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Da Terra dos Fur

por FR, em 08.09.13

Desde que comecei a abordar o tema do Sudão que tenho evitado falar na questão do Dar Fur, região alvo de quase tão grandes quanto justificadas repercussões mediáticas, especialmente a partir de meados da década de 90.

 

Hoje, numa altura em que a quota mediática para assuntos internacionais se quase esgota no tratamento de “The War Within”, parece-me urgente deixar aqui um breve comentário acerca do que se está a passar na terra dos Fur.

 

Antes de mais, convém deixar claro que a crise em que o Darfur está mergulhado assume proporções catastróficas e, apesar de ter perdido muito do mediatismo de outros anos, essencialmente pela fadiga causada por uma crise que dura há já demasiado tempo, não deixa por isso de ser uma situação dinâmica, onde tanto podem observar-se períodos de moderado optimismo, como se vê pouco tempo depois a situação deteriorar-se gravemente. Bref, o Darfur ameaça atingir o ponto mais crítico da sua história num espaço de poucos meses, talvez semanas.

 

Uma das razões que está na origem do acentuar desta crise é a decisão do governo de Cartum de proceder à substituição das organizações humanitárias internacionais que actuam no Darfur – incluindo as agências da ONU – por organizações nacionais. Esta estratégia foi delineada já em 2010, e materializada num documento intitulado “Nova Estratégia para o Darfur”, onde se dá particular relevo à ideia de que o estado de emergência humanitária teria chegado ao fim. Evidentemente não é o caso. Esta falsa premissa, no entanto, cria as bases necessárias para que o governo do Sudão possa proceder à remoção das agências humanitárias internacionais do terreno, o que, por sua vez, irá abrir as portas para que grupos militares do regime ou a ele afectos possam desenvolver uma acção devastadora sobre a população de forma totalmente impune, e com cada vez menor visibilidade internacional.

 

Note-se agora que um representante do governo declarou publicamente, no passado dia 21 de Agosto, que um dos objectivos de Cartum passa pela remoção de todo o pessoal das agências humanitárias internacionais da região de Darfur. São assim claramente visíveis, por um lado, várias consequências desta decisão, e por outro, as acções tomadas neste sentido, das quais passarei a enumerar apenas uma pequena parte, podendo considerar-se que estes exemplos constituem apenas a fracção de uma acção concertada que tem vindo a tomar proporções catastróficas.

 

Comecemos pela UNAMID, a Missão da ONU/UA para o Darfur. Torna-se cada vez mais evidente que esta missão se encontra em estado de progressivo colapso, revelando-se incapaz não só de proteger a população civil, mas também a si mesma enquanto missão, como se pode verificar pelo clima de insegurança cada vez maior em que vivem os civis e militares onusianos na região. Os ataques às escoltas da ONU têm vindo a tornar-se cada vez mais frequentes, e o número de mortos entre os capacetes azuis tem aumentado de forma preocupante nas últimas semanas. Mais de 50 soldados perderam a vida em resultado de ataques à UNAMID desde o início do seu mandato em 2008, e entre as vítimas destes ataques, contam-se também 47 mortes de pessoal de agências humanitárias, 139 feridos e 71 raptos.

 

E no entanto esses números parecem quase irrelevantes face à situação em que vive a população local. Contam-se nos últimos 15 anos mais de 2,000 bombardeamentos aéreos a civis já confirmados, e digo isto sem sequer entrar em especulações quanto ao número real de tais ataques. Mais de 350,000 deslocados internos (IDP) recebem apoio directo da American Refugee Committee só na zona do Darfur do Sul. Imagens de satélite revelam a devastação que resultou de um só ataque numa cidade do Darfur Central, em Abril deste ano, onde mais de 2,800 edifícios foram destruídos, e pelo menos 42 civis perderam a vida. De um conflicto tribal no Darfur do Norte que começou no início deste ano, resultaram quase imediatamente 300,000 novos IDP, muitos dos quais eventualmente cruzaram a fronteira para o Chade onde o apoio a refugiados é praticamente inexistente, e as condições de sobrevivência são ainda mais frágeis do que no Darfur.

 

Considerando o Sudão em toda a extensão do seu território, estima-se que quase 4,5 milhões de pessoas necessitem de apoio humanitário urgente; 1,4 milhões vivam em campos de refugiados; 1,8 milhões de crianças não possam ir à escola; que os níveis de subnutrição atinjam já os 16% da população; que mais de 5 milhões de pessoas não tenham acesso aos níveis mínimos de higiene.

 

Números aterradores?

E no entanto aqui estou eu, a poucos quilómetros da fronteira com o Darfur, a beber chá e a fumar cigarros à sombra de uma acácia ressequida, a escrevinhar num pequeno bloco de notas negras previsões de que crise está prestes a entrar numa fase ainda mais devastadora.

 

E resisto, contrariado, a fazer comparações com a justificação dada pelos Estados Unidos para iniciar uma intervenção em território Sírio.

publicado às 10:29

Tendo em conta a actual situação internacional, prevejo que a agitação no mundo Árabe venha a contagiar também o Sudão num futuro muito próximo. Assim sendo, é também provável que o Sul possa aproveitar o facto de Al Bashir poder estar a braços com uma complicada situação em Cartum, para fortalecer a sua posição em Abyei, uma região de fronteira entre o Norte e o Sul, ainda sem delimitações acordadas, muito rica em petróleo e zona de conflicto tribal.

 

De forma a evitar potenciais abusos de parte a parte, defenderei uma eventual iniciativa da criação, o quanto antes, de uma força internacional para a securização da fronteira. Idealmente esta seria apadrinhada pelos EUA, mas dado que os fantasmas de Mogadishu ’93 ainda assombram a Casa Branca, temo que esta seja uma possibilidade demasiado remota.

 

Como alternativas, surgem a União Africana ou uma nova Missão das Nações Unidas. Parece-me desde logo que uma força da UA não tenha a capacidade de responder adequadamente a uma situação que tem todos os ingredientes necessários para um potencial genocídio, pelo que urge ao Conselho de Segurança da ONU (sem dúvida um ‘mal menor’) discutir a criação de uma Missão especialmente dedicada ao patrulhamento da fronteira, como de resto existe já, se bem que em moldes diferentes, entre a Índia e o Paquistão, a Eritreia e a Etiópia, e o Líbano e Israel.

 

Além do mais, tenho o pressentimento de que a actual Missão da ONU no Sudão (UNMIS) se tornará rapidamente obsoleta, já que é presumível que a vontade de al-Bashir seja ver-se livre dos ‘capacetes azuis’ assim que se torne efectiva a independência do Sudão do Sul. Tomando em consideração esta presumível vontade, seria preferível que a ONU se antecipasse com um plano e um propósito claro, aproveitando os poucos trunfos que ainda terá junto do Presidente Sudanês, para consituir um projecto que possa ser apoiado pelos dois governos.

 

Finalmente, convém referir que, verificando-se revoltas nas ruas de Cartum, seria do maior interesse para al-Bashir ter uma força de salvaguarda da sua fronteira a Sul, mesmo que este não tenha, para já, capacidade ou interesse em o admitir. Escusado será dizer que esta opção servirá ao mesmo tempo os interesses do Sul, mesmo que seja em potencial detrimento de algum território.

 

(Desta questão omiti propositadamente o Darfur, já que o paradigma de fronteiras deste território assume contornos bastante diferentes)

publicado às 16:22

Sul do Sudão torna-se independente

por Pedro Quartin Graça, em 07.02.11

Os sudaneses do Sul compareceram em massa às urnas neste domingo, primeiro dia de votação do histórico referendo, esperado há mais de 50 anos e na sequência do qual, por força da vitória da proposta de secessão, o Sul se tornará em breve independente. O Sudão é, recorde-se, o maior país do norte da África, e divide-se entre o Norte, muçulmano, e o Sul, cristão.
"É o momento histórico pelo qual os sudaneses do sul tanto esperavam", declarou Salva Kiir, presidente da região semiautónoma do Sudão do Sul.
"É um novo dia, porque votamos por nossa liberdade. Combatemos durante muitos anos, mas hoje este voto pela separação é também um voto pela paz. O sol nascerá logo em um Sudão do Sul livre", declarou Wilson Santino, um eleitor.
"Este é o começo de um novo capítulo na história do Sudão, um capítulo muito importante. Estou muito esperançoso. Foi formidável ver Salva Kiir votar hoje. É o auge de negociações difíceis; muitos obstáculos precisaram ser vencidos", destacou o senador americano John Kerry, que participou no referendo como observador.
O referendo é também a principal realização do acordo de paz que pôs fim a mais de duas décadas de guerra civil entre norte e sul, assinado em 2005.

Será que, ao menos desta vez, Portugal apanha o comboio a tempo? Depois não digam que não chamámos à atenção...

 

Saiba mais sobre a situação política e económica do Sul do Sudão aqui.

publicado às 15:24

Referendo no Sudão

por FR, em 14.01.11

Tendo vindo a seguir com muito interesse o referendo que tem decorrido desde Domingo no Sudão, onde se decide a possível secessão do Sudão do Sul, parece-me importante analisar paralelamente as várias implicações que este terá no contexto regional e mesmo global.

 

Para começar, a fortíssima ligação entre o Sudão do Sul e o Uganda não é mera coincidência. Para além das evidentes afinidades culturais, religiosas e étnicas entre os dois povos, também as relações comerciais entre as duas partes têm crescido exponencialmente com o desenvolvimento das estradas entre os dois países, ligando Juba (capital do provável novo estado) com o resto do mundo. É importante referir que isto só se tornou possível a partir da gradual pacificação do território, muito graças aos esforços conjuntos de combate ao insano movimento rebelde LRA (Lord’s Resistance Army), desenvolvidos de forma inédita entre o Sudão, o Uganda e a RD Congo, com o apoio da ONU.

 

Não é esta, no entanto, a questão que a muitos interessa discutir. Um segredo bem guardado durante vários anos tornou-se agora por demais evidente: as reservas de petróleo por explorar entre o Uganda e o Sudão são imensas. Só em termos comparativos, estima-se que o Uganda possa tornar-se brevemente o quinto maior produtor de petróleo de África, isto quando ainda sobra uma área geográfica significativa a ser explorada.

 

A entrada em cena de investidores Britânicos e Irlandeses em nada agradou a Khartoum que, de resto, já amávelmente havia colocado os seus serviços de expertise ao dispôr do seu vizinho, mas um Sudão do Sul independente acabará por bloquear totalmente o acesso de Khartoum a qualquer fatia do bolo. Assim sendo, o óleoduto a ser construido desde o Uganda a Mombassa serve potencialmente como futura alternativa para a saída do petróleo Sudanês, e será para Juba, nas negociações com Khartoum pela disputa de direitos sobre o petróleo, uma moeda muito forte.

 

Arrisca-se, portanto, o Sudão a ver a sua posição enfraquecida ao perder importantes fontes de receita, mantendo no entanto o total da sua dívida externa. Sendo que o Presidente al-Bashir já declarou que pretende avançar com a alteração da Constituição visando a adopção em pleno da lei Sharia, fazem-se já ouvir os receios de um aumento do extremismo Islâmico, e a potencial exploração para fins perversos do descontentamento da população, um pouco à semelhança do que acontece na Somália.

 

Torna-se assim imperativo que subsista o bom senso nos eventuais acordos de separação, processo para o qual é fundamental haver uma inteligente mediação da comunidade internacional. Um acordo justo implica não só a não condenação, a priori, do novo estado à falência, mas ao mesmo tempo evitar rebaixar o Sudão a actor secundário deste processo. Finalmente, é necessário que todos compreendam que o futuro não se fará sem concessões, e aqui falo essencialmente do incontornável perdão de alguma da dívida externa do país.

 

Para os interessados, outras considerações aqui e aqui.

publicado às 14:54






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