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«A liberdade com roupagem de opulência, consumo, "conforto" e prazer escondia, pois, indústrias milionárias de alienação, a destruição sistemática das instituições inculcadoras da ordem social, cultural, e política. Foi com a benção do consumismo, do crédito para todos, do dinheiro barato que se semeou a crença que a felicidade individual só se realizaria com a substituição do dever pelo prazer e quando todas as formas de autoridade fossem substituídas pela cultura do lúdico. Certamente que ao cerrado combate para a destruição da escola e da cultura na sua expressão mais latitudinal - hoje transformadas em negócio e consumo - implicaria ipso facto o fim da própria ideia de cultura. Pensaram os ingénuos que se abria uma nova era de ilimitado experimentalismo e busca de um novo tipo de homem. Compreende-se agora o mito da "classe média", solução engenhosa para desagregar a cultura de classe (inerente a cada grupo social) e sobre ela criar uma só classe de consumistas, angariadores de crédito e prazer. A bolha imobiliária (como a bolha do automóvel para todos, a bolha das PPP's para abrir estradas levando às "novas urbanizações") - tudo isso um negócio que requeria mais mercado.
A verdade é que o capitalismo libertário se desfez deliberadamente de todas as formas de limitação - por via da moral, da ética, da responsabilidade - para, assim, implantar, não o contrário da velha ordem burguesa, mas uma sociedade sem centro, um não-Estado, uma anti-economia. Assim se explica a continuada mutilação da dimensão integradora do Estado - assistencial, educadora, codificadora, policiadora - ao longo das últimas três ou quadro décadas. Assim fica explicado o derrube da ideia de fronteira política e económica, a desvalorização moral do trabalho, a exaltação do protestarismo, o culto do "Outro" (multiculturalismo), o combate cerrado contra o patriotismo, as forças armadas e a "educação autoritária". Neste combate, a esquerda divulgou, vulgarizou, legitimou os chamados "sentimentos nobres", enquanto aderia sem reserva alguma à globalização, às migrações, à "cidadania universal". A "cidadania universal" queria apenas dizer mais imigrantes, derrube do sistema social europeu, deslocalização do aparelho produtivo. A Europa, que por via dos fascismos e do comunismo, se armara de dispositivos para regular o desespero dos pequenos, assistiu ao longo dos últimos anos a um recuo civilizacional sem precedentes. Para iludir o vazio, o liberalismo libertário inventou a ilusão da participação, estimulando o convivialismo das internets, as tribunas opinadoras, as causas que - tantas são - dispersam a angústia e compensam psicologicamente os cidadãos pela perda efectiva de capacidade interventora.»
Miguel Castelo-Branco, no Combustões.
O ruído destemperado é o alfa e o ómega do espectáculo. Nos últimos dias, talvez premonitoriamente, o debate público concentrou-se em fait-divers descoroçoantes, com direito, no fim, a uma entrevista digna de uma sessão espírita macarthista. Tristes tempos estes, em que o panorama noticioso é ocupado pela sanha persecutória pouco edificante em detrimento do desnudamento do Poder. De facto, o jornalismo contemporâneo é o expoente máximo da mentira organizada. Em nome do Poder.
Uma bela definição de ironia é aquela em que um impostor ludibria os representantes mais luzidios da impostura generalizada.
Chego a casa, leio as notícias, e vejo que, ao que parece, os media portugueses caíram no engodo de um embusteiro. Conclusão, qualquer dia aparecerá alguém que dirá ser a reencarnação do Elvis e a imprensa coonestará imediamente a versão desse indivíduo. Não há autoridade jornalística, por mais bem-intencionada que possa ser, que resista a tanta incúria e negligência. Chegámos à era da sociedade do embuste televisionado.