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Antes que António Costa, Catarina Martins ou qualquer outro oportunista aproveite o desfecho das eleições na Grécia, e a "re-eleição" de Alexis Tsipras, para tecer considerações de ordem revanchista-revolucionária, convém lembrar o seguinte; qualquer que seja o governo que se venha a formar naquele país, mais de 60 medidas prévias à recepção de dinheiros do terceiro bailout devem ser aprovadas e implementadas, um vasto conjunto de privatizações deve ser realizado e a pressão da Troika manter-se-á para efectivamente controlar os mesmos. Quem ganhou as eleições foram os credores da Grécia e não o cidadão ateniense ou os residentes da ilha de Lesbos. Para complicar ainda mais a equação, a crise de refugiados (ou migrantes, conforme a etiqueta de correcção política) será mais um factor de desequilíbrio. Veremos até que ponto um governo de inspiração maoista (com possíveis laivos de Direita-extrema à mistura) resiste à tentação Orbaniana de instituir um regime de protecção reforçada dos interesses dos seus nacionais, levantando barricadas para deter forasteiros. São externalidades desta natureza que podem alterar o rumo dos acontecimentos. Portugal, que se encontra nos antípodas geográficos da Europa, alegadamente não corre o risco de ser atropelado por um influxo maciço de gentes fugidas de regimes persecutórios. Mas não é bem assim e convém lembrar que todas as hipóteses devem ser consideradas. Por exemplo, um avanço notável do ISIS (Estado Islâmico) no Norte de África, com uma eventual queda de regime em Marrocos que transformaria Algeciras e o Algarve em pontos de desembarque de refugiados. São noções desta amplitude que devem fazer parte da visão de estadistas, mas com tanta conversa sobre reposição de pensões e inviabilizações de Orçamentos de Estado, poderemos ficar à mercê das políticas de taberneiros que apenas cuidam do seu quintal. Os tempos não são para facilidades e demagogia barata, embora a tentação seja grande.
A Grécia celebra efusivamente. Derrotou a Austeridade. Esmagou o monstro. Escorraçou o papão. O fim das dificuldades e atribulações foi decretado. Meteram tanto medo ao dragão que este nunca mais tornará. Todo o dinheiro do mundo irá cair dos céus e irão viver felizes para sempre. Tsipras e o Syriza conseguiram instigar o delírio político. Assistimos a ficção ideológica. Observamos a arte de tábua rasa. Pelo menos 61% acredita nesta fábula. Na ficção do renascimento, a obliteração de vidas passadas. Ágora, agora. Os gregos decidiram que os restantes estados-membro da zona euro podem ficar no Euro. E nenhuma das restantes nações do concerto europeu será expulsa do Drachma. A Grécia irá salvar os outros países da periferia. A palavra Democracia será partilhada com todos os irmãos da Europa. A patente de auto-determinação ficará livre e ao dispor da humanidade. Oximóron.
Apesar de tudo o que já foi dito e escrito, e não tendo conseguido acompanhar integralmente a conferência de imprensa de Sexta-feira (e os jornalistas portugueses de serviço não conseguiam fazer uma tradução simultânea capaz e também não deixavam ouvir o som original), estive hoje a visioná-la no Youtube.
Mesmo não me revendo minimamente nos partidos no poder na Grécia, e também não vendo grandes hipóteses de sucesso no projecto a que se propõem (a menos que a Rússia entre em cena...), há que reconhecer mérito ao ministro das Finanças grego pela postura e argumentação.
É difícil não concordar que é necessário aligeirar o pesadíssimo fardo que foi colocado sobre a Grécia pelo pagamento de uma dívida que tem sido maioritariamente canalizada para os bancos, provocando uma devastação económica e social da qual, a ser prosseguida, o país nunca recuperará. É também compreensível que, neste cenário, os gregos queiram negociar as reformas, o modo de pagamento da dívida, e decidir sobre as suas privatizações. Sobre isto, e mesmo admitindo continuar as privatizações de forma ponderada, Varoufakis diz (aos 43 minutos do vídeo):
«A ideia de liquidar os meios do Estado para ganhar uns tostões que depois serão deitados no buraco negro de uma dívida impagável não é algo que subscrevamos. Não é preciso pertencer à Esquerda radical grega para concordar com isto.»
Outro momento importante é, aos 53 minutos, quando Yanis Varoufakis se refere à postura de Portugal e de Espanha, com bastante cordialidade.
É claro que Varoufakis não é o Syriza, e obviamente não devemos cair na ilusão de que o seja. Mas vale a pena ouvir o que o lado grego tem para dizer, mesmo que o fracasso seja a hipótese mais provável.
(Em Inglês, a partir do minuto 11)
Gostei imenso de escutar os socialistas de Portugal congratular os seus camaradas gregos pela estrondosa vitória do Pasok. Fiquei comovido com as repetidas menções de António Costa ao sucesso doutrinário dos irmãos helénicos. Bravo. Pois é. Isto não está nada fácil. Emular Tsipras é quase tão difícil como repetir os feitos históricos ou contemporâneos de Mário Soares. Como é que vai ser? O Syriza é um pot-pourri, uma salada russa com ingredientes para todos os gostos, da Esquerda radical à Direita abominável. António Costa, se pretende seguir o guião do jovem che guevarista, tem de se mexer. Mas haja esperança. Pode sempre aproveitar a dinâmica da FLS (Frente de Libertação de Sócrates), encostar-se ao Partido dos Animais, afagar o pêlo aos Verdes e radicalizar o seu discurso inspirando-se nas estrofes bolivarianas. A nova fórmula trans-ideológica de Tsipras parace ter funcionado na perfeição num país movido a gás de vendetta à Austeridade. Vamos ver como elas caem. Se a demagogia inflamada do Syriza é rapidamente convertida em epístola de cumpridor europeu - bom menino merkeliano. Festejam à vontade a pujança dos gregos. Aproveitem bem. Porque se a reestruturação for alcançada, quem pagará a factura alheia serão os restantes cidadãos da União Europeia. Será que os portugueses desejam pagar a caução pedida pela Grécia? Enquanto decidem, façam-se à estrada com o rancho folcórico de Évora e mandem umas bocas sobre justiça social e democracias sulistas. Como disse António Costa, sem o desejar, existem alternativas ao próprio Partido Socialista. Apreciei o seu feira-play, a sua capacidade de colocar os interesses de Portugal à frente da Câmara Municipal de Lisboa.
Entrevista a José Adelino Maltez:
"Insisto: é possível a Tsipras levar para Bruxelas o discurso utilizado na campanha?
Por que não? Seria bom para os países ditos do sul. Seria a vingança dos PIIGS e o começo, por intermédio de um pequeno/médio país, digamos assim, daquilo que parecia estar proibido. Daria alento (em Itália, em Espanha e em Portugal) a uma alternativa dentro do modelo democrático e levaria a que deixasse de ser considerado como dogma aquilo que o senhor Schäuble diz.
Mas terá de haver algumas concessões de parte a parte. Consegue prever quais?
Não, porque quem as aproveitará imediatamente será a Itália, será Portugal, será Espanha. Acho que há reivindicações do Syriza que só por hipocrisia não são assumidas pelo governo de direita em Portugal. Acho que a vitória do Syriza em termos do interesse nacional português é o que mais nos convém."
A União Europeia (UE) é uma experiência autofágica. A possibilidade de efectiva destruição da divisa Euro, com todas as consequências que a mesma acarreta, resulta das condições endémicas geradas pelos lideres da União Europeia. Quiseram embalar no mesmo baralho monetário economias tão dísparas com a vã expectativa que os fundos estruturais e outros mecanismos de subvenção europeus pudessem limar as arestas das diferenças dos estados-membro da UE. O resultado está à vista. O Euro está a descarrilar e já foi "abandonado" pela Suiça (e outros seguir-lhe-ao o rasto) - o país que antecipa a defesa do seu interesse nacional enquanto as outras nações dormem. Não há nada de cínico neste comportamento - não passa de uma expressão de Realpolitik monetária. Mas a última estocada que será desferida no Euro, não resulta de congeminações fundamentalistas externas, nem de ataques de terceiras partes. Será o próprio Banco Central Europeu a administrar a (over)dose fatal. No dia 22 de Janeiro, os dealers monetários da Europa, comandados pelo Exmo. Sr. Mário Draghi, darão início a um processo de dumping monetário autorizado - European Quantitative Easing (EQE). A primeira palete será da ordem dos 550.000.000.000 de Euros (quinhentos e cinquenta mil milhões de Euros). O Euro está a afundar? Ainda não vimos nada. O Euro irá ao encontro da paridade com o Dólar? Nada disso. O dólar irá ficar ainda mais forte, muito mais forte. Mas temos de juntar outro elemento de destruição à fórmula - a mais que provável vitória do Syriza nas eleições gregas que têm lugar no dia 25 de Janeiro. Estes dois eventos quando combinados irão gerar turbulência assinalável na zona Euro e não só. Aqueles que aplaudem a "vingança" grega nem sequer sonham com o que aí vem. As falsas promessas e as utopias socialistas têm um apelo populista forte. António Costa sabe-o e tentará extrair dividendos da situação grega para a sua campanha pessoal. Quanto a Portugal, isso é outra história. Fica para depois.
Catarina Martins irá zarpar para estar ao lado do camarada Tsipras durante as comemorações da provável vitória do partido Syriza. À falta de um guião original o Bloco de Esquerda (BE) vai coleccionar argumentos de reestruturação da dívida na capital Grega. Não sei se vale a pena a viagem. Em primeiro lugar o BE nem sequer está perto da sombra do poder. E em segundo lugar, a táctica de ameaça (ou sua inversão) não parece dar grande resultado. O tira-teimas entre a Grécia e a Alemanha é inexistente. Merkel já avisou que a União Europeia (UE) pode resistir ao impacto de uma saída da nação grega do Euro. Nem mais um sacrifício pelo Euro? A Grécia (assim como outros Estados-membro da UE) receberam dinheiros a fundo perdido, décadas e décadas a fio. A questão também deve ser colocada ao contrário porque os gregos receberam, e muito, dos contribuintes alemães, mas também dos belgas, dos franceses, dos portugueses, dos ingleses e dos espanhóis, para todos os efeitos materiais desta discussão de quem deve mais, e como quer pagar. Uma reestruturação da dívida não faz o problema desaparecer - passa apenas o mesmo para as gerações seguintes. E é esse o desafio que muitos enfrentam. O sacrifício duro do presente versus a repressão imposta no futuro. Temo que Tsipras, assim que se sentar na cadeira do poder, venha a subir o tom do seu discurso e venha a usar o argumento de ameaça de saída do Euro à luz da intransigência de Bruxelas, que não vai em reestruturações de dívida, ou coisa que o valha.