombal à Democracia, passando pelos Liberais, pelos Miguelistas, pela República e pelo Salazarismo, eram finalmente tratados com igual serenidade académica, sem ajustes de contas.
Um dos feitos desta História consiste na "normalização" do século XX, marcado por rupturas e exibindo feridas profundas. Por isso me curvava diante dos seus autores, homenageando a obra que ajuda os portugueses a libertarem-se de fantasmas. Mas, sinceramente, já não esperava que ainda houvesse demónios capazes de despertar o pior da cultura portuguesa.»
Leitura complementar: Sobre a polémica Loff-Ramos
Aplaudindo a cordata resposta de Rui Ramos, subscrevendo o Miguel Castelo-Branco e o João Gonçalves, e não me surpreendendo com o relatado por António Araújo, o que fica à vista de todos, mais uma vez, é a confrangedora indigência intelectual de grande parte da academia e intelligentsia portuguesas, que revelam à saciedade como é difícil discutir ideias em Portugal. Qualquer relação entre isto e o predomínio cultural e intelectual da esquerda deve ser mera coincidência.
Surge-me como fundamental, no seguimento dos temas abordados neste post, considerar algo que postei aqui há algum tempo: o carácter jurídico e social da revolução de 1640- revolução nacionalista ou reacção constitucional?
É necessário à causa monárquica não só o estudo da segunda hipótese, como o retorno a um puro tomismo, divorciado de deambulações como as de Mendo Castro Henriques no seu estudo sobre Suarez, para finalmente separar as águas entre uma manifestação de vida da nossa Nação (Lisboa, 1640) e uma jacobina e popularucha revolta assente na doutrina de desobediência dos artistas do Sinédrio (Porto, 1820).
1640 parece-me, na linha do professor Rui Ramos, como a reacção da classe intelectual e das nossas elites governativas, logo secundadas pelo povo, à sonegação dos antigos Estatutos que regiam estes reinos. O carácter egoístico desta revolução é justificado pela violação dos reis de Castela, até aí os plenamente legítimos soberanos destes povos, do compromisso de Tomar (1581), considerado pelo Professor Douto J. Miranda e pelo Prof. Doutor Diogo F. do Amaral como a criação de uma nova constituição informal do Reino de Portugal, a qual os nossos reis espanhóis juravam cumprir.
No caso de 1820, não há quebra alguma dos compromissos do monarca, excepto o erro político da tutela inglesa sobre o território continental. O facto de as cidades burguesas do Porto e Lisboa serem as primeiras afectadas pela abertura das cidades brasileiras ao comércio só justifica que esta revolução não foi justa, mas apenas burguesa.
O estudo de São Tomás de Aquino afastado do Neo-tomismo que o aponta como um defensor da soberania popular torna-se elementar tanto para uma fundamentação do papel da Monarquia na continuação da visão de António Sardinha (ele próprio um tomista) como para afastar a tendência deste movimento para visões esquerdistas.
Nas palavras de Kuenheltd Leddihn, São Tomás de Aquino "is frequently cited as a defender of popular sovereignty has novertheless insisted that political desorder arises from the fact that somebody seizes power without the praminentia intellectus".
Definitivamente, a localidade de Paredes - e o pateta PSD lá do sítio- parece estar a tornar-se num local mal frequentado. Diz-se por aí que o edil perdeu a cabeça e resolveu comemorar não se sabe bem o quê e quem, erguendo um pau de bandeira com perto de cem metros de altura. Logo a correr, veio o senhor da tutela manifestar o seu apoio a tal iniciativa, exactamente no momento em que o governo pede sacrifícios e contenção nos gastos. Um milhão de Euros vai custar a brincadeira de mau gosto político e visual. Mau gosto visual, porque a coisa está desprestigiada, pouco tem que ver com o Portugal que interessa - o dos 900 anos de História - e ainda por cima, é feia e simboliza a derrota de um século. Mau gosto político, porque mais uma rotunda ou o trigésimo melhoramento nas infraestruturas desportivas da localidade, seriam obras mais úteis. Mas em Paredes, o dinheiro corre num caudal digno do Amazonas. Não há melhoramentos a fazer nos centros sociais, nem os Bombeiros precisam de mais meios, sejam eles de combate a fogos ou ambulâncias. Em Paredes, a terceira idade vive em casas aquecidas, decentemente construídas e com todos os confortos. Em Paredes, não são necessárias creches nem jardins de infância. Em Paredes, as estradas são impecáveis e o saneamento básico recomenda-se. Então, porque não atirar ao vento mais um milhão desnecessário?
O que vale, é a justiceira natureza que com uma brisa mais forte fará o pano de polyester cobrir uns metros quadrados do buraco de ozono, lá para as bandas do Polo Sul. Enfim, é o parolismo Guiness Record no seu melhor.
Aqui em Portugal e desta vez bem longe de Lisboa, espatifa-se mais uma batelada de massa que escapa à contabilidade dos 10 milhões da Comissão do Centenário, aos 17,5 milhões anuais de Belém e ao "pagamento por conta" aos presidentes passivos ainda no activo do Orçamento de Estado. Sem sequer falarmos mais na comemoração republicana da adulteração do Terreiro do Paço.
Rui Ramos tem razão. A coisa está mesmo por um fio.
É fartar, vilanagem! Irra!
A democracia portuguesa vive com uma víbora sobre o peito. Só não nos morde se estivermos muito quietinhos e formos bem comportados. É assim que queremos viver, quietinhos e bem comportados?
Rui Ramos, no Correio da Manhã
Cavaco falou ontem, através de um discurso que certamente não escreveu. Não representa isto qualquer anomalia, pois os presidentes e monarcas estrangeiros dependem sempre da necessária ajuda de assessores para adequar a prosa ao momento político que cada país atravessa.
Cavaco pede aos portugueses que deixem de se queixar, ao mesmo tempo que ele próprio se queixa da "...falta de participação cívica"..., como se o actual estado de coisas não descenda directamente de uma política demolicionista do todo português. O rol de lamúrias a que os sucessivos presidentes nos habituaram, infalivelmente caem sempre em saco roto, até porque a população foi habituada pela república à total passividade, procurando no Estado a capa protectora que lhe evita os riscos que a acção sempre implica. A tão negregada Monarquia que este regime destruiu, cumpriu o programa liberal e incentivóu esse desejável civismo que daria origem ao próprio partido republicano. Tudo o mais, desde o nacionalismo bacoco, os delírios imperialistas trauteados por Relvas, Chagas e quejandos, desembocaram na turfa em que o país mergulhou durante quase um século.
Ontem, Henrique Granadeiro dizia que ..."a classe política não corresponde aos anseios do país (...) Portugal é o que é", também por causa da classe política onde se integra perfeitamente o sr. Cavaco Silva. Concluindo, Granadeiro evoca Camões com o dito "um fraco rei torna em fraca a forte gente". Bastante apropriado para o conturbado período que vivemos, mas deve acrescentar-se pela mais elementar justiça, a existência de políticos honestos, de imaculada abnegação patriótica. O que provavelmente Granadeiro não conseguiu exprimir, foi o reconhecimento do fatal fiasco histórico da instituição que Cavaco Silva representa. Mas para isso, há remédio, como mais abaixo algumas linhas da autoria de Rui Ramos indicam.
"Nesse sentido, se as comemorações de 2010 visam celebrar o fim da monarquia constitucional, governada pelos liberais, estaremos então perante uma festa reaccionária para vitoriar o fim de um regime que trouxe as instituições do Estado moderno, a extinção das ordens religiosas, o Código Civil e o maior eleitorado, em termos proporcionais, antes de 1975?
Aqui há uns dias adquiri pela módica quantia de € 2,5 por livro algumas obras editadas em 2004 pelo extinto jornal "O Independente", ali na mini feira do livro da estação de metro do Marquês. Uma das obras dá pelo nome de Outra Opinião e reúne alguns ensaios de História da autoria de Rui Ramos. Logo no primeiro, "O Fim da História", pode-se entender aquilo que percebi quando no 2.º ano da licenciatura tive um semestre da cadeira de Ciência Política dedicada aos regimes políticos portugueses desde as invasões napoleónicas. Então, como hoje, e como escreve Rui Ramos, já pensava que para perceber o Portugal dos nossos dias, nada melhor do que começar por estudar muito bem o fenómeno do liberalismo em Portugal no século XIX. Aqui ficam dois parágrafos deste ensaio, simplesmente deliciosos. Qualquer semelhança com a realidade actual deve ser pura coincidência.
"Os liberais destruíram as formas tradicionais de autogoverno local e construíram um estado centralizado em Lisboa, no qual arranjaram emprego como funcionários: em 1890, 53 por cento dos deputados eram empregados do estado. As classes preponderantes na província, dos padres aos lavradores ricos, foram integradas na ordem política através dos negócios e favores proporcionados pela administração. O «progresso» liberal pôde assim ser decretado no Terreiro do Paço, e levado às aldeias pelos administradores de concelho, com o apoio da tropa quando necessário.
(...)
A tolerância liberal, porém, não traduzia um verdadeiro respeito pelo pluralismo. Para os liberais mais numerosos, em geral de esquerda, era preciso ser moderno, e só havia uma maneira de ser moderno, que era a deles. A diversidade de modos de vida provinha apenas de erros que deviam e podiam ser corrigidos. Os liberais recusaram-se a aceitar os portugueses tal como eles eram: quiseram-nos fazer ser como os ingleses ou os franceses. Por isso, nunca se contentaram com o simples estabelecimento de uma ordem jurídica.
A tese de que os liberais tiveram problemas porque não cuidaram do povo nem o quiseram integrar na ordem política não é correcta. A verdade é o contrário. Nos meados do século XIX, os liberais propuseram-se construir as infra-estruturas do progresso, das escolas aos caminhos de ferro. Portugal foi um dos primeiros países da Europa onde o estado declarou a escolarização primária gratuita e obrigatória. Em 1878, os liberais reconheceram o direito de voto à maior parte da população adulta masculina. No fim do século, muitos liberais já se consideravam abertamente «socialistas». Não quer isto dizer que desejassem estabelecer qualquer sistema colectivista, mas que resistiram cada vez menos à ideia de recorrer ao poder do estado para propiciar transformações sociais e de mentalidades. Na sua ânsia de melhorar a condição do povo, prepararam-se mesmo para desrespeitar o direito de propriedade. Por tudo isso, atormentaram-se muito quando constataram que o povo, desconfiado de um estado professoral e intrometido, não ia às escolas, faltava às eleições, resistia ao cumprimento dos deveres fiscais e militares, e insistia em manter-se fiel àquilo que, para os liberais, eram «superstições» e «fanatismo religioso». Resolveram ser ainda mais zelosos. O activismo liberal, desde meados do século XIX, agravou o já crónico endividamento do estado, com as correspondentes ameaças de inflação e bancarrota, e reforçou a associação ao poder político de grupos de interesse, apostados em viver das obras públicas e da protecção estatal. O país dos funcionários públicos, numerosos e lamurientos, e dos contratadores de obras públicas, enriquecidos e corruptos, já existia no século XIX." (pp. 20-22).