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Não estou devidamente informado sobre a greve dos enfermeiros, pelo que não vou opinar sobre a legitimidade das posições da Ordem dos Enfermeiros e do Governo. Quero apenas deixar registado que tenho lido por aí um argumento interessantíssimo. Dizem os seus proponentes que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros só se tem mostrado tão aguerrida por ser militante do PSD e o Governo actual ser do PS e acusam-na ainda de não ter afinado pelo mesmo diapasão aquando da anterior governação PSD-CDS. Ora, este argumento, invertidas as posições político-partidárias, serve para todos os sindicatos afectos à esquerda, que passam as governações de direita a rasgar as vestes e a fomentar a crispação social generalizada, mas que até parecem agentes civilizados quando é o PS a liderar o Governo e a implementar políticas tão ou mais gravosas que as do PSD e CDS. E isto sem falar no mais recente período governativo, o da geringonça, em que até há bem pouco tempo se remeteram ao silêncio. Tal como escrevi ontem, ao menos esforcem-se para apresentar argumentos minimamente válidos. Já dizia Sir Humphrey Applebby que “where one stands depends upon where one sits”, mas parem lá de tentar mandar areia para os nossos olhos, não vão os mais distraídos ficar a pensar que a coerência e a honestidade intelectual são virtudes dos sindicatos e da política em Portugal.
Hoje é um bom dia para relembrar um post que publiquei aquando da última Greve Geral, a propósito da existência de piquetes de greve, que aqui republico na íntegra:
(A minha cara se algum piquete de greve se atravessar no meu caminho em qualquer transporte público que eu consiga apanhar amanhã/hoje)
Dia de greve pretensamente geral é sempre um bom dia para relembrar os efeitos nefastos do sindicalismo salientados por Oakeshott e Hayek, e é também um dia de greve tão bom como qualquer outro para os portugueses libertarem a tensão acumulada com a crise e aviarem uns quantos piquetes de greve, que são apenas mais um repulsivo anacronismo sem lugar numa sociedade verdadeiramente democrática. Lembro que o o Art.º 57.º da Constituição da República Portuguesa apenas consagra o direito à greve, não fazendo qualquer menção a piquetes. Já o Art.º 21.º consagra o direito de resistência: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública."
Ou seja, o direito à greve não pressupõe piquetes de greve, e dado que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros, os que o desejem podem fazer greve à vontade, mas a partir do momento em que tentam impedir violentamente os que não querem fazer greve de trabalhar, legitimam moralmente que estes recorram também à violência para reparar a injustiça que lhes tentam impor. Ou não seja o trabalho de cada um uma componente primeira da sua propriedade privada e esfera de liberdade individual, as quais devem ser protegidas pelo estado da interferência de terceiros. Se este não o faz, resta aos próprios fazê-lo.
E aqui ficam duas passagens de Hayek, numa tradução livre minha:
«Os presente poderes coercivos dos sindicatos fundamentam-se principalmente no uso de métodos que não seriam tolerados para qualquer outra finalidade e que se opõem à protecção da esfera privada do indivíduo. Em primeiro lugar, os sindicatos dependem – numa extensão muito maior do que é comummente reconhecido – do uso de piquetes como um instrumento de intimidação. Que mesmo os chamados piquetes "pacíficos" são severamente coercivos e a apologia que destes é feita constitui um privilégio concedido por causa do seu suposto objectivo legítimo é demonstrado pelo facto de que estes podem ser e são usados por pessoas que não são trabalhadores para forçar os outros a formar uma união que eles irão controlar, e que também pode ser utilizada para fins puramente políticos ou para dar expressão à animosidade contra uma pessoa impopular. A aura de legitimidade que lhes é conferida porque os objectivos são muitas vezes aprovados não pode alterar o facto de representarem uma espécie de pressão organizada sobre os indivíduos que numa sociedade livre não deve ser permitida a qualquer agência privada.»
(…)
«O requisito essencial é que a verdadeira liberdade de associação seja assegurada e que a coerção seja tratada como igualmente ilegítima quer seja empregue a favor ou contra a organização, pelo empregador ou pelos funcionários. O princípio de que o fim não justifica os meios e que os objectivos dos sindicatos não justificam a sua isenção das regras gerais do direito deve ser rigorosamente aplicado. Hoje isto significa, em primeiro lugar, que todos os piquetes devem ser proibidos, uma vez que são não só a causa principal e habitual de violência, mas mesmo nas suas formas mais pacíficas são um meio de coerção.»
E um bom fim-de-semana prolongado.
(A minha cara se algum piquete de greve se atravessar no meu caminho em qualquer transporte público que eu consiga apanhar amanhã/hoje)
Dia de greve pretensamente geral é sempre um bom dia para relembrar os efeitos nefastos do sindicalismo salientados por Oakeshott e Hayek, e é também um dia de greve tão bom como qualquer outro para os portugueses libertarem a tensão acumulada com a crise e aviarem uns quantos piquetes de greve, que são apenas mais um repulsivo anacronismo sem lugar numa sociedade verdadeiramente democrática. Lembro que o o Art.º 57.º da Constituição da República Portuguesa apenas consagra o direito à greve, não fazendo qualquer menção a piquetes. Já o Art.º 21.º consagra o direito de resistência: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública."
Ou seja, o direito à greve não pressupõe piquetes de greve, e dado que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros, os que o desejem podem fazer greve à vontade, mas a partir do momento em que tentam impedir violentamente os que não querem fazer greve de trabalhar, legitimam moralmente que estes recorram também à violência para reparar a injustiça que lhes tentam impor. Ou não seja o trabalho de cada um uma componente primeira da sua propriedade privada e esfera de liberdade individual, as quais devem ser protegidas pelo estado da interferência de terceiros. Se este não o faz, resta aos próprios fazê-lo.
E aqui ficam duas passagens de Hayek, numa tradução livre minha:
«Os presente poderes coercivos dos sindicatos fundamentam-se principalmente no uso de métodos que não seriam tolerados para qualquer outra finalidade e que se opõem à protecção da esfera privada do indivíduo. Em primeiro lugar, os sindicatos dependem – numa extensão muito maior do que é comummente reconhecido – do uso de piquetes como um instrumento de intimidação. Que mesmo os chamados piquetes "pacíficos" são severamente coercivos e a apologia que destes é feita constitui um privilégio concedido por causa do seu suposto objectivo legítimo é demonstrado pelo facto de que estes podem ser e são usados por pessoas que não são trabalhadores para forçar os outros a formar uma união que eles irão controlar, e que também pode ser utilizada para fins puramente políticos ou para dar expressão à animosidade contra uma pessoa impopular. A aura de legitimidade que lhes é conferida porque os objectivos são muitas vezes aprovados não pode alterar o facto de representarem uma espécie de pressão organizada sobre os indivíduos que numa sociedade livre não deve ser permitida a qualquer agência privada.»
(…)
«O requisito essencial é que a verdadeira liberdade de associação seja assegurada e que a coerção seja tratada como igualmente ilegítima quer seja empregue a favor ou contra a organização, pelo empregador ou pelos funcionários. O princípio de que o fim não justifica os meios e que os objectivos dos sindicatos não justificam a sua isenção das regras gerais do direito deve ser rigorosamente aplicado. Hoje isto significa, em primeiro lugar, que todos os piquetes devem ser proibidos, uma vez que são não só a causa principal e habitual de violência, mas mesmo nas suas formas mais pacíficas são um meio de coerção.»
The Constitution of Liberty, cap. 18, "Labor Unions and Employment":
«Public policy concerning labor unions has, in little more than a century, moved from one extreme to the other. From a state in which little the unions could do was legal if they were not prohibited altogether, we have now reached a state where they have become uniquely privileged institutions to which the general rules of law do not apply. They have become the only important instance in which governments signally fail in their prime - function the prevention of coercion and violence.
Do artigo "The political economy of freedom", de Michael Oakeshott (Rationalism in Politics and other essays, Indianapolis, Liberty Fund, 1991, p. 401):
«Collectivism is indifferent to all elements of our freedom and the enemy of some. But the real antithesis of a free manner of living, as we know it, is syndicalism. Indeed, syndicalism is not only destructive of freedom; it is destructive, also, of any kind of orderly existence. It rejects both the concentration of overwhelming power in the government (by means of which a collectivist society if always being rescued from the chaos it encourages), and it rejects the wide dispersion of power which is the basis of freedom. Syndicalism is a contrivance by means of which society is disposed for a perpetual civil war in which the parties are the organized self-interest of functional minorities and a weak central government, and for which the community as a whole pays the bill in monopoly prices and disorder. The great concentrations of power in a syndicalist society are the sellers of labour organized in functional monopoly associations. All monopolies are prejudicial to freedom, but there is good reason for supposing that labour monopolies are more dangerous than any others, and that a society in the grip of such monopolies would enjoy less freedom than any other sort of society. In the first place, labour monopolies have shown themselves more capable than enterprise monopolies of attaining really great power, economic, political and even military. Their appetite for power is insatiable and, producing nothing, they encounter none of the productional diseconomies of undue size. Once grown large, they are exceedingly difficult to dissipate and impossible to control. Appearing to spring from the lawful exercise of the right of voluntary association (though as monopolistic associations they are really a denial of that right), they win legal immunities and they enjoy popular support however scandalous their activity. Enterprise monopolies, on the other hand (not less to be deplored by the libertarian), are less dangerous because they are less powerful. They are precariously held together, they are unpopular and they are highly sensitive to legal control. Taken separately, there is no question which of the two kinds of monopoly is the more subversive of freedom. But in addition to its great power, the labour monopoly is dangerous because it demands enterprise monopoly as its complement. There is a disastrous identity of interest between the two kinds of monopoly; each tends to foster and to strengthen the other, fighting together to maximize join extractions from the public while also fighting each other over the division of the spoils. Indeed, the conflict of capital and labour (the struggle over the division of earnings) is merely a sham fight (often costing the public more than the participants) concealing the substantial conflict between the producer (enterprise and labour, both organized monopolistically) and the consumer.»
Do artigo "The political economy of freedom", de Michael Oakeshott (Rationalism in Politics and other essays, Indianapolis, Liberty Fund, 1991, p. 401):
“Collectivism is indifferent to all elements of our freedom and the enemy of some. But the real antithesis of a free manner of living, as we know it, is syndicalism. Indeed, syndicalism is not only destructive of freedom; it is destructive, also, of any kind of orderly existence. It rejects both the concentration of overwhelming power in the government (by means of which a collectivist society if always being rescued from the chaos it encourages), and it rejects the wide dispersion of power which is the basis of freedom. Syndicalism is a contrivance by means of which society is disposed for a perpetual civil war in which the parties are the organized self-interest of functional minorities and a weak central government, and for which the community as a whole pays the bill in monopoly prices and disorder. The great concentrations of power in a syndicalist society are the sellers of labour organized in functional monopoly associations. All monopolies are prejudicial to freedom, but there is good reason for supposing that labour monopolies are more dangerous than any others, and that a society in the grip of such monopolies would enjoy less freedom than any other sort of society. In the first place, labour monopolies have shown themselves more capable than enterprise monopolies of attaining really great power, economic, political and even military. Their appetite for power is insatiable and, producing nothing, they encounter none of the productional diseconomies of undue size. Once grown large, they are exceedingly difficult to dissipate and impossible to control. Appearing to spring from the lawful exercise of the right of voluntary association (though as monopolistic associations they are really a denial of that right), they win legal immunities and they enjoy popular support however scandalous their activity. Enterprise monopolies, on the other hand (not less to be deplored by the libertarian), are less dangerous because they are less powerful. They are precariously held together, they are unpopular and they are highly sensitive to legal control. Taken separately, there is no question which of the two kinds of monopoly is the more subversive of freedom. But in addition to its great power, the labour monopoly is dangerous because it demands enterprise monopoly as its complement. There is a disastrous identity of interest between the two kinds of monopoly; each tends to foster and to strengthen the other, fighting together to maximize join extractions from the public while also fighting each other over the division of the spoils. Indeed, the conflict of capital and labour (the struggle over the division of earnings) is merely a sham fight (often costing the public more than the participants) concealing the substantial conflict between the producer (enterprise and labour, both organized monopolistically) and the consumer.”
(também publicado no blog da Causa Liberal)