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Pobre e arruinado Palácio da Ajuda, uma vez mais vai servir de cenário a mais uma brincadeira de primavera. Chega a ser insultuosa, esta insistência que os agentes do regime têm manifestado acerca do aventar de saídas limpas ou menos limpas de um programa de tutela sobre o Estado e a população portuguesa.
O défice é aquele que se sabe, a dívida praticamente incomensurável. Saída limpa? Como?
Não existe qualquer tipo de saída limpa, mesmo se esta fosse agora apresentada de tal forma que significasse a total ausência de controlo de entidades internacionais sobre as contas portuguesas. Este regime especializou-se num teatro que no mínimo deveria ser de sombras, mas infelizmente existindo um imenso rol de evidências, estamos obrigatoriamente amarrados a cadeiras onde queiramos ou não, somos obrigados a um interminável espectáculo de abusos e prepotências sempre justificadas com a "democracia e liberdade de expressão", no voto e naquele já insuportável "teve de ser" a que nos forçaram a habituar.
Neste caso, nenhum dos demasiadamente interessados intervenientes tem razão, pois todos, todos eles sem excepção, compartilham pesadas culpas num desastre que já conta com duas gerações de penalizados. Não podendo já justificar-se o actual estado de coisas com o marcelismo extinto em Abril de 74 e de barato ignorando as catástrofes do biénio de 1974-76, ficamos então colocados diante dos únicos que contam para a prossecução dos negócios públicos: o PS, o PPD e o CDS, todos eles duvidosos ferozes inimigos entre si e prestimosos inter-aliados de conveniência.
Todos apenas supomos uma parte da situação que o país vive, sendo então inútil a fastidiosa e incompreensível ladainha dos números em liça, essas más contas que de ano para ano se avolumaram, os turvos negócios correntes e pendentes. Não vale a pena matutarmos muito no assunto, pois uma aceitação geral da fatalidade poderá ser facilmente entranhada, se houver um discurso claro e verdadeiro que com certeza, dispensaríamos escutar. É este o "tem de ser" que urge, sob pena do regime defintivamente ser colocado à margem de qualquer esperança de reabilitação.
Sim, podem ter a certeza, a situação actual é infinitamente pior que aquela vivida pelo país em 1892, num mundo que contava com poucos protagonistas.
Como há uns tempos dizia um funcionário - estrangeiro - do Centro Jean Monet, naquele já longínquo ano Portugal podia contar com um independente D. Carlos e com Dias Ferreira. Existia um império, uma moeda e alfândegas próprias. Hoje tudo isto desapareceu, estando os portugueses confinados à paradoxal inexistência de fronteiras - logo sem moeda e alfândegas que nos valham -, sem um espaço económico próprio e que nos escoe vantajosamente os produtos. Globalizaram as dificuldades. Pior que tudo, em vez de D. Carlos temos Cavaco, Soares, Sampaio e outros candidatos a rien. Para cúmulo, em vez de gente que sabia ler e falar como Dias Ferreira, reduzimo-nos às virtudes da sua bisneta Manuela.
Saída limpa? Só se isto se referir a cada um de nós, após um bom duche.
* Mais uma regimental mentira que cai: quem não se lembra do desastroso berreiro "nem mais um soldado para África" e das promessas impondo às Forças Armadas a única e exclusiva defesa do espaço português e, vá lá, da antiga esfera de influência nacional?
Pois agora, somando-se às conhecidas e bastante discutíveis missões das F.A. na antiga Jugoslávia e no Afeganistão, eis que se preparam para uma expedição ao Mali e pior ainda, proclamam uma dispensável e perigosa fanfarronice na zona do Báltico. Os fabricantes de mobiliário e de calçado - fornecedores do mercado russo - bem podem apressar-se a exercer o seu lobismo junto das Necessidades. Falando-se de dinheiro, talvez aquela gente entenda o problema e encontre uma boa desculpa para o tornear.
A tão propalada saída limpa do programa de assistência não altera a substância dos factos. Portugal continuará endividado por muitas décadas; o desemprego estrutural não baixará dos 10% e o crescimento económico será ténue, senão insignificante, nos anos que se seguem. Para já, as contas do país beneficiaram do choque fiscal que foi aplicado às empresas e aos contribuintes portugueses. A ideia de que "a casa está arrumada" foi vendida, como seria de esperar, de acordo com um calendário político preciso: eleições europeias a semanas de acontecer e legislativas ao virar da esquina. O governo, ao oferecer a ilusão de retorno à normalidade financeira, à soberania e à independência nacional, assemelha-se a outro diletante - António José Seguro. Este último, presente no outro canto do mesmo ringue de boxe fala desalmadamente sobre as condições do presente, mas omite como será o futuro. E os tempos que se seguem (parecidos com estes) irão traí-lo, caso chegue ao poder cheio de garra e entusiasmo socialista. A inversão das condições económicas e sociais que o governo anuncia e a oposição sugere quando chegar ao anti-governo, colocam Portugal numa situação particularmente difícil. O país está efectivamente à mercê da inconsciência e do engodo de lideres presentes ou futuros. Seria preferível que apresentassem aos portugueses a verdade nua e crua, ou pelo menos uma boa parte dela. As décadas que se seguem serão condicionadas pela vigilância apertada do FMI. Ao passarem a vistoriar Portugal de seis em seis meses, concedem uma margem de manobra ligeiramente melhor, mas não largam a trela. Retiram o açaime, mas continuam a dar ordens ao Bóbi - fica, senta, quieto! O Marcelo Rebelo de Sousa também é outro tonto a ter em conta. Vê-se mesmo que não lê as obras todas que despeja em frente à Judite, porque se lesse, seria mais sensato e não diria calinadas: «os portugueses não vão ficar altos e loiros como os finlandeses, nem ricos como os alemães». Quais são os portugueses que desejam ser como os finlandeses ou os alemães? Os portugueses são o que são, para bem ou para mal, e continuarão a sê-lo pelo menos por mais 800 anos. Nessa lógica temporal, anacrónica e histórica, os portugueses deveriam desejar ser como os chineses. Ou seja, perspectivar a grande história que se estende milenarmente. Sem dúvida que serão décadas duras as que se seguem, mas as mesmas devem ser entendidas como um acidente de percurso de um país com oito séculos de história. Contudo, seria bom que aprendessem como os erros, mas tenho dúvidas. Há uma tendência inata para repetir os mesmos.
O sociólogo Carvalho de Silva, na sequência de um exaustivo estudo, finalmente apresenta o relatório ao público - "Portugal vai continuar entroikado". Não tenhamos dívidas, perdão, dúvidas: os efeitos do programa de ajustamento far-se-ão sentir muito para além das datas estipuladas pelo entusiasmo da propaganda política. A própria expressão "programa" talvez merecesse ser reformada e substituída por "residência". Dizem que o tempo cura, mas falamos de quanto tempo de tratamento? O tempo suficiente para o PS tomar o poder, o PSD destronar o PS, o CDS coligar-se com o BE, pelo menos dois governos se demitirem, três presidentes da república e quatro dezenas de eurodeputados serem eleitos, três presidentes da comissão europeia serem indigitados, e por aí fora (a imaginação não conhece limites). De que forma pode Portugal circum-navegar a inevitável presença da Troika? Sair da União Europeia e do Euro e mandar à fava a vocação europeia? Avançar com um projecto de salvamento europan-periférico, criando mecanismos monetários com países que se encontram em condições económicas e sociais semelhantes? A questão a que o país está obrigado a responder, transcende mandatos de governação, ciclos de alternância em tons de rosa-laranja-azul, conquistas partidárias, desaires ideológicos, promessas e veleidades. A situação exige (parafraseando Eça de Queiroz) "macróbios da terra" - gente grande capaz de perspectivar um futuro maior que o ego, maior que a vontade de derrotar os adversários. De um modo indistinto, sem enviesamento ideológico, não fará diferença alguma qual a mascote de eleição. É óbvio que a desmama da Troika trará consequências que serão mitigadas nas décadas que se seguem (décadas, ouviram bem). O cold-Troika (cold Turkey) não será fácil, porque, sem o desejar, Portugal caiu na dependência do traficante. As doses financeiras permitiram manter o país vivo, em estado de transe, abananado pelas exigências do dealer, incrédulo em relação ao estado a que chegou - derreado. Ora um farmacéutico catita como António José Seguro até pode esfregar as mãos de contente (antecipando belos resultados eleitorais europeus), mas seria muito melhor que entendesse o que significa ser um junkie (não falo de junk bonds, lixo). Nem de longe nem de perto, o senhor que se segue, percebe as regras do jogo, do jugo. Prestem muita atenção às promessas de mundos e fundos - poços sem fundo.