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Não são apenas os lideres deste país que jogam contra o seu país. São os próprios jogadores. São os homens e mulheres das artes e letras. São os banqueiros. São os comentadores. São os jornalistas. São os empresários. São os taxistas. São os académicos. São os construtores civis. São os poetas. São os professores. São os funcionários públicos. E provavelmente são alguns bloggers. Existe sempre, em cada uma destas categorias ou classe profissional, um melhor do mundo, um campeão. Sim, jogo à defesa. Naturalmente. Para cada frase ou pensamento que tenha, espero que haja melhores - melhores frases e melhores bloggers. Mas não é apenas em categorias perfeitamente definidas que o bicho do "melhor do mundo" corrói. Na própria matriz social quotidiana de Portugal existe há séculos um certo menosprezo compatriota, doméstico. Não é fácil encontrar quem caminhe ao nosso lado enquanto "igual" com as "mesmas" chances de se superar a si mesmo. São sempre melhores. Ou uma lástima. O síndrome da Islândia já vem de longe. Existe uma tendência intensamente contraproducente para Portugal ser o seu pior inimigo. Mas desta vez nem Marcelo nem Costa ajudaram. Em Paris assinaram por baixo desse complexo de inferioridade. Repito, não existem melhores nem piores do mundo. Existe vontade, determinação, humildade e 300.000 habitantes. Ou existe presunção, descontracção, sobranceria e 10 milhões de cidadãos. Portugal resiste a interpretar o mundo do modo como este merece ser interpretado. Não existem povos eleitos. Nem aqui, nem na China, nem nos EUA e de certeza que na Islândia não. E não interessa quem são os nossos pais.
Antes que a Maria Luís Albuquerque e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho cantem vitória em relação ao sucesso da emissão de dívida a 5 anos com juros perto dos 4,6%, convém olhar para ambos os pratos da balança, e não apenas para os aspectos favoráveis que têm grande utilidade política. Sem dúvida que é uma boa notícia conseguir realizar um bom negócio a um preço mais baixo do que o esperado, mas mesmo que as necessidades de tesouraria estejam cobertas neste período de maturidade, não deixa de ser dívida. Para além deste facto isolado, respeitante ao comportamento do mercado internacional em relação a Portugal e a percepção optimista que tem para com este país, somos invariavelmente obrigados a realizar a leitura do quadro económico, financeiro e social num contexto mais alargado. O dinheiro, como se sabe, obedece parcialmente à lei de Lavoisier. Embora possa ser criado através da impressão por bancos centrais mundo fora, este não se perde, mas fica sujeito a processos de transformação, que em maior rigor deveriam ser chamados de mecanismos de transferência. E é precisamente esse movimento de dinheiros e percepções que está a acontecer. A periferia que se encontrava no fundo da classificação, com o pior comportamento económico possível, apenas tem uma direcção a percorrer - o caminho da melhoria gradual. Contudo, essa expressão não acontece sem que hajam vítimas noutras paragens económicas e monetárias. Neste sentido, o que começa a acontecer em França e na Alemanha deve ser acompanhado com atenção, uma vez que os juros de dívida desses dois países correm em sentido contrário aos ponteiros de Portugal ou da Irlanda. Neste dia em particular, um ligeiro efeito de anulação fez-se sentir, se atendermos ao agravamento dos juros naqueles países. Não devemos esquecer, por um instante sequer, que a União Europeia, funciona de acordo com esse princípio de lastro financeiro, de transferências de uma paragem para a seguinte. Parece-me que à medida que a periferia melhora do seu estado clínico, o núcleo da União Europeia começa a sentir os efeitos secundários desse esforço. O mercado é uma dama caprichosa, que muito embora a queiram domesticar, acaba por revelar a sua verdadeira intenção. Existe até uma expressão que capta, de um modo imperfeito, a volatilidade que resulta das percepções, da procura e oferta do mercado, da reflexologia a que estamos todos sujeitos, mas não sei se se adequa aos tempos de incerteza que vivemos, por isso não a irei alvitrar. Só começarei a acreditar na recuperação firme quando vir o crescimento do emprego a entrar no esplendor das equações, dos resultados. Enquanto isso não acontece, parece-me um prémio menor o sucesso da emissão de dívida. Prefiro ser realista do que enbandeirar no arco da promessa do fim dos tempos difíceis. Deixo isso aos outros. Aos profissionais. Àqueles que precisam de ser eleitos ou reeleitos. Aos que seguem para candidaturas e recandidaturas.
Deve ter sido Cavaco Silva, co-adjuvado por um servente, que teve a magnífica ideia de baptizar o certame de "Conselho da Diáspora Portuguesa". Será que não sabe a origem do termo? A Diáspora é uma daquelas expressões reservada para a singularidade negativa da história. A Diáspora tem a ver com a fuga perpetrada por indíviduos que nunca chegaram a ser bem-vindos nas comunidades em que se encontravam. Os judeus que escaparam ao churrasco da Inquisição, que foram expulsos ou que fugiram a sete pés de Portugal, corporizam a própria definição de Diáspora. É de um extremo mau gosto semântico e cultural, associar este encontro de campeões portugueses ao conceito de Diáspora. Os 30 eleitos para promover Portugal no mundo, que eu saiba, não foram perseguidos por motivos religiosos ou étnicos. Saíram de Portugal de um modo confortável para ocupar lugares de destaque, por mérito próprio, ou, quem sabe, por terem conhecimentos na rede de influência internacional da área dos negócios, da academia ou dos media. Estes embaixadores já têm a cama feita, e não percebo, que a toque de caixa, agora repitam o chavão de John Fitzgerald Kennedy -"ask not what my country can do for me but what I can do for my country'" (não perguntes o que o país pode fazer por ti, mas o que podes fazer pelo país). Os trinta magníficos apresentam-se como perfeitos entendedores da angústia da mala de cartão, mas aos olhos dos portugueses a caminho do banlieu, são privilegiados com laivos de misericórdia, com a necessidade de ficarem bem na fotografia para o caso de alguém perguntar: onde estavas quando Portugal ruiu? Eu? Então não sabes? Sou um dos eleitos - um dos conselheiros da Diáspora. Minhas senhoras e meus senhores, a Diáspora não é algo com que se brinque de ânimo leve. Está intimamente ligada ao conceito de genocídio, limpeza étnica, perseguição e exclusão discriminatória numa sociedade. Seria tão bom que antes de brincarem aos "justos e bons", percebessem que mexem com consciências e fantasmas históricos que não podem ser evocados desta forma boçal. Estes embaixadores nunca seriam os escolhidos para representar a memória da verdadeira diáspora, quanto mais para representar os milhares de portugueses que estão de partida da Portela em busca de melhores dias. Um pouco de bom-senso e cultura seriam mais que bem-vindos nesta ocasião, mas isso seria esperar muito de uma pequena casa situada em Belém.