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No século XIX Antero de Quental propôs três razões para o estado do País de então:
A Reforma Católica e a acção dos Jesuítas;
O centralismo do país como resultado da Monarquia Absoluta
Uma economia debilitada pela Expansão Portuguesa.
Ora, hoje a Igreja não tem qualquer poder na sociedade portuguesa, não existe Monarquia (muito menos absoluta) e da Expansão Portuguesa resta pouco mais do que dois arquipélagos e a ilhota das Berlengas.
Se Antero voltasse, quais seriam, pois, as suas explicações para a recente quase bancarrota da República, o tempo de austeridade e o subsequente período de euforia?
Talvez o grande intelectual açoriano olhasse para as questões macroeconómicas, para os laços que hoje nos ligam à Europa e não aos territórios ultramarinos que tanta discussão geravam no seu tempo. Talvez questionasse a própria República, a partidocracia e os seus índices de corrupção. Talvez não se revisse no Socialismo tal qual ele é arvorado hoje em dia como garante de um escol de líderes e não como socorro dos mais necessitados.
Mas vendo a perda de influência da Igreja Católica, hoje reduzida a um lugar quase pitoresco, talvez Antero se voltasse para um fenómeno que parece ter ocupado o seu lugar: o Futebol. É curioso e ao mesmo tempo macabro e irónico que o «foot-ball» tenha chegado a Portugal pela mão da nossa «Aliada» Inglaterra, na mesma altura que esta nação «Amiga» nos impôs um Ultimatum (1890) e a cujo acto devemos uma das maiores crises da nossa História. Crise que, aliás, contribuiu para o suicídio de Antero em 1891.
Ora, nunca, como hoje, se impõe voltar a procurar as Causas para a Decadência dos Povos Peninsulares. Portugal e Espanha vivem reféns do futebol: ele determina a ascensão e queda dos políticos e até de nações (veja-se o caso da Catalunha), contribuiu para o adormecimento da opinião pública e do eleitorado e é utilizado como forma de propaganda para exacerbar identidades locais, regionais ou nacionais.
Para que servem os símbolos das nações de hoje que não seja para abrir, assistir ou justificar jogos de futebol?
Todo o ócio e toda a vida desportiva (e cultural) das massas gira em volta desse desporto. E os seus intervenientes tornaram-se semideuses, para os quais se voltam milhares de fãs e adeptos, procurando modelos e conforto para as suas vidas - de resto muito distantes das deles, ricos e poderosos.
Dificilmente em algum tempo algo foi tão consensual como o futebol. Na nossa política caseira, por exemplo, o futebol é algo que une a Esquerda à Direita, o Rico e o Pobre: é tema intocável, indiscutível e inalienável.
Ainda hoje se critica a Igreja Católica, outras igrejas e seitas religiosas e até alguns regimes ditatoriais pela facilidade com que operam mudanças e lavagens nas mentes dos indivíduos, mas desconfio que se o Cristiano Ronaldo ou outro qualquer jogador-ídolo sugerisse aos adeptos que o veneram como modelo heterossexual, de homem rico, bonito e mulherengo para baixarem as calças, poucos seriam os machos lusitanos que resistiriam ao apelo.
E nisto se resume o Estado da Nação.
Decididamente, não me revejo nesta horda de comentadores, pagos a hora , nos vários canais de televisão, que mais parecem salsicharias , através dos conteúdos tipo enchidos, com que nos presenteiam diariamente e isso sim reflecte os tempos que vivemos, cingindo-se como se de um coro se tratasse, a tratar mal e porcamente (como é uso dizer) a informação (estão a pedir uma visita da ASAE).
Já não se trata de ser direita ou esquerda, mas sim de se ser honesto , de ser coerente.
Fala-se do Panamá Papers, como se a informação fosse suficiente, para todos os idiotas se transformarem em especialistas de paraísos fiscais.Subitamente, não há idiota que não se afirme especialista no tema.
Nunca percebi bem como funcionam, os paraísos , porque nunca fui Santo, mas sei, que certamente alguns clãs dominantes da nossa vida pública, poderiam dar aulas sobre o tema. Não o fazem, optando no entanto por fazer ameaças bacocas, a quem se-lhes opõem. A verdadeira tirania do poder do dinheiro , o oposto ao paraíso, o Inferno.
Inferno é verdade , também não sei muito do tema inferno, sei que quando vejo a falta de respeito nos modos , nos procedimentos e na incoerência dos chamados Bloco-galambistas ,revejo um mundo em que não me enquadro e em que não me revejo, provavelmente, um inferno dentro da democracia, em que movimentos como o Podemos Espanhol e seus associados Internacionais, são financiados por ditadores loucos como o Venezuelano Chaves. Infernos tão democratas que não aceitam opiniões divergentes, que não respeitam a casa da Democracia, que não recebem um chefe de Estado Espanhol porque não gostam das monarquias. Isto para não falar do jogo do trafico de influências, que através do poder, exercem sem pudor, colocando quem lhes interessa no posto certo, para poderem manter uma contabilidade do deve e haver do poder. A Europa das democracias criou um grupo de pequenos demónios que gostam tanto de dinheiro que inventaram um paraíso fiscal, em vários pontos do mundo.
Seram crimes menores estes do inferno da democracia comparados com os dos paraísos fiscais? O socialismo do amigo de Sócrates, o socialismo de Chaves é que foi coerente , igualou todos na Venezuela , agora 87% da população está na miséria, Bravo.
Como algum entendido dizia hoje ; " ...se há paraísos fiscais é porque há infernos fiscais." afinal parece que há muitos tipos de inferno ou como diria Sartre " o nosso inferno são os outros"
O Canal de História, a pior programação possível de imaginar: aliens de manhã até à noite - quem não conhece o alvar despenteado mental que até em Leonardo vê um "extraterrestrial"? - a "Caça de Tesouros" (toneladas de precious sucata acompanhada por muitos "really?", "A-o-w, m-y G-o-d!", "Wow!", "It's awesome!"), redneckismo em barda, "O Preço da História" através de casas de penhores durante horas a fio, "Monstros Lendários", maluquices esotéricas e maçonices para todas as indigestões, "Livros de Segredos", "Loucos por Carros" e tantas, tantas outras parvoíces que preenchem integralmente um Canal de História que de ano para ano vai caindo na mais absurda vacuidade. Safa-se um ou outro programa de documentários de época e nada mais. Quando tentam apresentar algo alegadamente sério, sai-nos na rifa uma péssima, ridícula série acerca dos líderes das principais potencias participantes na II GM - Churchill, Hitler, Roosevelt, Mussolini, Estaline, Tojo, além de... MacArthur e Patton (?) - e os seus percursos de vida desde 1914. Uma colossal vergonha cheia de anacronismos, erros crassos ditados pela ignorância dos realizadores e respectivos escribas de serviço, despudoradas manipulações - yes!, claro que "foi o Sr. general Pershing quem venceu a Grande Guerra" ... - , etc. Se a isto juntarmos muitos dos programas da NG e alguns disparates a que o Odisseia recorre, estamos perante o zero. Não esqueçamos os filmes do Hollywood, AXN e FOX - o Syfy é por regra, abaixo de cão - que se repetem durante meses a fio.
A menos que nos dediquemos ao mundo Disney e aos futebóis, assim não vale a pena pagarmos a TV por cabo.
Sabemos todos muito bem que o político vive do dito por não dito, da euforia das promessas eleitorais, e no lance seguinte, da alteração do curso de acção. Faz parte engalanar o discurso a caminho do promontório, e, uma vez lá chegados, parece que afinal as convicções eram outras, as prioridades distintas. Acontece a todos os candidatos (e repetentes), invariavelmente, e independente do partido de origem, a ideologia de fundo. Os eleitores, hipnotizados pela oratória mais ou menos elaborada dos proponentes, caem que nem patinhos na conversa, no conto do vigário - vezes sem conta. Porém, não são os únicos. Os comentadores e analistas também padecem da mesma condição de volatilidade. Não há nada de artificial nesse comportamento. A natureza humana é feita desse deslizar na régua da opinião. Acontece-me a mim, como a tantos outros. Pouco honesto seria se não admitisse a minha incoerência. O tempo, por onde se estende a agenda dos juízos, acaba por servir para definir a amplitude da mudança, repentina ou não. Ao longo destes últimos anos, e à luz da crise que atormenta vidas desconhecidas ou não, sei que sofro de vulnerabilidade. Sei que o meu espírito foi admoestado pelo sentimento negativo, pelas evidências do descalabro, mas ao mesmo tempo, como se fosse um instinto de sobrevivência, esgotámos a neura e procuramos ver a luz, um lampejo de esperança. Dito isto - de um modo puramente sensorial -, mal de nós seria se nos deixássemos derrotar. Os governos, incumbentes ou aspirantes, lidam e não lidam com o espectro dessa fragilidade de sentimentos, ligam e ignoram a importância dessa força, a substância que funciona como anti-corpo para a sua deficiência congénita. Os governos, são, essencialmente, deficitários. Nunca correspondem aos anseios - comprometem os sonhos. Vivem numa superfície relativista, explicável, mas não necessariamente justificável. Na mudança de turno, despoletada por processos eleitorais, os fundamentos da acção não se alteram - confundem-se. E é precisamente diante dessa panóplia de falsas opções que nos encontramos. O actual governo ainda pode fazer mais, mas não fará menos do que aquele que se segue. Confesso que seria conveniente agarrar-me à instransigência, ao dogma que não concede um palmo à noção de alteração, ao engano. No entanto, se realizasse o exercício confessionário, confirmaria a contradição. O dia que não se segue à aurora - aquilo que fui ontem e que deixei de ser hoje. Nessa modulação de onda onde me encontro (onde nos desencontramos) aceito as minhas insuficiências e respeito as animosidades que provoco nos outros - estou vivo. Faz parte da condição humana estar vivo (muito melhor do que falecer). Trata-se de reflectir de um modo incompleto sobre o modo como vertemos a nossa eterna volatilidade. Se os parodiantes servem o interesse nacional ou afagam o umbigo não me interessa nada. Há coisas mais importantes. Quanto aos governos, não sei o que dizer. Sei o que não devo dizer. E não preciso de ligar a televisão para confrontar fantasmas que afinal não o são. São pálidas sombras da mesma árvore, ressequida - tombada.
Existe uma expressão portuguesa que encaixa que nem uma luva nas garras felinas: fazer render o peixe. Os Gatos Fedorentos, sendo gatos, apreciam o peixe. Contudo, desta vez demonstraram que existem limites ao se associarem a um anti-corpo sério, residente nos antípodas da paródia, mas disposto a prescindir da farda de trabalho em nome de não sei o quê - Rodrigo Guedes de Carvalho marcou o serão pela negativa - não estávamos à espera dessa. O combinado misto, jornalismo alegadamente sério - humor até cair para o lado, não funciona, e demonstra apenas que não existem escrúpulos ou deontologia no jornalismo quando o que está em causa são negócios, ou audiências, conforme lhes quisermos chamar. Os Gatos Fedorentos estão a chupar até ao tutano a sua faceta de cacheteiros, de mercadores dispostos a explorar todos os produtos de merchandising, como se o seu fim estivesse à vista e houvesse urgência em extrair dividendos de tudo e mais alguma coisa. Não sei se este oportunismo agressivo partiu das cúpulas da SIC, do Guedes ou de um dos Gatos, mas, quando associamos a parafernália do MEO e outras marcas, percebemos facilmente que os Gatos Farturentos querem lucrar o máximo possível em tantas e tão dísparas frentes. Rodrigo Guedes de Carvalho, tido como bom rapaz e responsável, que também aprecia a ficção na forma escrita, acaba de rasgar do seu uniforme alguns falos da alta patente de jornal das oito. Sem o desejar, e embora de um modo próprio, apimbalhou-se e aproximou-se do relax que define a Judite de Sousa ao seu melhor estilo domingueiro. Quanto ao piscadelas de olhos José Rodrigues dos Santos, irei poupá-lo porque ainda não li nenhuma das suas bíblias, nem lerei. Contudo, brincadeiras à parte, o lado mais cínico desta novela consubstancia-se na leviandade com que se trata a questão que realmente interessa ao país - a solução para a crise. Mas como demonstram os cinco amigos, qualquer pretexto serve para ganhar quota de mercado em horário prime - a crise pode ser embalada, distribuída e vendida ao desbarato como uma reles série de televisão.
No auge do entusiasmo das Comunidades Europeias, os programadores culturais tudo fizeram para demonstrar a fraternidade dos povos. As televisões foram os canais privilegiados para mostrar as verdadeiras provas da alegria de uma Europa a caminho da abertura de fronteiras, do mercado comum e das políticas gizadas na grande capital comunitária. Finalmente Bruxelas passava a ter alguma utilidade, mesmo não tendo o carisma de outras metrópoles - o poder efectivo e o glamour de outras coutadas. O estudo cultural que aqui apresento pretende relembrar alguns dos pilares de sustentabilidade da aproximação dos povos do norte e do sul da Europa. O primeiro pilar que refiro é o Festival da Canção da Eurovisão, a festa-maravilha que, em nome da solidariedade e da igualdade de tratamento, lá foi dando prémios políticos a cantores de países necessitados de um abraço, uma palavra de estímulo para se aproximarem do norte trabalhador e inventor da excelência. Depois vem-me à memória mais um icone da baboseira lúdica - os Jogos sem Fronteiras. Uma espécie de instituto de integração dos desajeitados e trapalhões (Eládio Clímaco foi o terapeuta de serviço). Neste belo programa já se notava um certo tratamento discriminatório das equipas a concurso. Os países do norte mais hábeis e os do sul queimados pela vida airosa do mediterrâneo pontuavam quase sempre menos (mas eram muito esforçados). As diferenças entre as equipas mal formadas e as exemplares passavam em horário nobre como se nada fosse, para ajudar nessa lenta conversão à norma, ao modelo salutar de desenvolvimento e progresso - vocês são um atraso de vida, mas podem ser como nós. Foram belos tempos de ilusão televisiva apresentados em forma de cavalhadas e quedas na piscina de águas límpidas. Mas no clímax da excitação, do entretenimento televisivo, houve quem quisesse ir mais longe. Uns quantos especuladores precoces quiseram verter as suas considerações para um patamar ainda mais rebuscado, próximo da sexualidade que faz mover o homem na busca da perfeição estética ou laboral. Os alemães não quiseram deixar que a coisa descambasse por completo e resolveram demonstrar a sua aproximação aos estilos de vida do sul. O programa Tutti-Frutti tinha logo à partida todos os ingredientes para se tornar num sucesso de bilheteira, como se fosse um estímulo para combater o problema de envelhecimento que já se fazia sentir na Europa - ide e reproduzai-vos - foi o mote. Sim, podemos entender esta iniciativa como uma forma de miscigenação pré-Schengen - o desenvolvimento de relações íntimas entre os parceiros europeus. Os italianos, indignados pelo assalto alemão à libertinagem, pertença exclusiva dos sulistas, não foram de meias-medidas e avançaram com o seu formato de uma Europa ainda mais sexy. Quem não se recorda do famoso Colpo Grosso? O programa internacional, proposto pela direcção de informação da SIC, deixou a RTP a morder a poeira das cantigas do festival ou a chover no molhado daqueles joguinhos. Pois é. E eis que nos encontramos aqui sem concorrente à altura. Um programa que espelhe o grande entusiasmo, a esperança e a vibração que se fazem sentir no seio da União Europeia.
Existem muitas e variadas razões que servem para explicar a demise de Portugal, mas a falência de lideranças e da governabilidade de um país tem relação íntima com a capacidade que os membros de uma sociedade têm de interpretar o mundo. A falta de ingestão de ingredientes culturais conduziu a uma espécie de consanguinidade intelectual - anemia crítica. Os parcos conhecimentos que circulam são os mesmos de sempre e não foram refrescados através do acto contínuo e interminável de leitura. A taxa de analfabetismo regrediu nos últimos 40 anos e até houve um concurso televisivo para apurar o uso da língua portuguesa (Sim, foi a Bárbara Guimarães que apresentou o programa, coadjuvada com trabalhos de casa administrados pelo Prof. Carrilho), mas isso não chega. Foi entretenimento de prime-time - mais nada. Por mais torres editoriais de marfim e escritores que nasçam, para gaudio de revistas literárias de elite, a verdade é que se a disseminação maciça da sabedoria não acontece, o futuro de um país torna-se refém da sua insuficiência intelectual. Para acompanhar as bancarrotas financeiras, a verdade vem agora ao de cima para revelar aquilo que muitos já sabiam - o estado da insolvência literária de um país. O Marcelo Rebelo de Sousa que passa os olhos sobre mais de 100 livros por semana, não é exemplo para ninguém. Não existe tal coisa como ler a correr (que é o que ele faz). A leitura é um processo que deve "atrasar" os processos mentais, que deve condicionar o leitor e obrigá-lo a paragens e retornos a diferentes análises em função do mesmo texto, idêntico parágrafo afinal distinto. Houve ao longo das últimas décadas uma festa incessante dos "produtores" de cultura. Tivemos festivais para aqui, capitais da cultura para acolá, mas tudo isso foi desenvolvido para os círculos de "iluminados", amigos e privilegiados que receberam convites para as vernissages. Os eventos mediáticos e cheios de glamour não serviram para apontar a luz da cultura na direcção do espectro alargado da população, daqueles que mais necessitavam. À semelhança de grupos de interesse económico e instituições financeiras que tomaram conta dos meios, houve apostas especulativas e operações de troca, um verdadeiro swap da missão cultural do país. E pode parecer que não há ligação entre tudo isto, mas desenganem-se. Um povo que não detém ferramentas de avaliação e interpretação da realidade, faz más escolhas. Por exemplo, elege representantes do poder político que são o espelho da sua precariedade, da sua ignorância - porque esses não lêem muito mais. Não têm tempo para isso. Estão nas comissões disto e daquilo e a passar os olhos na revista de imprensa para ver se ficaram bem na fotografia.
Violência, porrada, baderna, quebra-pau, eu sou contra. Tou fora dessa. Mas esse negócio de sondagem em tempo real também não é coisa mole não, viu?
Começo seriamente a pensar que Portugal deseja sofrer. Quase não tenho dúvidas que Portugal tem o que merece. No rescaldo de um programa de televisão que ontem não vi, e das palavras discorridas por um senhor que não escutei, mas baseando-me na vox populi das redes sociais, posso concluir que este país está condenado. Está arrumado por não ter meios intelectuais para realizar a destrinça entre a arte de ludubriar e o valor substantivo das acções e palavras. O país parece cair que nem um patinho na sedução gasta de um vendedor de banha da cobra. Uma pessoa desprovido de nojo, das sensações que equipam os homens sensatos, uma condição simultaneamente profunda e cutânea a que chamamos consciência e que torna, os convictos caídos em si, caídos em desgraça - humildes e arrependidos. Chamemos-lhe "ser cristão", se quiserem. Nem a matriz católica do país parece servir para actos de constrição. Em vez disso temos erva daninha que cresce em redor do templo, da reserva. Apenas os indivíduos dotados de um super-ego podem atropelar sem hesitações os direitos dos outros, e julgarem-se os primeiros mesmo que já estejam derrotados. Parece que Portugal sofre de uma doença regressiva, uma especie de Alzheimer político e selectivo que oblitera o percurso negativo de um homem e que elogia a capacidade para arranhar quem quer que se lhe atravesse pelo caminho. O regresso às cavernas parece um dado adquirido - quando a população aplaude o espernear de um bicho ferido. O desempenho instantâneo e brutal tomou conta do país político. Os ganchos e os socos dados por cima e por baixo. Assistimos à potência hiper-ventilada de faladores desprovidos de ética, que demonstram os seus talentos em duelos absurdos, em concursos para ver quem consegue botar-abaixo mais vómitos, e ainda maiores indisposições. Os assistentes são como claques de mentecaptos que anulam a grande obra humana. O país requer urgentemente um movimento sem face, sem aparência, sem hábitos ou vestimentas. Os intelectuais que invocam a liberdade de expressão e a Democracia, podem também invocar outras emendas que não a quinta, para salvar o país. A esquerda caviar ou a direita esclarecida, culpadas por esta transmissão televisiva e igual número de eleições, pode sair do seu falso exílio, o paradigma de cocktails e cultura onde discutem justiça social en passant, em redor de uma mesa de politicamente correctos. E essa corja que diz que nada tem a ver com o estado em que se encontra o país, também tem um pouco do DNA do mesmo embuste. O desejo de uma vida glamour, de privilégio, de sobranceria intelectual, de Paris. O que se nos apresenta é um caso de psicose colectiva, um comportamento desviante praticado por uma larga maioria televisiva pouco interessada em política, mas muito dada a novelas. Estou raivoso, sim senhor.
Não sei se está escrito no manual de instruções da TVI. Não sei se está escrito na clausula contratual sobre conflitos de interesse. Mas não tenhamos dúvidas que a questão deontológica será colocada, se não preventivamente, certamente na sequência da cobertura da candidatura de Fernando Seara pela TVI e, designadamente, pela jornalista Judite de Sousa. São estas ligações político-mediáticas (não ponho o Futebol ao barulho) que suscitam ainda mais dúvidas no espírito do cidadão, toldado por pecadilhos atrás de pecadilhos do firmamento político nacional. Quando o Jornal Nacional abrir às 20 horas será que a Judite se vai referir ao candidato como "o meu Nando" ou "o candidato Fernando Seara"? Mesmo que não abra a boca, mas apareça em estúdio na TVI com um laço engraçado ao pescoço, a sugestão será imediata. A insinuação será instantânea. Que um dos jogadores foi ajudado pelo árbitro. Não há nada a fazer. Faz parte da natureza humana, seja boa ou má. O grau de parentesco ofuscará as mais brilhantes noções imparciais que a Judite de Sousa venha a proferir. A direcção de informação da TVI tem, a meu ver, que realizar uma reunião de emergência para aferir as várias dimensões desta relação de parentesco. Num quadro de normalidade ética, o adequado seria haver uma forma selectiva de nojo que determinaria a abstinência da Judite de Sousa sempre que o seu marido viesse à baila televisamente. Uma separação temporária e não um divórcio. Não me parece que seja esse o caminho que irão tomar. O tele-espectador sentir-se-ia respeitado e a TVI abriria porventura um precendente no que diz respeito ao comportamento dos media no capítulo das ligações perigosas. Se algum dos visados tiver um mínimo de decência, saberá recuar e prestará um serviço à já fragilizada Democracia Portuguesa. Esperemos para ver. Ou melhor, esperemos que não tenhamos de ver um triste filme que envolve vários corpos de influência. Ás oito, pontualmente na TVI.
Ainda há minutos num dos canais de notícias, não prestei a atenção a qual, mas vi um logo com um 24.
Um painel de comentadores - estava lá um Sr. Sande - trocava uns ditos acerca do recente anúncio da gravidez da princesa Catherine e um deles, "meio português, meio belga", entusiasmadamente falava das vantagens da Monarquia no Reino Unido e na Bélgica, o sentido de comunhão nacional, a unidade e tudo o mais que normalmente se diz. Mais ainda, estendeu o sentido de união a toda a Commonwealth, por estes dias muito feliz com o anúncio da chegada de mais um membro da Família Real.
Tudo estaria muito bem se logo de seguida não levantasse a voz e peremptoriamente declarasse ..."ah!, mas cá sou republicano, nada de confusões!"
Em Portugal é republicano, tal "deve ser" a capacidade de rastejar. Depois de uma série de mais de uma dúzia de nulidades, vigaristas, aldrabões e incompetentes belenenses e disto que por aí anda à espera do dia em que definitivamente se reformar com a devida pensão, o zeloso comentadeiro teima na estupidez e no preconceito. Não me digam que terá medo de perder o poleirozinho na tv?
Se as televisões se preocupassem tanto em corrigir os erros ortográficos como se preocupam com a aplicação do acordês, era um favor que faziam aos portugueses. Especialmente aos milhares de jovens que, além de confundidos com o acordês, pouco lêem e dão erros ortográficos gritantes. Ainda há dias ouvia alguém dizer que se não fechasse os olhos aos erros ortográficos, os seus alunos não concluíam o mestrado.
Leitura complementar: Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em curso; Contra a novilíngua do acordês; Contra a submissão ao estado moderno na forma do acordês, acordai portugueses!; Vários posts sobre o Acordo Ortográfico no Estado Sentido.
Alberto Gonçalves na mouche, E o vencedor é...:
"Será talvez irónico que a televisão, responsável pelas maiores atrocidades na história do entretenimento desde a mulher barbuda (correcção: incluindo a mulher barbuda), seja hoje responsável por algumas das produções mais sofisticadas do género. Antigamente o refugo do audiovisual, a televisão desatou a exibir maravilhas como The Wire, Dexter, Arrested Development ou The Office. Em compensação, o cinema já raras vezes ultrapassa o primarismo assumido da banda desenhada ou, o que é pior, o primarismo da banda desenhada com pretensões "artísticas". Os melhores leading men da actualidade, de Hugh Laurie a Michael C. Hall, de Dominic West a Kelsey Grammer, recorrem à televisão para fazer carreira e ao cinema, onde se subjugam aos Pitt e aos Clooney desta vida, para fazer dinheiro. É inegavelmente irónico que o cinema nunca tenha facturado as fortunas actuais, e que a sua celebração anual nunca tenha sido tão épica e mentecapta.
Mesmo em épocas de fartura qualitativa, os Óscares jamais se distinguiram pelo esclarecimento (é escusado lembrar que Hawks, ou Cara Grant não ganharam um único). Em época de escassíssima qualidade, os Óscares distinguem-se pelo ridículo: na falta de filmes, não faltam fitas. Claro que nem sempre o ridículo e as fitas atingem os píncaros de 2003, em que a cerimónia foi reduzida a uma manifestação contra a guerra no Iraque. A imagem de Michael Moore a pedir a Bush que tivesse a vergonha que ele, um charlatão milionário, obviamente não possui simbolizou os abismos de hipocrisia a que a coisa desceu. Mas a coisa desce com regularidade. Não há cerimónia sem um par de vedetas a promover as "causas" a que aderiram na semana anterior (ou, no divertido caso de Sean Penn, vinte minutos antes), de resto a matéria da maioria das misérias a concurso.
No dia seguinte, os media aplaudem a coragem das vedetas. No léxico contemporâneo, "coragem" é o que leva uma pessoa a defender ou criticar o que é defendido ou criticado por quase toda a gente. É lícito louvar o ambiente, o "pacifismo" e "Che" Guevara, ou caricaturar o evangelismo cristão, Margaret Thatcher e o senador McCarthy, um monstro que, embora morto há meio século, as valentes celebridades não cessam de combater. Na verdade, as celebridades só não combatem inimigos reais e realmente perigosos. Os limites do seu activismo definem-se pelas maçadas que o activismo lhes poderá trazer. Grosso modo, os limites são o Islão.
Parece que Sacha Baron-Cohen, criador de Borat, sentiu agora as interdições da famosa "academia", cujo convite para os Óscares estaria dependente da garantia de que o actor inglês não aproveitará o evento a fim de promover O Ditador, paródia de um deposto líder de um país muçulmano. Suspeito que a palavra-chave, aqui, é "muçulmano": com o Profeta e respectivos seguidores não se brinca. À hora em que escrevo, consta que a "academia" deseja afinal integrar a personagem de Baron-Cohen no alinhamento da noite, uma tentativa de controlar danos à qual Baron-Cohen cederá ou não. Inclusive, corre por aí que tudo se resumirá a um truque publicitário combinado por ambas as partes. Pouco importa. O importante é a mera plausibilidade da cautela, uma extravagância num mundo orgulhoso de desafiar interditos excepto o interdito que mata.
Recentemente, transtornados locais promoveram pequenas chacinas a propósito da queima de exemplares do Corão numa base militar americana no Afeganistão. Em geral, as chacinas ou as ameaças não carecem de pretextos tão ofensivos (e dispensáveis). Uma palavra, um rabisco ou uma rábula cómica bastam para suscitar a fúria de quem, na última década, decide o que é admissível no nosso comportamento. Por isso o nosso comportamento se resigna ao medo, uma irrelevância quando restrito ao grotesco circo de Hollywood, um perigo quando alargado ao Ocidente. Logo veremos se o medo voltou a vencer. Ou verão os que seguem pelo televisor a homenagem a este cinema e, até certo ponto, a este Ocidente resignado. A TVI passa os Óscares. Enquanto não vir uma vedeta enxovalhar o fanatismo que conta ou um bom filme premiado, eu também passo."