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Não é raro ligarmos a televisão, ou acedermos a uma app de um meio de comunicação social nacional, e deparar-mo-nos com uma notícia sobre estrangeiros ilegais agarrados no pico da noite (numa casa de alterne) ou num mero controlo rodoviário, para serem emitidas guias de marcha por permanência disconforme no território. Essa ocorrência é frequente. O ministro dos negócios estrangeiros Santos Silva afirma, em defesa dos mais de 4000 compatriotas que constam dos serviços de imigração dos Estados Unidos da América, que os mesmos transpuseram os 90 dias de estadia autorizada, por descuido (não confundir com gases) ou, passo a citar, o típico "deixa andar" luso. Relembro o seguinte facto, irrisório, mas perfeitamente ilustrativo - na qualidade de extra-comunitário (portanto cidadão de um país não-membro da União Europeia) sou obrigado a renovar a minha autorização de residência junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a cada cinco anos, mesmo tendo o estatuto de "permanente" no território. Após 30 anos em Portugal assumo esse protocolo absurdo, mas entendo a perspectiva dos serviços - pago uma taxa pela renovação -, e isso ajuda os cofres falidos do Estado. No entanto, não me quedo por este queixume. Os golden visa, atribuídos a arrivistas, com meios financeiros para investir 500 mil euros em Portugal, discriminam flagrantemente quem há muito chegou ao país. Em abono da verdade e justiça contributiva, teria argumentos sólidos para reclamar tratamento paritário em função da longevidade da minha residência. Calculemos então o meu contributo para a economia nacional ao longo de 30 anos e confirmemos se excedo ou não a fasquia-prémio dos 500 mil euros - ou seja, uma leitura retroactiva financeira e contributiva seria válida. Retomando o fio condutor deste artigo: não me parece que se possa meter no saco da viola do nacionalista make america great again Trump este tratamento de nacionais. Os 4000 portugueses apanhados na paisagem americana devem acatar as regras locais. Se de facto o objectivo era a sua mexicanização no mercado laboral americano, então devem acarretar com as consequências desse ilícito. O ministro dos negócios estrangeiros não pode invocar a distracção ou amnésia de quatro mil portugueses. Eu sei que a ficha negocial do casino das Lajes ainda tem algum valor de mercado, mas os Estados Unidos da América são o cúmulo do resto do mundo. Nós americanos somos eternos emigrantes, chegados há mais ou há menos gerações. Em suma, Portugal e os Estados Unidos da América são parecidos em tanta coisa. Se eu fosse ministro dos negócios americanos, procuraria, em definitivo, um acordo bilateral para facilitar estas ninharias burocráticas. Afinal sinto-me parte da realidade lusa - bato-me por Portugal, sinto as suas mágoas e regozijo-me com as suas alegrias. Mas Santos Silva não pode deixar este tema ao sombrero da bananeira.
As minhas estórias pessoais não têm grande interesse. O que se passa na minha vida privada apenas a mim dirá respeito. Ou não. Se a narrativa que decorre da minha experiência tiver utilidade pública, então devo partilhar a natureza de determinados eventos. Como sabem, ou não, sou um cidadão estrangeiro com autorização de residência emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (no meu caso permanente, estou cá há mais de 30 anos), que obriga à sua renovação a cada 5 anos. No fundo trata-se de um processo simples através do qual me apresento ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras por forma a revalidar o meu título de residência. Sou um cidadão extra-comunitário, mas mesmo os cidadãos de Estados-membro da União Europeia (UE) devem requerer a emissão de uma autorização de residência. Da última vez (há 5 anos) desloquei-me ao Centro Nacional de Apoio à Imigração (CNAI- SEF) e fiquei positivamente impressionado. O espaço, junto à Almirante Reis, foi criado numa fase de peace and love (2004), no auge do Euro 2004 e ainda na sombra da vocação ecuménica de uma Expo 1998. O tratamento dos funcionários era adequado e cordial, célere e competente. Notável - pensei eu. Finalmente os imigrados a Portugal iriam ser recebidos com a dignidade que lhes é devida. Lamentavelmente, na semana passada pude confirmar o oposto. Desloquei-me ao CNAI na companhia do meu advogado que me auxiliou a tratar de alguns assuntos relacionados com esta questão. Havíamos feito a marcação meses antes, e portanto o tempo de espera não fora uma questão. A funcionária da recepção indica que devemos aguardar no 2º piso até que o nosso número de senha fosse chamado. Subimos ao segundo andar e procuramos um placard com a informação digital respeitante ao número de senha. Dirigimo-nos a um segurança com um educado "bom dia", mas nada, não respondeu. Perguntamos como poderíamos saber quando seria a nossa vez, pelo que nos informou que deveríamos permancer no piso 0 - ou seja, a funcionária da recepção deixou-se estar e não nos informou que o melhor seria aguardar no piso da recepção. Quando somos chamados, lá nos dirigimos à sala comum de processamento no piso 2 onde se encontram várias mesas de atendimento. A funcionária, atordoada pela aura de quem está a realizar um GRANDE favor lá vai preenchendo o formulário sem nunca estabelecer contacto visual com os utentes. Na mesa ao lado uma outra funcionária goza literalmente com um senhor que não se fazia munir dos documentos requeridos. Trata-o vezes sem conta por "amigo" e com uma atitude intensamente irónica ainda tem tempo para rir da sua aflição. Enquanto decorre essa forma de pequena humilhação, de repente escutamos a gritaria desvairada de alguém. Por instantes pensei que seria um requerente desesperado, mas não, a funcionária que tratava do meu processo abandona o seu posto para espreitar a peixeirada e confidencia à sua colega: "querem ver que a Fernanda da Segurança Social se passou outra vez" (no comments). Quando chega a hora de fechar o requerimento a "minha" funcionária pergunta se venho levantar o documento ou se o mesmo deverá ser enviado para a minha residência. Sem pestanejar escolho a entrega em casa, mas a funcionária nada me informa sobre os valores em causa. Ou seja, o envio para casa implica um custo acrescido de mais ou menos 7 euros. Apenas ficamos a saber porque o meu advogado perguntou. São 126 euros - diz a funcionária. E retiro da carteira o meu cartão multibanco (MB) ao que riposta a funcionária que apenas aceitam dinheiro vivo. Desloco-me novamente ao piso 0 onde se encontra um terminal MB e faço um levantamento. Subo novamente ao piso 2 e entrego 130 euros esperando pelo troco de 4. A funcionária, afrontada pelo valor pecuniário, exige dinheiro certo, pelo que me recuso a encontrar a solução - "a senhora está a informar-me que neste edifício, que tem não sei quantos funcionários, não existem 4 míseros euros de troco?" A resposta não tardou: "ainda é cedo, não temos trocos", ao que eu respondi. "para além de pouco simpática é incompetente. E o problema é seu. Tivesse preparado o dia de trabalho na véspera". Mas acrescentei algo mais: sabe uma coisa? Talvez devesse partilhar com os seus colegas o seguinte: "não se trata um utente por amigo". Sem grandes demoras a funcionária abre a "sua" carteira e saca os 4 euros respeitantes ao troco. A pergunta que eu coloco é a seguinte: como se defendem cidadãos estrangeiros de animais burocráticos que roçam a expressão xenófoba de quem não está nada contente com a chegada de trabalhadores que lhes vão roubar o emprego? Estes cidadãos do Bangladesh ou do Senegal apresentam-se ao CNAI porque querem cumprir o que lhes é exigido pela Lei Portuguesa. Quanto aos funcionários, eu punha-os a correr na hora. Dão mau nome a Portugal que tão bem sabe receber. Eu que o diga. Sinto-me em casa em Portugal e tudo farei para derrotar Trump. Os 400.000 portugueses que vivem em New Bedford nos EUA não me podem ajudar neste capítulo, mas são tão americanos quanto os outros que fazem parte dessa imensa amálgama de recém-chegados ou não.