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A política tem o condão de revelar a ausência de humanidade dos proponentes. O que mais chocou na intervenção do primeiro-ministro António Costa não foram os enunciados sobre políticas florestais nem a ausência de um pedido formal de perdão às famílias das vítimas. Para além da racionalidade intransigente existe algo que é captado instantaneamente pelos destinatários de mensagens. É uma frequência de onda que não se detecta nas frases. É uma vibração que não passa na lógica. Refiro-me ao olhar empático que transcende a política, a ideologia, o poder, os partidos e as convicções - trata-se de humanidade, mais nada. Se prestarmos atenção ao perfil de António Costa não sentimos na sua alocução o estado embargado da alma, a sinceridade no olhar que alcança onde mais nada chega. E Portugal regista em simultâneo o exercício de duas figuras de proa que se encontram nos antípodas desse espectro afectivo-racional. Numa extremidade da régua temos o presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa que se manifesta nessa toada de emoções e sentimentos que o traiem no excesso - uma forma de estar que oblitera a capacidade crítica objectiva, obrigatória. No extremo oposto do espectro encontramos António Costa que é incapaz de manifestar o sentimento que vive fora da casa política. Assistimos ontem, incrédulos, ao debitar de axiomas de indução lógica. Faltou-lhe a intuição. Faltaram-lhe os instintos. Nem por um momento sequer sentimos a vulnerabilidade que deveria resultar dos eventos trágicos que devastaram Portugal. Foi essa frieza, comparticipada pela ministra da administração interna Constança Urbano de Sousa, que colidiu com a natureza solidária e sofrida dos portugueses. Os portugueses sentiram o terror dessa ausência. Viram o vazio do olhar. O lider que deveria guiar a nação é incapaz de se conectar para além da sua condição política. António Costa demonstrou os limites funcionais do seu perfil. Provou a sua tecnocracia quando o que o povo de Portugal necessitava era de algo à escala de alguém que também deve saber assumir a sua fragilidade, a sua insuficiência. Se essa aura existisse e fosse sentida, dispensaríamos o conceito de demissão, a perseguição seria de outra natureza. A responsabilidade política passaria a ter contornos distintos, próxima da agregação emocional, da tribe de inválidos, da comunidade de humildes que se remete ao silêncio, à prece das cinzas. António Costa deveria ter sido pequeno nessa hora fugaz que perdura e viverá na eternidade, na memória colectiva.
Os promotores do magistério intocável do luto podem transmitir às famílias das vítimas que o sistema de comunicações SIRESP provavelmente falhou e que alegadamente resultou na morte trágica dos seus parentes. Não existe árvore criminosa nem trovoada delinquente que possa ilibar a responsabilidade de políticos desprovidos de sentido ético. O luto, interpretado por todos menos os próprios inflamados, deixou de ser de pesar. O luto é indignação. O luto é raiva. O luto é exigir responsabilidades. O luto é pedir demissões. O luto não é um alibi para encapotar as verdades. O luto não é atribuir a culpa à natureza feroz. O luto não é silenciar aqueles que defendem a reserva natural da verdade e respectivas consequências. Não querem assumir a SIRESPonsabilidade? Deveriam ter vergonha na cara. Todos eles. Os governantes do passado, do presente e provavelmente do dia de amanhã. Em vez disso colocam paninhos quentes no eucalipto queimado.
Qual o continente com mais elefantes? O de Matosinhos.
Qual o partido com mais dinossáurios? O do Rato.
Ando há 10 anos a insurgir-me contra várias situações ilegais, ilícitas ou injustas. Primeiro na escola, depois na universidade, mais recentemente em relação a partidos políticos e à actuação de governos e da administração pública, várias vezes recorrendo ao instrumento da denúncia pública. Algumas destas situações até foram bastante badaladas, como a denúncia relativa à actuação do governo PS na primeira edição do PEPAC, a denúncia quanto ao funcionamento da FCT na atribuição de bolsas de doutoramento e, mais recentemente, esta que hoje o Público divulga, em relação ao teste de cultura geral para a admissão à carreira diplomática. Às vezes chego a perguntar-me se sou eu que atraio este tipo de situações, pois que já aconteceu vislumbrar, ainda à distância, o que vai acontecer e como isso vai obrigar-me a fazer algo. É certo que a procura da justiça está inscrita na minha alma, mas recuso-me a assumir qualquer papel de paladino. O mundo já está cheio destes - embora normalmente recusem olhar-se ao espelho e reconhecer os seus próprios falhanços morais. Se algum dia me perguntarem por que me dou ao trabalho, responderei apenas que estava aborrecido. Parece-me uma motivação tão boa como qualquer sentimento de revolta, além de ter mais piada e permitir aliviar o estado de espírito de quem se dê ao trabalho de me ler ou ouvir. Afinal, como assinalou Chesterton, há que manter a comicidade em face de qualquer tragédia.
G. K. Chesterton, via The Imaginative Conservative:
«The comedy of man survives the tragedy of man. Always be comic in a tragedy. What the deuce else can you do? He is a [sane] man who can have tragedy in his heart and comedy in his head. An inconvenience is only an adventure wrongly considered; an adventure is an inconvenience rightly considered. Man must have just enough faith in himself to have adventures, and just enough doubt of himself to enjoy them.»