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Territórios habitados desde o Drang Nach Osten por populações alemãs há mais de sete séculos, a região dos Sudetas, a Silésia, a Pomerânia e a Prússia Oriental foram esvaziadas dos seus proprietários pelos acordos celebrados entre as potências vencedoras da II Guerra Mundial.
Apesar da inicial repugnância do governo polaco no exílio (Londres), a Polónia ocupada pelo Exército Vermelho, foi obrigada a aceitar as novas fronteiras ditadas por Estaline, o que pressupunha uma deslocação em direcção ao ocidente. Impune da partilha celebrada com Hitler em 23 de Agosto de 1939, a URSS ocupou uma vasta região que desde a Finlândia ao Mar Negro, lhe ofereceu vastos territórios e populações não russas, cumprindo-se o desígnio estratégico de futuras intervenções na Europa Central e balcânica. Consequentemente, a indiferença total pelos direitos das populações e pela própria Carta do Atlântico que daria origem à ONU, encetou uma política de desapossamento de terras com a clara intenção de uma posterior colonização com elementos étnicos mais conformes com a necessária fidelidade a Moscovo. É assim que os países bálticos verão alterada a componente étnica de cada um, com o estabelecimento de grandes contingentes russos que hoje ainda são um elemento desestabilizador a favor da política do regime de Putin. Aos assumidos morticínios da população civil alemã do leste do Reich, seguiu-se a limpeza étnica que o novo governo vassalo em Varsóvia, gostosa e brutalmente seguiu contra toda a legalidade estabelecida pela própria lei internacional gizada pelos vencedores.
O caso checo não foi diferente. Violações, roubos e assassinatos indiscriminados contra os alemães da Boémia e da Morávia, fizeram desaparecer uma população que durante séculos contribuiu poderosamente para a prosperidade daquela antiga região do império austríaco.
Não foram apenas os alemães o alvo das perseguições, morticínios, violações de direitos básicos e roubo. Húngaros, italianos, romenos da Moldávia, ucranianos, polacos dos antigos territórios do leste da Polónia pré-1939 ou os finlandeses da Carélia, sofreram as consequências da Nova Ordem ditada pela União Soviética, com o beneplácito das sempre ignaras e desinteressadas administrações norte-americanas de Roosevelt e dos seu herdeiro Truman.
O chamado Tratado de Lisboa, o desesperado sofisma para garantir alguma viabilidade a um projecto que apenas poderá ser comum para uns tantos, concedeu aos checos, excepções que desmentem cabalmente o princípio igualitário da Lei, sempre tão anunciado como a essencial base de construção de uma União que se desejaria forte e onde a equidade se sobreporia sempre ao livre arbítrio da prepotência.
A cedência diante da chantagem de Praga e também de Varsóvia, somada ao deplorável exemplo exercido contra os dinamarquesas e mais recentemente sobre a Irlanda, desmente todo o desfiar do rosário de boas intenções. Pior, mina indelevelmente pela desonra, a Comissão Europeia, o Parlamento de Estrasburgo e os governos do verdadeiro directório que não soube ser firme na primordial e indiscutível questão dos Direitos Humanos.
Os portugueses foram há três décadas, os protagonistas da maior deslocação de populações europeias desde o fim da II Guerra Mundial. Em silêncio, como é timbre da nossa pacata gente, aceitámos a afronta e todos os dias ainda deparamos com os arrogantes sátrapas e carrascos que contra toda a legitimidade nos fizeram aceitar o bafo dos "novos ventos da história", sob pena do total abandono e mais que provável desaparecimento do mundo dos vivos.
Durante mais de um século e aqui mesmo ao lado, os portugueses de um determinado território viram-se despojados dos seus direitos nacionais, sendo-lhes interditado o ensino da sua língua pátria. Desenraizados e separados pelo abismo cavado pelo ocupante, os oliventinos conservaram os nomes, as velhas recordações. Cuidam dos seus antigos monumentos que ainda ostentam as pedras de armas do Estado que os fez erguer perpetuamente. Deixaram de ser uma parte dos povos de expressão portuguesa, é certo. No entanto, ao contrário de outros, permaneceram nas suas casas e terras. A tradicional brutalidade castelhana não chegou ao ponto de os fazer desaparecer fisicamente.
A partir deste "caso checo", deixemo-nos de ilusões. A Europa mais não é senão um enunciado de boas intenções e prometidos negócios que conduzirão ao previsível fracasso final. Trata-se de uma mera questão plutocrática.
Como última nota, saliente-se a presteza com que o Estado português colaborou nesta decisão. Compreende-se.
O Luís Naves diz tudo o que há a dizer. Uma análise desapaixonada e realista:
"Apesar do referendo irlandês não passar de uma palhaçada patética, penso ser uma excelente notícia a ratificação pela Irlanda do Tratado de Lisboa (que parece iminente).
Em Portugal, sobre este tema, julgo haver pouca opinião desapaixonada. Na realidade, o Tratado acelera o processo de integração e cria condições favoráveis para a União Europeia funcionar em momentos de crise.
O novo Tratado altera o equilíbrio institucional e aproxima o processo de decisões dos cidadãos, simplificando regras bizantinas. Ao dar mais poder à Alemanha e ao limitar as possibilidades de bloqueio por uma coligação de pequenos, o documento permitirá que se desenvolvam novas políticas comuns. O mecanismo melhorado das cooperações reforçadas viabiliza as áreas da defesa e segurança, ao mesmo tempo que a possibilidade de expulsão assegura o bom comportamento de todos os membros.
A qualidade da presidência fixa dependerá da primeira escolha para o cargo e o parlamento terá novos poderes, mas a arquitectura política da UE fica nítida e torna-se mais eficaz.
Falta remover alguns obstáculos para a entrada em vigor do tratado, mas julgo que a UE (tal como a conhecemos) evitou a sua fragmentação em círculos concêntricos. Sem este Tratado, alguns países iriam avançar com uma UE de patamar mais elevado e Portugal corria o risco de ficar fora deste núcleo.
No futuro, o grande desafio será tornar a organização mais transparente e democrática, para que as pessoas votem em eleições europeias e possa realizar-se um referendo europeu.
Outro desafio para as potências será o de dar verdadeiros poderes à UE, permitindo um orçamento mais robusto."
A magna reunião de chefes da cada vez menos União Europeia, decidiu obrigar a Irlanda a repetir o referendo ao Tratado de Lisboa. Confirma-se assim, aquilo que há meses dissemos quando da rejeição popular da primeira tentativa de ratificação. Os irlandeses serão forçados coercivamente a ir às urnas, até o resultado ser favorável aos desígnios de gente dificilmente identificável, uma vez que estas metas são traçadas não por Estados que partilham um projecto comum de progresso, mas por interesses muitas vezes divergentes da própria lógica da União.
Sem um único estadista de referência - daqueles que a Europa sempre teve em todas as épocas da sua já longa história -, o abuso e a falta de respeito para com as populações banalizaram-se. Nem sequer mencionar o caso português, no continente não temos alguém que de longe ombreie com Carlos Magno, Richelieu, Luís XIV, Maria Teresa, Pitt, Metternich ou Bismarck. Até os controversos de Gaulle, Adenauer, Kohl e Mitterrand nos parecem hoje, poucos anos decorridos após o fim dos seus mandatos, como protagonistas de uma idade de ouro de uma Europa que parecia ter um futuro e um rumo. Toda esta prepotência e errância à procura de recursos financeiros cada vez mais escassos, conduz a uma desesperada tentativa de tudo esmagar pelo rolo compressor da uniformização prevista pelos gabinetes de Bruxelas. Perde a democracia e perde a credibilidade desta comunidade já mais que cinquentenária, cada vez mais parecida a um velho trust de outros tempos.
A falta de visão acerca da realidade perigosa em que hoje vivemos e o encolher de ombros perante a evidência do descontentamento, parece ter-se tornado norma na já complexa teia de contradições em que se atola a UE. Com o poder a ameaçar cair na rua em Atenas e existindo claros indícios do alastrar deste tipo de "movimentos" a outros países, corremos sérios riscos de um inverno anormalmente quente. Os episódios de desobediência civil vão subindo de intensidade e os governos não encontram uma resposta eficaz para os debelar. Sem poderem refugiar-se num aumento de produção de matérias primas - os europeus não as têm -, continuará a escassear o dinheiro necessário para mitigar a insatisfação. Até onde a raiva poderá chegar, isso ninguém pode prever.
A recusa do presidente polaco em assinar a ratificação do Tratado de Lisboa, é um evidente sinal da necessidade de repensar a construção da União Europeia. O federalismo que surge implícito no documento e a clara intenção dissolutiva das pequenas identidades nacionais em espaços político-étnico-económicos mais consentâneos com os interesses do directório dos cinco, encontra uma resistência que devia ter sido considerada como inevitável.
O caso polaco é paradigmático. País situado entre dois gigantes que disputam a supremacia continental - a Alemanha e a Rússia -, encontra no atlantismo a garantia da sobrevivência da plena autonomia que ao longo dos últimos duzentos e cinquenta anos, têm sido intermitente. Após as partilhas celebradas pela Prússia, Áustria e Rússia e a obtenção da independência no rescaldo da I Guerra Mundial, a Polónia viveu sempre na incerteza das suas fronteiras. Em 1919, os patriotas reivindicavam a plena restauração do conjunto territorial anterior aos esbulhos, mas a realidade imposta pela própria construção de um Estado viável, concedeu-lhe um espaço menos relevante, mas de desmesurada extensão e de uma composição étnica heteróclita, onde as minorias nacionais - alemãs, russas, ucranianas ou lituanas - olhavam para lá das fronteiras daNova Polónia, vislumbrando o dia de retorno ao convívio das respectivas pátrias mãe. O resultado das conferências Aliadas de Teerão, da Crimeia e de Potsdam, consistiu sobretudo, no dilema que durante anos se colocou à coligação anti-alemã, pois a Polónia tinha que ser restaurada na sua plena independência. Embora os britânicos contemporizassem com os desígnios do governo polaco no exílio (Londres) - o regresso às fronteiras de 1939 -, os soviéticos tornaram clara a intenção de manter os territórios bielorussos e ucranianos que o pacto Ribbentrop-Molotov outorgara à URSS. A solução consistiu na atribuição de todo o leste da Alemanha à reconstruída Polónia. Estes procedimentos compensatórios desde sempre foram considerados com a naturalidade imposta pelo maquiavelismo da realpolitik dos vencedores, mas o que se tornou inédito, foi o sistema adoptado para a transferência da Silésia, Pomerânia e sul da Prússia Oriental para a administração polaca. Mais de sete milhões de alemães foram sumariamente expulsos do seu património ancestral - tal como ocorreu nos Sudetas -, num processo de total limpeza étnica que não se diferenciou muito do gizado plano do Drang nach Osten das autoridades do III Reich. O presente envenenado que os polacos foram obrigados a aceitar, continua a ser uma permanente e irritante questão de insegurança e incerteza, pois não se trata de uma aquisição de um território de além-mar. Muitos daqueles que nasceram e viveram no leste alemão, são hoje anciãos e não pretendem decerto qualquer aventura agressiva de restituição, mas o simples facto - que os polacos intimamente reconhecem - da possibilidade de uma simples passagem da fronteira para uma visita a antigos lares e lugares de um passado talvez nostálgico para muitos, não é tranquilizadora. A Silésia e as outras províncias não se situam na Micronésia ou na África austral. O presidente polaco disso tem plena consciência, assim como deve saber pesar devidamente o grande poder económico da Alemanha, talvez o verdadeiro e único motor da U.E., de quem a Polónia muito depende. Assim, a constante aproximação aos EUA não será decerto uma fase a ultrapassar pela política externa de Varsóvia. O inverso será mais previsível e ainda pode reproduzir-se noutros Estados recentemente subtraídos à suserania de Moscovo, como os países bálticos e a própria Ucrânia.
Os diversos artifícios - habilmente apresentados como ligação natural - a que os nossos vizinhos periodicamente nos submetem à apreciação do El Dorado ibérico, nada são se os compararmos com a realidade potencialmente explosiva das permeáveis e inseguras fronteiras do leste.
Sarkozy pode protestar e Barroso pode perder a paciência. Em vão, pois a Polónia não é Malta nem o Chipre. Conhece bem os riscos que o futuro lhe reserva e procura viver uma existência emprestada por uma compensação que não desejou mas à qual teve que se vergar, sob a mira dos canhões dos T-34 de Estaline e da pura irresponsabilidade e ignorância do presidente Roosevelt e da sua administração.