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Há cinquenta anos Portugal estava pejado de analfabetos. Eram mais do que as mães. Eram mais do que 70% da população (oficialmente perto dos 30%, segundo a Pordata). Depois veio a revolução e o acesso à educação terá sido uma das conquistas democráticas. Mas essa prerrogativa não bastou. Não bastava estudar muito, ter boas notas e receber um diploma. Era preciso algo mais. Para ter sucesso ou enriquecer era obrigatório ter ligações. Era condição sine qua non conhecer gente nos mais variados meios sociais ou profissionais. Uma cunha aqui, um tio acolá, e lentamente, aquilo que seria considerado convencional - o reconhecimento pelo mérito -, foi sendo corroído de um modo incontornável pelo desvio ético, pela ganância. Contudo a licenciatura continuava a ser o requisito mínimo para a aceitação social acontecer, para a escalada profissional ser possível. O Dr. Português (único no mundo académico! - trata-se apenas de um B.A....Bachelor of Arts) passou a conferir uma acreditação atípica. Emprestava a falsa aura de vantagem intelectual, de competências acrescidas. Enfim, a ilusão de que se seria melhor do que o par contemplado com uma mera educação secundária de liceu com nome de fadista. Essa licenciatura tornou-se valiosa ao ponto de ser assaltada a qualquer preço. Rapidamente essa patologia das aparências minou outras categorias. Os engenheiros passaram também a reclamar um tratamento diferenciado - também queriam ser doutores. E nessa cavalgada de pretensões, as competências, se alguma vez existiram, foram pelo cano. Portugal padece, cronicamente, de um qualquer complexo de inferioridade. Mas essa síndrome não obedece a um quadro típico. É endémico, miseravelmente consanguíneo. É uma competição de faianças de ostentação, sem que uma vez a qualidade intrínseca seja evocada. Basta o prefixo. Que se lixe o sufixo. Estou há mais de 30 anos em Portugal, e a cura não aparece. Um país ainda versado na arte do apelido e título académico não pode ir longe. A descoberta e demissão dos dois falseadores dos diplomas perdidos não nos deve surpreender. Esses dois são iguais a tantos outros. A única diferença é que estes queriam mandar. Estes faziam parte de um governo. E em vez de lá ficarem foram para o olho da rua. Adiante. Venham de lá os próximos. Estes são bem piores do que os analfabetos de há meio século atrás.
A Confederação de Licenciados de Portugal (CLF) vem agora exigir que o governo da República Portuguesa submeta todos os seus membros ao escrutínio de um polígrafo académico. A CLF, numa nota de imprensa tornada pública, vai mais longe e sugere que todos os titulares de cargos públicos do presente e passado sejam sujeitos a um processo de autenticação de diplomas. Por outro lado, a Intersindical de Não Licenciados de Portugal (INLP) reclama idênticas condições no acesso a cargos públicos. Numa nota conjunta reiteram que não se pode continuar a pactuar com uma situação de "nem rei nem Roque" no que diz respeito às burlas agravadas a que são sujeitas tantas portuguesas e muitos portugueses. Já bastava Bob Dylan ter ganho o Nobel sem o merecer, como afirmou a catedrática Alice Vieira, para agora sermos confrontados com esta pouca vergonha. Daqui a nada temos um padeiro-presidente que nunca viu mais gorda ou mais magra uma carcaça. O que podemos concluir, sem prejuízo de outras casas partidárias, é que o Partido Socialista tem um certo fetiche por engenheiros da tanga.