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Não me chamem o que quiserem como diz o outro. Não me chamem de pessimista nem de optimista. Não me chamem de todo (tolo), mas chamem os nomes que entenderem àqueles que afirmam que dobramos a esquina, que a recessão acabou e que a festa está prestes a começar. Não é preciso ser um génio para perceber que estamos longe dos tempos de prosperidade e bem-estar. De nada serve o entusiasmo ejaculatório das comunicações governamentais e das estatísticas que proclamam o fim da recessão, quando quem manda ainda não está satisfeito com o esforço nacional e o nível de desemprego em que nos encontramos. E para além disso, não está satisfeito porquê? Porque a Reforma do Estado ainda não aconteceu nos termos em que deveria acontecer. Porque um entendimento entre as diferentes forças políticas não passa de uma utopia. Porque existe uma Constituição da República que ainda não foi revista. Porque existe um Tribunal Constitucional que decide de acordo com a mesmíssima Constituição. Porque existe em Portugal uma alegada Esquerda que assenta a sua luta na dictomia entre capitalismo e função social. Porque existe uma suposta Direita que fundamenta o seu esforço na preservação de certas vantagens corporativas ou empresariais. Porque vivemos num país onde as palavras entendimento, consenso e acordo de nada valem. Porque Portugal é um país que não consegue produzir alternativas políticas que sejam provenientes da sociedade civil. Porque existe nesta nação uma alegada elite intelectual e cultural que prefere garantir a sua sobrevivência em vez de demitir as premissas que sustentam os seus privilégios. Porque todos estes vícios já estão enraízados em Portugal há décadas, senão séculos. Porque Portugal ainda acredita que existem atalhos para evitar medidas cautelares ou um 2º resgate. Porque Portugal prefere atribuir a responsabilidade do seu destino a terceiros. E sabem que mais? É precisamente isso que está a acontecer. Portugal está a entregar de mão beijada as decisões sobre o seu futuro a terceiros. O atavismo nacional que resulta do corpo e anti-corpo político, da zanga de comadres, e da eternização de compadrios é o que está mal. Por outras palavras, está tudo mal. Enquanto esta tragédia decorre, a Alemanha prepara a sua equipa para a gestão dos assuntos político-económicos dos outros países-membros da União Europeia e os EUA salvam propostas de governação através de compromissos entre Democratas e Republicanos. A Europa está encalhada. E no meio de tudo isto não sei onde colocar Portugal. Mas que está metido em sarilhos, está.
O anúncio da possibilidade de Portugal estar a poucas semanas da saída da recessão técnica deve ser lido como um aditivo para justificar as previsíveis medidas cautelares, mas o problema é o mesmo de sempre - os bons números económicos não traduzem a dimensão qualitativa da vida das principais vítimas da crise - as pessoas. Aliás, foi precisamente o advento e a consequente consolidação da econometria que ditou a ruína do homem. Em termos académicos a recessão define-se por dois trimestres consecutivos em que não se regista crescimento económico. Mesmo que haja inversão da tendência, longe estamos de poder registar uma significativa melhoria das condições do mercado laboral. Mesmo sendo um lagging indicator - o primeiro indício de um processo positivo a registar no médio e longo prazo, a verdade é que o nível de desemprego não acompanha a par e passo as vitórias técnicas e administrativas. Eu entendo que o governo queira aproveitar todos os detalhes de optimismo para justificar as políticas de austeridade e as decisões a tomar ao abrigo de um programa cautelar, mas a vida do cidadão português não se modifica com um simples estalar de dedos - o acenar adeus à recessão. Há danos que perdurarão por anos. Paulo Portas fala nos oito meses que ainda faltam para cumprir o programa de resgate, mas esse período de tempo é traiçoeiro - não permite alterar os elementos substantivos que definem a realidade económica e social. Oito meses é em muitos casos o tempo de gestação suficiente para dar à luz outras considerações negativas. É no fim do ano económico que as empresas e governos de todo o mundo aperaltam os principais indicadores, douram a pílula, para poder lançar o ano novo como se tratasse de um novo mandato político resultante de eleições. Esse magistério de réveillon económico é utilizado para aproveitar um certo entusiasmo natural que reside na psique colectiva - ano novo vida nova. Mas os portugueses já pressentem que o que aí vem não é muito bom - já declararam a sua quebra de confiança, a sua falência motivacional. Seria tão bom que todas estas declarações técnicas correspondessem à melhoria efectiva das condições de vida dos portugueses. Mas convém lembrar que não se trata de um jogo de monopólio por mais que sejam regras impostas pelo regime da Troika. Seria preferível que gritássem e esperneássem de um modo honesto - Portugal, para mal dos seus pecados, vai necessitar de muita ajuda nos meses e anos que aí vêm. O PS, e o seu jogador de tabuleiro António José Seguro, estão a tentar perceber qual o melhor modo de capitalizar nesta situação de cautela ou sem cautela. Se avançam agora ou se permanecem espectadores da tragédia, para dizer depois - "estão a ver, tínhamos razão". A taluda que pretendem, acaba por escamotear a verdade, a mesma verdade inconveniente - querem o poder, e depois a seu tempo lidarão com as mentiras ou as meias-verdades económicas e sociais. Qualquer que seja o senhor que se segue, vai ter as mãos a arder - a pasta quente do processo de recuperação de Portugal que não se extingue com a substituição dos titulares do poder. O desafio transcende, e muito, a força da técnica ou o seu contrário - é algo mais simples e ao mesmo tempo intensamente mais complexo - chama-se sobrevivência de um povo, sofrimento e esperança. Por isso, toda e qualquer "conversa técnica", pode ser considerada indecorosa para quem não tem emprego - a técnica adequada para dar a volta por cima.
Enquanto Cavaco Silva viaja para o reino da Suécia com uma comitiva de empresários para promover a excelência dos produtos nacionais e o pó assenta após a vitória da abstenção nas eleições autárquicas, um acontecimento dramático acaba de acontecer nos EUA - o shutdown do governo federal americano. Provavelmente, os políticos europeus, incluindo os portugueses, pensarão que "isso é lá com eles", mas não é bem assim. O fecho de serviços da administração federal americana é um exemplo vivo do que acontece quando o dinheiro não chega. Uma coisa são os despedimentos colectivos na função pública, decididos politicamente e de acordo com uma agenda condicionada por um programa externo de ajuda, outra coisa é um fenómeno de falência com efeitos imediatos e incalculáveis. De um dia para o seguinte pelo menos 800.000 funcionários federais simplesmente não se devem apresentar ao serviço. Este tira-teimas americano está a ter o pior desfecho possível e demonstra que o Obamacare é uma unha encravada nas negociações entre republicanos e democratas desde a primeira hora dessa proposta, e cujo peso agora fez tombar a viabilidade de um orçamento federal. Este evento, cujos efeitos far-se-ão sentir imediatamente nos mercados internacionais, irá atrasar ainda mais a retoma americana, e obrigará à continuação dos programas de estímulo da economia. Não é uma boa notícia para a Europa, para os portugueses e para o Euro. Portugal que também anda na corda bamba de um segundo resgate para garantir o funcionamento dos serviços mínimos do Estado, deve por essa razão aproveitar a situação que decorre nos EUA para contemplar um evento análogo. Em caso de falência dos dinheiros do Estado, que serviços públicos de Portugal serão os primeiros a ser cancelados mesmo que temporariamente? Ficam-se pelo Museu dos Coches ou começam a eliminar carreiras da Carris? Será que o governo de Portugal tem preparado um dossier para essa possibilidade? Ou será que Cavaco ainda pensa que vive numa ilha de contentamento ao celebrar tão efusivamente a retoma da economia portuguesa? Ao assistirmos à festa de encerramento das autárquicas, com alguns foguetes partidários ainda a serem lançados em regime de after-hours, parece-me que grassa por aí uma grande inconsciência política. O que está a acontecer na América deve ser seguido com muita atenção. Os EUA são os campeões da dívida e os mãos largas do dinheiro fácil - um cocktail perigoso, muito perigoso. Portugal, à sua escala de "aperitivo", não deixa de agregar alguns dos mesmos ingredientes explosivos. O rebentamento das guarnições do Estado pode ser mais pequeno do que o americano, mas não deixará de causar vítimas. Vítimas-surpresa que se juntam aos outros milhões de portugueses já derreados pelos efeitos crónicos da austeridade. Agora pensem no seguinte: se isto está acontecer num país como os EUA que tem vindo a estimular a sua economia, imaginem o estrondo que causará num país vergado pelos termos da austeridade. E andam eles a passear com alegados "empregosários" nas terras da sauna, quando Portugal já ardeu e tornará a arder se não tomarem cuidado. Não faz diferença alguma que Portugal seja agora um mapa cor de rosa - as dores de cabeça são as mesmas e as soluções tardam em aparecer.
Se fosse obrigado a retratar Portugal neste momento da sua história, diria que "não está com muito boa cara". Um conjunto de consequências nefastas irá atormentar Portugal nos próximos tempos. O problema é que essa noção cronológica faz cair por terra datas mágicas anunciadas pelos bruxos do mercado - dias de regresso ou dias de partida. O botão da bomba atómica, que o Presidente da República recusa accionar, também já não serve de grande coisa. O mal já está feito, o efeito de sopro da austeridade já fez a razia que se conhece. Portugal encontra-se em quarentena política, afastado das grandes decisões, mas expectante que uma supernova possa desencalhar a situação - entramos no domínio do desespero, da fé, da religião - do acreditar sem fundamento válido (Por que raio haveria a Merkel de inverter o sentido dos ponteiros?). Os mercados, pertença de todos e de ninguém, fecharam as portas do financiamento, seja qual for o intervalo das necessidades - a 5 ou a 10 anos. A suave euro-deputada socialista Elisa Ferreira, com ligação directa ao Rato, pode cantar baixinho a melodia encomendada por Seguro, mas a flexibilização das metas do défice está fora de questão - Draghi já disse que Portugal pode tirar o cavaquinho da chuva. Ao mesmo tempo Merkel inscreveu na sua agenda como primeira prioridade a limpeza da ameaça portuguesa e o Standard & Poor´s encara uma avaliação ainda mais negativa de Portugal. Depois há umas naturezas mortas que não adicionam nem acrescentam nada ao drama real de Portugal - as autárquicas, descartáveis e, longe da urgência de redesenho de uma grande estratégia para Portugal. As autarquias com a sua grande quota de responsabilidade pela demise nacional, são ao mesmo tempo a causa e a consequência, e não têm papel na reinvenção de um sistema - são o sistema. As diversas campanhas são uma espécie de serviços mínimos de política, da democracia, fazendo uso dos mais baixos padrões de retórica e dando voz a pseudo-argumentos. Há ainda outros elementos de decoração que servem para colorir a negro a catástrofe ética e financeira, mas que não têm influência nos caminhos imediatos de Portugal. O sistema imunitário dos portugueses deixou de rejeitar de um modo visceral casos do tipo Machete. Os cidadãos começam a aceitar que no DNA nacional estes casos sejam recorrentes, e mesmo sendo de natureza poluente, nada com consequências substantivas será feito para repor o equilíbrio de valores - os tribunais, constitucionais ou não, já se viu que servem para umas coisas e para outras não. O ministro dos negócios estrangeiros continuará os seus afazeres sem ser incomodado, porque tudo depende de uma mera imprecisão factual, descartável à meia-volta. Face a esta panóplia de ocasos não é descabido começar a vislumbrar vida em Portugal ao sabor de um segundo resgate. A segunda linha de oxigênio já se avista da cumeada, por entre o nevoeiro de políticas falhadas. Na minha opinião, penso que não vale a pena andar a fingir que a coisa se está a endireitar. Chegou a hora de gritar bem alto em nome da aflição de milhões de portugueses ainda equivocados pelas notícias de ocasião. Venha de lá esse segundo resgate. Acabe-se com esta farsa.