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Donald Trump nunca poderia ser um político português. Não seria agraciado nem tolerado. O conceito de estado de graça que assiste aos recém-chegados ao poder foi pura e simplesmente obliterado. A inversão é plena - entrou logo ao ataque. E começa pelos Estados Unidos da América. Assistimos, quer sejamos norte-americanos ou não, à concretização das piores das nossas expectativas. A censura oficial já é um facto consumado, instalado. Mas nada disto é novo. É pela máquina de propaganda e desinformação que começam. A perseguição vivida em regimes nacional-socialitas parece ser o template em que se baseiam. A senhora Kellyanne Conway representa o pior da América profunda. Mas não está só. Contaram-me há dias que os mais reaccionários dos EUA são os jovens que polvilham os campus das universidades, e não os desempregados. E isto é particularmente preocupante porque é esta falange que irá emprestar a sua energia e os seus "conceitos" ao futuro do país. Quero acreditar, porque é o que nos resta, que seremos testemunhas de uma revolução civil americana. A única virtude que consigo extrair do ambiente instalado, num país com profundas fracturas, é a emergência de diversas frentes de indignados. Existe uma tradição de protesto nos EUA. Pensem nas manifestações contra a guerra do Vietname, contra a segregação racial, contra a globalização e os efeitos nefastos da mesma sobre o ambiente. E existem mártires. Lembrem-se de Kennedy. Pensem em Martin Luther King. O que Trump vai provocar é a reacção desmedida que transcende os orgãos de soberania que pouco valem na sua cabeça e que ele julga que domina totalmente. O despedimento da Procuradora-Geral não vai chegar para demover aqueles que entendem o processo americano, a mescla e a promessa firmada no rompimento em relação aos senhorios coloniais e a esperança que resulta do mesmo. Tenho fé, que por linhas tortas, mas lamentavelmente violentas, a América dos nossos sonhos bons possa vingar o seu nome - a parte boa do seu nome. Por causa de Trump sou mais americano do que nunca, mas não pelas razões que ele invoca. Vim de longe. Ainda não cheguei.
A prisão por dívidas retornou a este belo pedaço de terra soalheiro. Aumentam-se as contribuições para o monstro e, depois, cereja no topo do bolo, prende-se quem não cumprir os ditames esbulhadores. Não é difícil imaginar o entupimento que isto irá provocar nos já de si profícuos e competentes tribunais. Perdeu-se completamente o descaro, e, por mais que alguns neguem, provavelmente refastelados na vida, a liberdade está por um fio. A liberdade de viver, de empreender e construir uma vida digna. O país faliu, end of story.
O homem-massa está a entrar em ebulição. O fim do modo de vida dissipador empoleirado no pastiche pequeno-burguês terminará em breve, disseminando os seus escombros por todo o lado. O universalismo democrático, que produziu este homem atomizado, e que fez, também, as delícias de tanta intelligentsia ignara, sucumbirá sob o peso da dívida interminável. E a liberdade? Eis a questão do milhão de dólares. O Miguel Castelo Branco descreveu bem a coisa, alertando para um problema que, bem vistas as coisas, é o nó górdio da questão: os homúnculos que compõem os modernos regimes democráticos são "gente igual, violenta e incontrolável, presa dos instintos, falando com os punhos." Acreditam que, nestas condições, a liberdade será defendida? Não me parece. Mais, acredito que o que vem aí será, em grande medida, um futuro liberticida. Com a suprema unção dos estatistas do costume.
Fernanda Câncio, ao espelho, como muito bem assinala o João Távora, diz que "O pensamento totalitário é aquele que define o mundo em função de certo e errado e aglutina tudo em função dessas categorias. É o pensamento de todas as tiranias, o que quer fazer desaparecer, sob o ferrete da desqualificação absoluta - geralmente da "imoralidade" - tudo o que o contrarie".
Refira-se que, no mesmo post, diz ainda que "Esta divisão da sociedade portuguesa em dois campos irredutíveis resulta na monstruosidade de transformar todos, a começar por aqueles que têm o especial dever de não o ser, em estrategas políticos".
Pois é. Pior do que transformar todos em estrategas políticos - conheço uns quantos com essa mania que são, no mínimo, risíveis, não passando de meros estrategas da pulhítica, nas palavras do Professor Maltez -, é a muito modernaça mania de que todos são politólogos ou filósofos políticos. É assim que acabam por cometer asneiras e confundir conceitos com a maior das leviandades.
Cara Fernanda Câncio, o pensamento que define o mundo em função de certo e errado é o pensamento maniqueísta. Depois, na acepção clássica, tirania é a forma degenerada de monarquia, i.e., para Aristóteles, a monarquia era a sã forma de governo de um só indivíduo em prol do povo, sociedade ou bem comum, enquanto a tirania seria o governo de um só indivíduo atendendo apenas ao seu próprio interesse. Quanto ao totalitarismo, é definido por tantas variáveis e factores e pode ser tão diverso, que mais vale recomendar-lhe um dos clássicos de Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo.
Contudo, lembrar ainda o também clássico Caminho para a Servidão, de Hayek, e recordar que qualquer sociedade que se paute por uma terceira via entre comunismo e liberalismo caminhará lenta e inexoravelmente para a servidão. E já um tal de Jacob Leib Talmon também teorizou sobre a democracia totalitária.
Isto tudo porquê? Porque tal como Fernanda Câncio se vê ao espelho, também ela vê Sócrates ao espelho, quando diz que : "É o pensamento de todas as tiranias, o que quer fazer desaparecer, sob o ferrete da desqualificação absoluta - geralmente da "imoralidade" - tudo o que o contrarie." Touché.
A ignorância tem cura. Poupar-nos às suas desastrosas incursões por domínios que não domina sequer de forma básica era um bom começo.
Entretanto, aqui fica o excelente comentário que Fernando Penim Redondo deixou ao post de Fernanda Câncio:
Em Setembro, ainda antes de se conhecerem os resultados das Legislativas, avisei (aqui) que o PS estava a abrir uma caixa de Pandora, e que pagaria um preço elevado pela publicação no DN do email clandestino contra Cavaco.
Para conseguir, in extremis, a vitória eleitoral acharam muito bem que se publicasse um email clandestino, que apenas continha a opinião do seu autor contra o Presidente, e que descrevia uma alegada tentativa algo canhestra de um assessor para plantar uma notícia no jornal Público.
Na altura o caso foi pretexto para uma campanha mediática que recorreu a todos os exageros e que arrastou o nome de Cavaco pela lama. Esses que então semearam ventos queixam-se agora das tempestades.
Agora acham mal que se publiquem conversas telefónicas, cuja escuta foi ordenada por um juiz, e que mostram uma autêntica conspiração para subverter, com suporte directo ou indirecto de dinheiros públicos, grupos inteiros de comunicação social.
Agora já invocam o direito ao bom nome, que antes não respeitaram, e o recato da privacidade, que antes subordinaram ao "interesse público".
É uma incoerência completa. É caso para dizer que têm o que merecem.