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Antes de mais, permitam-me pedir desculpa ao Carlos Santos e ao Corcunda por só agora conseguir responder a ambos. Aqui fica:

 

1) O Corcunda aponta que o agnosticismo "Esquece que nos apoiamos na fé para conhecer tudo o que nos rodeia", dando exemplos de fenómenos físicos, químicos e biológicos, que outrora foram tidos como verdadeiros, assinalando de seguida que "Sem a certeza de um ponto exterior, sem a presunção de uma ordem exterior de referência (e a verdade não é mais que o confronto do ser racional com um Ser que não é o seu), toda a discussão é meramente contingente (…)", o que vai no sentido da afirmação do Carlos de que "Se a Verdade existe então, para além do humano, o Absoluto tem também de existir." Temos, portanto, que a verdade é absoluta. Ora, há uma contradição lógica nisto: se a verdade, aqui entendida como divina e, portanto, decorrente da fé, é absoluta, como podem acepções tidas como verdadeiras ter sido contestadas e refutadas?

 

2) O ponto anterior leva-me novamente a perguntar de que verdade falamos em concreto? Porque não é a mesma coisa falar de verdade em teologia, filosofia ou ciência, embora existam, obviamente, pontos de contacto.

 

3) Afirma o Corcunda que "Uma religião que tem uma finalidade social é um código político, ou seja, um mero instrumento do Poder". Se uma religião não tem uma finalidade social, então que finalidade tem? Parece-me que não só toda a religião tem uma finalidade social como foi e continua a ser um instrumento do poder. Não quer dizer que seja apenas isto, mas é também isto. O que vai ainda de encontro à crítica do Carlos quanto à abordagem utilitarista à religião. A este respeito, com a devida autorização, aproveito para citar um comentário que a Silvia fez no Facebook: «Uma abordagem utilitarista da religião é uma abordagem muito válida e não concebo como pode recursar-se. Religare para alcançar a felicidade, a paz interior, o Amor universal – que é isto se não uma abordagem utilitarista? A religião é a estrada do mundano ao transcendente. Não só assume uma abordagem utilitarista nessa perspectiva (da prática individual da religião) como assume uma abordagem utilitarista no colectivo social, da procura do bem-estar pela regulação da ordem social a que a religião, desde o início dos tempos, não é alheia, como sabemos. E isto na abordagem utilitarista que não radica, como alguma parte do texto parece indicar, na utilidade (abordagem utilitária) em sentido lato. Se bem que, também aí, devo afirmar que a religião tem efectivamente uma utilidade – ou várias – controlo social, fonte de direito, and so on. Por isso está a religião organizada devidamente nas suas instituições onde pululam os ritos e outras acções simbólicas de ligação ao divino. São meios, meios que utilizamos. A estrada do religare.»

 

4) Como é que se justifica algo como justo ou injusto sem que seja meramente reflexo do poder? Através do direito natural, da razão prática em ligação com a noção de tradição e evolução cultural e do imperativo categórico kantiano.

 

5) Em resposta ao ponto 6 do Corcunda e à perspectiva do Carlos quanto à antropomorfização da Vontade Divina, quando eu falo nesta é no sentido que Hayek lhe dava, conforme Linda Raeder assinala: "Por outras palavras, ele temia que a atribuição da fonte de ordem à Vontade Divina pudesse levar à interpretação antropomórfica dessa Vontade como a “vontade da sociedade” (que tem, na realidade, de ser a vontade de seres humanos em particular) e inspirasse esforços equivocados para controlar o processo social espontâneo através da direcção consciente. Isso, acreditava, seria fatal não só à vontade humana mas à sobrevivência da civilização avançada." Coloco um exemplo prático: George W. Bush disse falar com Deus e que este lhe ordenou que invadisse o Iraque. Saddam Hussein também acreditava em Deus e, como muitos muçulmanos, que Alá lhes ordena que combatam os EUA. Como é possível a existência de duas verdades contrárias com justificações transcendentes? 

 

6) Diz o Corcunda, num comentário: "Se alguém diz que tem a certeza que Deus não existe, é porque tem uma visão do além e conseguiu vislumbrar aí o Vazio (...)." Da mesma forma, se alguém diz que tem a certeza que Deus existe, é porque tem uma visão do além e conseguiu vislumbrar aí algo. E eu simplesmente não consigo conceber nenhuma destas posições.

publicado às 18:12

Algumas Questões

por o corcunda, em 10.06.12

Sobre este texto do Samuel:

 

1) Uma religião que tem uma finalidade social é um código político, ou seja, um mero instrumento do Poder. Se se aceita isso, nunca mais poderás dizer que algo é justo ou injusto, porque a justiça é apenas reflexo do Poder. Tocqueville, p.ex., vê no Cristianismo uma verdade transcendente que tem utilidade social. E tu estás a afirmar a primazia desse papel social, face ao Transcendente, o que implica uma subordinação do padre ao sociólogo. Isso é positivismo puro e incompatível com a fundamentação do liberalismo que defendes...


2) A modernidade não matou Deus. Foi a pós-modernidade. A modernidade de Locke a Kant está cheia de Deus, de um Deus que possibilita o progresso (individual e colectivo) que é tão patente no vitorianismo e na obra de Hayek. Nenhuma dessa modernidade ousou afirmar que haveria uma independência entre o Homem e Deus, ou que o segundo fosse subproduto do primeiro.


3) Esse vitorianismo foi uma forma de fundamentalismo sem fundamento. Sem transcendência divinizou os "mores" sociais (vide penas sobre a homossexualidade ou mendicidade) utilizando o aparato de Poder para perpetuar "manners not morals". Foi certamente mais repressivo moralmente que toda a Idade Média, com os seus filhos bastardos e liberdade para o pecado socialmente irrelevante.


4) Essa visão que tens em relação à verdade e expuseste em "Não creio que a modernidade tenha transformado a verdade numa percepção humana, creio que sempre o foi" é radicalmente incompatível com os teus pressupostos liberais políticos e económicos, uma vez que um pós-moderno não pode ser defensor de visões protestantes ou deístas. Como sabes melhor que eu, o fundamento de Hayek para a liberdade repousa na concepção de que a melhor (um termo qualitativo) forma política é revelada através do sucesso material, ou seja, presume uma transcendência protestante, incompatível com essa visão. Até porque se a consciência empírica fundamenta a liberdade, temos de aceitar também a boa-fé dos que não aceitam a liberdade. A circularidade do argumento é evidente e demonstra que nesta formulação não há possibilidade de fundamentar o que seja.

 
5) Como verás, o texto a que te referes não é uma apologia do Cristianismo. E portanto o argumento do agnosticismo ser mais antigo que o Cristianismo não tem razão de ser. O que sabemos é que a definição de uma Verdade em Sócrates (de Platão) conduziu a uma concepção religiosa monoteísta (a Ideia do Bem) e a aceitação de que a Verdade não é um artefacto humano (o diálogo com Trasímaco). O oposto do que afirmas. O que significa que a dúvida socrática tem uma fé que a fundamenta. Essa fé é em algo que é exterior ao homem e constitui a referência para este! Algo radicalmente incompatível com essa concepção humanizante da verdade. Mesmo o cepticismo presume que se pode atingir uma verdade externa ao Homem. A tua posição não é céptica, mas sofística.

 

6) Nas últimas linhas fazes uma profissão de fé na tua concepção, acreditando que a mesma toca a transcendência. Mas como? E não podemos fazê-lo todos? Hitler acreditava firmemente nisso. E também na verdade como produto humano e num conjunto de máximas morais. Se não há nada de transcendente na posição dele, o que é que a distingue da tua?

publicado às 15:07

A diferença entre religião e credo (Igreja)

por Samuel de Paiva Pires, em 28.02.12

Carl Gustav Jung, The Undiscovered Self:

 

"The religions, however, teach another authority opposed to that of the “world.” The doctrine of the individual’s dependence on God makes just as high a claim upon him as the world does. It may even happen that the absoluteness of this claim estranges him from the word in the same way he is estranged from himself when he succumbs to the collective mentality. He can forfeit his judgment and power of decision in the former case (for the sake of religious doctrine) quite as much as in the latter. This is the goal the religions openly aspire to unless they compromise with the State. When they do, I prefer to call them not “religions” but “creeds.” A creed gives expression to a definite collective belief, whereas the word religion expresses a subjective relationship to certain metaphysical, extramundane factors. A creed is a confession of faith intended chiefly for the world at large and is thus an intramundane affair, while the meaning and purpose of religion lie in the relationship of the individual to God (Christianity, Judaism, Islam) or to the path of salvation and liberation (Buddhism). From this basic fact all ethics is derived, which without the individual’s responsibility before God can be called nothing more than conventional morality.

 

Since they are compromises with mundane reality, the creeds have accordingly seen themselves obliged to undertake a progressive codification of their views, doctrines and customs and in so doing have externalized themselves to such an extent that the authentic religious element in them – the living relationship to and direct confrontation with their extramundane point of reference – has been thrust into the background. The denominational standpoint measures the worth and importance of the subjective religious relationship by the yardstick of traditional doctrine, and where this is not so frequent, as in Protestantism, one immediately hears talk of pietism, sectarianism, eccentricity, and so forth, as soon as anyone claims to be guided by God’s will. A creed coincides with the established Church or, at any rate, forms a public institution whose members include not only true believers but vast numbers of people who can only be described as “indifferent” in matters of religion and who belong to it simply by force of habit. Here the difference between a creed and a religion becomes palpable.

 

To be the adherent of a creed, therefore, is not always a religious matter but more often a social one and, as such, it does nothing to give the individual any foundation. For support he has to depend exclusively on his relation to an authority which is not of this world. The criterion here is not lip service to a creed but the psychological fact that the life of the individual is not determined solely by the ego and its opinions or by social factors, but quite as much, if not more, by a transcendent authority. It is not ethical principles, however lofty, or creeds, however orthodox, that lay the foundations for the freedom and autonomy of the individual, but simply and solely the empirical awareness, the incontrovertible experience of an intensely personal, reciprocal relationship between man and an extramundane authority which acts as a counterpoise to the “world” and its “reason.”"

publicado às 16:21

Da auto-transcendência em Nietzsche

por Samuel de Paiva Pires, em 15.01.12

Roger Scruton, Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes:

 

«Foi Max Stirner quem anunciou ao mundo, em 1845, que Deus está morto. Repetindo o obituário em Assim Falou Zaratustra, Nietzsche deu-se perspicazmente conta de que a espécie humana acharia duro viver com as notícias e, por conseguinte, que algo devia ser oferecido como consolação. Se não há um ser transcendental, sugeriu ele, só podemos ir ao encontro das nossas aspirações por auto-transcendência, pela dominação da natureza humana, na versão superior e mais forte dela, que é o Übermensch. Uns quantos discípulos tentaram seguir o conselho de Nietzsche, com resultados por regra tão desagradáveis para outros que foi a própria tentativa que se descredibilizou. O mínimo que se pode dizer é que, se se é um Übermensch, é melhor manter o silêncio sobre esse dado. De facto, a moral da auto-transcendência de Nietzsche mostra o sentido da religião para seres como nós: a fé é um triunfo supremo sobre a nossa solidão transcendental; sem ela, ou fazemos dessa solidão uma virtude, como fez Nietzsche, ou vivemos num nível menos exaltado. O anúncio da morte de Deus é menos uma declaração sobre Deus, do que uma declaração sobre nós.» 

publicado às 15:04






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