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1 - Portugal está, como há décadas não estava, no centro de um complexo tabuleiro político internacional, no qual as potências se mostram incapazes de lidar adequadamente com uma gigantesca reestruturação sistémica que se traduzirá, daqui a uns anos, num sistema internacional com uma configuração muito diferente da que tivemos desde o pós-Guerra Fria, no que à hierarquia das potências diz respeito. Por enquanto, o sistema vai-se tentando preservar, enquanto não sofre uma ruptura que nos levará provavelmente a um novo sistema.
2 - Mesmo que o não queira, Portugal é neste momento uma peça essencial no espoletar ou despoletar dessa ruptura, no que à UE diz respeito. Surgindo no horizonte a interrogação sobre a nossa viabilidade financeira enquanto estado soberano, dado o sobreendividamento do estado, famílias e empresas (sendo de salientar o estado, visto que o seu enorme e disforme peso na economia e na sociedade tem vindo a mitigar a margem de manobra para nos reinventarmos e superarmos os desafios que se nos apresentam), somos, neste momento, a pedra de toque para um de dois caminhos: um maior aprofundamento do processo de integração europeia ou a fragmentação do mesmo.
3 - A Alemanha, que é cada vez mais o motor da economia europeia, com os devidos reflexos no campo político, não deseja, de certeza, a fragmentação, mas só continuará a aceitar financiar as economias europeias em recessão a troco de um governo económico de traços ainda pouco conhecidos. O mesmo é dizer que, como é sua tradição, o projecto europeu encontra em cada crise o propulsor de um salto em frente no processo de aprofundamento da integração. No caso, ganha força o ditado "manda quem pode, obedece quem deve".
4 - A viabilidade futura de Portugal depende de uma verdadeira reforma estrutural de todo o aparelho estatal, que diminua abruptamente o peso deste na economia, o que passa por acabar com milhares de organismos, institutos, fundações, câmaras municipais e juntas de freguesia e privatizar a maioria das empresas do sector empresarial estatal. Só isto permitirá libertar recursos e diminuir impostos, assim criando um ambiente de maior competitividade e de incentivo à iniciativa privada, o qual estamos condenados a gerar se queremos que Portugal se mantenha enquanto estado soberano durante as próximas décadas. É que a factura da desgovernação socialista ainda não é totalmente conhecida, e a partir de 2014 vai ser sobrecarregada com as Parcerias Público-Privadas. Se não conseguirmos gerar esse ambiente as empresas não produzirão, não gerarão riqueza, poupança e investimento suficiente para nos permitir liquidar sustentadamente as dívidas que temos.
5 - O FMI levar-nos-á a executar medidas neste sentido, por exemplo, flexibilizando a legislação laboral e dinamizando o mercado de arrendamento. Mas muito provavelmente - e infelizmente -, dada a envergadura do disforme aparelho estatal, não sendo possível aos técnicos do FMI aceder e processar toda a informação sobre este, de forma a realizar uma reforma equilibrada, não nos obrigarão às muito necessárias reformas estruturais do estado - até porque têm sido os socialistas os cicerones que vão prestando informações e serão os socialistas a negociar o pacote, pelo que tentarão proteger os seus interesses acima de tudo, e é do conhecimento público que o estado é uma coutada do PS. Precisávamos de estadistas e excelentes negociadores a conduzir este processo. Infelizmente não é o caso.
6 - Qualquer Governo resultante das eleições de Junho terá, obviamente, que seguir à risca o pacote negociado com o FMI. E se não tiver noção que terá que efectuar as reformas que acima referi e que a esmagadora maioria da opinião publicada informada proclama, mais vale nem sequer tomar posse. O FMI dar-nos-á um balão de oxigénio, uma margem temporal em que teremos que rapidamente proceder a um reajustamento interno de larga escala. A forma como utilizaremos essa margem temporal pode ser a diferença entre continuarmos a ser um estado soberano dentro ou fora da Zona Euro, e entre um aprofundamento da integração ou da fragmentação europeia. Findo esse balão, que terá também ele que ser pago por todo nós, se Portugal se encontrar na mesma senda despesista e recessiva, dificilmente se manterá soberano sem que seja forçado a sair da Zona Euro e/ou a reestruturar a dívida (que muitos apontam como algo que já deveria estar a ser feito).
7 - Se sairmos da Zona Euro, como alguns vão paulatinamente sugerindo, voltando a emitir uma moeda nacional, assistiremos a uma verdadeira catástrofe a todos os níveis. Ficaremos todos milhares de vezes mais pobres. A nova moeda nacional terá um valor reduzidíssimo em face do euro (e do dólar, libra e demais divisas), no qual as nossas dívidas continuarão a ser pagas, logo, multiplicando-se o valor das dívidas pela desvalorização que ocorrerá. As matérias-primas e produtos importados - e é bom lembrar que até para a alimentação dos portugueses precisamos de bastas importações - ficarão insuportavelmente mais caros. No fundo, ocorrerá um drástico ajustamento com uma força, rapidez e impacto sem paralelo, que colocaria o nosso poder de compra em linha com a economia real. Percebe-se que a maior parte dos políticos e comentadores portugueses não queira falar neste cenário. Para bem de todos nós, esperemos que não se concretize.
8 - A concretizar-se, tem efeitos ainda mais nefastos para além do assustador empobrecimento em que cairíamos, e que explicam porque também os políticos europeus evitam referir-se a uma saída de Portugal da Zona Euro. A partir desse dia, não teríamos capacidade para pagar a dívida externa, entrando em incumprimento/default, ficando sem acesso a todo e qualquer financiamento nos mercados internacionais, e dada a interdependência acentuada entre as economias portuguesa e espanhola, o impacto seria sentido na restante península. O mesmo é dizer que a Espanha, que, por agora, muitos já vão tendo receio que seja o próximo na lista dos bailouts, provavelmente seria forçada a pedir ajuda externa. Não havendo dinheiro suficiente para resgatar a economia espanhola, os efeitos na terra de nuestros hermanos seguiriam provavelmente a receita portuguesa: saída da Zona Euro com a consequente fragmentação do regime e, por conseguinte, de Espanha enquanto estado soberano. E isto seria provavelmente o fim da Zona Euro e da UE como a conhecemos - o que se lhe sucederia, é uma incógnita, mas porventura seria ou o consolidar do sistema da UE a diferentes velocidades ou uma via mais federalista. Isto se a UE não acabasse mesmo. Novamente, percebe-se porque a maioria dos políticos e comentadores prefere nem sequer pensar nisto.
9 - Tendo sido completamente reorientada a política externa portuguesa com o advento da III República, poderá ter chegado a hora de a reorientarmos novamente. O vector europeísta da nossa política externa está cada vez mais esgotado. E esta, que sempre serviu para que procurássemos no exterior recursos para nos desenvolvermos internamente, precisa de se virar para onde estes existem e onde, ainda por cima, os seus detentores nos são histórica e culturalmente próximos. Sinais neste sentido têm aparecido nos últimos anos, com a valorização da cooperação com o Brasil e países da CPLP. Mas estas relações têm que ser reforçadas e têm que se concretizar e reflectir materialmente, indo muito para além da retórica, por mais difícil que seja a realocação de recursos internos no prosseguimento da nossa política externa. O Atlântico sempre foi o principal vector da política externa portuguesa, até 1974. Está na altura de recuperar esta orientação.
10 - Com toda a situação que vivemos, em Portugal e na Europa, mais uma vez fica provado que o estado tem que ser limitado na sua acção e no peso que tem na economia e na sociedade. Ao criar uma enorme rede de dependências em relação a si, retirando liberdade aos indivíduos e empresas, coloca em cheque todos esses dependentes se incorrer em políticas irresponsáveis. Se um indivíduo, família ou empresa tomar decisões erradas, será ele a enfrentar as consequências das mesmas. Se for o estado, e se este tiver uma presença brutal na vida de uma sociedade, como é o nosso caso, todos serão afectados em maior ou menor escala, por mais ou menos culpa que tenham da situação, logo, com mais ou menos justiça. Está à vista de todos que foi isto que aconteceu em Portugal. E é o que acontece inevitavelmente quando os governos são liderados por mentes feridas pelos males do marxismo ou keynesianismo, da incapacidade de reconhecimento dos limites da razão humana, do construtivismo social e de políticas cheias de boas intenções mas que, a mais das vezes, alcançam resultados imprevistos e nefastos. Ao contrário do que a maioria dos políticos e comentadores vocifera, em Portugal nunca houve liberalismo ou o propalado neo-liberalismo, que nenhum dos que utiliza tal epíteto em tom acusatório e moralista sabe o que é. Enveredámos por uma economia mista e deixámos que os socialistas se apropriassem de uma criação do liberalismo, o Estado de Bem-estar ou Welfare State, também conhecido por Estado Social, o qual embrulharam em retóricas demagógicas que, aliadas à retórica anti-fascista (que parece cada vez mais caída em desuso), serviram para que muitos prosseguissem os seus intentos sem serem fiscalizados ou questionados, quer em prol de preconceitos ideológicos ultrapassados, quer em prol de interesses mais ou menos obscuros. Se Portugal quer continuar a ser um estado soberano ao longo deste século, os portugueses têm que começar a preocupar-se a sério com a política, e isso significa não só votar mas também informar-se e fiscalizar permanentemente a acção do estado e do governo.
(também publicado no blog da Causa Liberal)
(artigo publicado no Pacta Sunt Servanda, Jornal do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do ISCSP)
A pretensão deste artigo talvez possa parecer desmesurada pela simples razão de que ninguém sabe ainda concretamente qual a profundidade da crise financeira internacional, especialmente nos Estados Unidos da América. Desta forma torna-se arriscado efectuar previsões com base em dados imperfeitos, embora possamos recorrer de certa forma a algumas indicações para tentar visualizar quais os efeitos desta crise ao nível das transformações que o próprio sistema internacional sofrerá.
À luz da teoria sistémica, é possível considerar que o sistema financeiro mundial tem vindo sempre a preservar-se por via da capacidade homeostática, integrando as problemáticas com que eventualmente se deparava através de processos de aprendizagem simples, nunca realmente se alterando de sistema. Porém, a crise a que temos assistido e a ineficácia das repostas dadas deixa antever um processo de superação do paradigma sistémico vigente por via de um processo de aprendizagem complexa decorrente da capacidade homeorética, que nos levará a um novo sistema de contornos ainda por definir. Parece-me pelo menos que o ensinamento marxista de que a infraestrutura económica condiciona a superestrutura política vai mais uma vez ter reflexo prático quando todo um novo sistema económico e financeiro mundial se estabelecer em simultâneo com um reajustamento da hierarquia das potências.
Neste sentido, em minha opinião, estamos actualmente a assistir a uma gigantesca e, de certa forma, dolorosa, reestruturação e alteração da essência do sistema financeiro e económico internacional, que se uns dizem ser reflexo do fim do neo-liberalismo, outros advogam, na senda da teoria dos ciclos económicos de Friedrich von Hayek, ser apenas um reajustamento do próprio mercado. Provavelmente esta poderá ser a última grande crise do género a que se assistirá nas próximas décadas pois o sistema financeiro internacional tornar-se-á mais robusto tal como sempre se tem tornado após cada crise, embora, obviamente, cause apreensão as convulsões e incertezas em que o mundo viverá enquanto o momento actual não for superado.
Indo de encontro à teoria d'O Mundo Pós-Americano de Fareed Zakaria, que logo no primeiro capítulo demonstra o crescimento e desenvolvimento do resto do mundo da forma mais capitalista possível (portanto o capitalismo não morreu, o que estará provavelmente à beira da estocada final é a desregulação e a mão invisível), parece-me que assistiremos ao declínio da influência dos EUA no mundo, com um sistema internacional tendencial e crescentemente multi-polar, onde o risco de colapso financeiro estará muito mais difundido do que actualmente, pois a importância de Wall Street será dispersa por todas os outros grandes centros financeiros, garantindo uma maior resistência a eventuais crises, e também porque uma refundação das instituições de Bretton Woods começa a ser um tema na ordem do dia. Em última instância, ocorrerá, um reajustamento da hierarquia das potências e uma transformação, falta saber até que ponto, do próprio sistema internacional em todas as suas vertentes, de que a cada vez mais premente futura reforma do Sistema das Nações Unidas será a face mais visível.
Seria no entanto falacioso considerar que os EUA não têm recuperação possível ou considerar um decréscimo da sua influência de forma generalizada, até porque historicamente os EUA estão habituados a reinventar-se em face de cada crise e, para todos os efeitos, continuarão a ser a única superpotência durante muitas décadas, até porque as chamadas economias emergentes, especialmente os BRIC, não são produtores e distribuidores de regras, valores e normas para o sistema internacional como o são os EUA. Além do mais é necessário ter presente que os BRIC afirmar-se-ão cada vez mais como potências mas ainda têm um longo caminho pela frente até poderem ser de facto superpotências, se alguma vez o chegarem a ser.
Para concluir, ganha especial relevo neste contexto a expressão de Samuel Huntington de um mundo uni-multipolar, isto é, com os EUA como única superpotência mas com outras potências com influência considerável, num sistema que, tal como referido, será um novo sistema político ao nível das Nações Unidas, em consonância com um sistema financeiro tendencialmente mais robusto.