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Foi o Miguel Somsen que nos alertou para o cambalacho dos Correeiros. O tal restaurante que alegadamente baralha as ementas e o preço da Gamba à Guilho (de Guilhotina, não relacionar com Ajillo) apresentando bandeiradas finais na casa das centenas de euros. Mas a culpa não é apenas dolosa. O estabelecimento de restauração soube interpretar o comportamento das nossas sociedades. Observou cuidadosamente e registou o seguinte: ninguém lê. O nativo ou o turista esfomeado deixaram pura e simplesmente de ler. E o smartphone que acumula tarefas e omite a presença de espírito é uma invenção genial, é mesmo para iletrados, pelo que se pode concluir que o mentor do Made In Correeiros deve ser um homem das artes e das letras - a arte da decepção e da letra miúda da ementa. No entanto, as vítimas do engodo apenas repararam devido à escala de valores em causa. Diariamente, aqui e acolá, somos vítimas da gula desmesurada (desmesurada? que redundância!) de agentes de restauração, bares e afins. Faz parte da matriz comercial portuguesa comer o cliente à primeira. Ou seja, pouco importa que regresse de um modo fiel e continuado. Mas este jogo de oportunismo sairá caro. Quando a febre turística baixar, e o excesso de procura acalmar, far-se-á a distinção. A destrinça entre aqueles que praticam uma fé comercial digna e genuína, e aqueles que confeccionam a aparência gourmet da banana confitada pelo chef homónimo que se encontra na cozinha a inventar. No final ambos terão o que merecem. Os que aliciam e os que se deixam enganar. Quanto a mim, conheço verdadeiros templos gastronómicos em Portugal que ostentam a nobreza dos pratos e a adequação dos preços. Sei onde se encontram, mas não digo. Se não estragar-me-iam as tascas.
Portugal é um país contraditório. Preso por ter e não ter cão. Há escassos anos lamentava-se que o sector do Turismo não estivesse a ser aproveitado em todo o seu esplendor. Faz-me espécie que alguns departamentos de uma Esquerda iluminada demonstrem o seu desagrado pelo facto dos encantos de Lisboa terem sido descobertos por essas hordas de turistas delapidadores da identidade nacional. Já havíamos tido a ocasião de escutar Catarina Portas dissertar sobre o arrastão de expressão brejeira da oferta turística na Baixa. Pois é. Nem todos os comerciantes tiveram acesso a certos privilégios de concessão, entre outros favores de difícil qualificação. As vozes que referem a perda da virgindade da identidade nacional, ecoam de palanques esquerdinos que roçam o nacional-proteccionismo. Em época de vagas magras, o Turismo tem sido o farol de vigor económico. É natural que estejamos a assistir a um processo de ajustamento. Existem sempre dimensões na oferta que têm de ser afinadas, mas isso faz parte da passagem a um outro patamar de desenvolvimento. A mentalidade tem, desse modo, de acompanhar os novos tempos. Ninguém disse que a procura acrescida que se regista seria desprovida da evidência das limitações que se apresentam. O quadro maior é que interessa. Portugal é um destino de eleição para milhões de turistas. Mas deixem-me vos contar uma pequena história. Em 1979, quando chegámos a Portugal, mais concretamente ao interior do Algarve, o meu pai, um homem que já havia vivido nos quatro cantos do mundo, ficou rendido a um néctar da região. Sem meias-palavras o meu progenitor reconheceu as virtudes excepcionais de um produto local. Na sua opinão essa pomada era muito melhor que a Grappa italiana ou a Aquavit escandinava. Sim, falo de Medronho. Sem contemplações e ainda com o bafo quente no palato, o meu pai escreveu ao Embaixador de Portugal em Washington a exultar as qualidades daquele licor. E perguntou: por que razão o Medronho ainda não era um produto com expressão mundial, ao que respondeu o Sr. Embaixador - a quantidade produzida artesanalmente não era suficiente para conquistar mercados, ao que o meu pai retorquiu: melhor ainda. O preço do litro terá de ser proporcional - ou seja - alto, muito alto. Não sei se me faço entender, mas esta imagem serve para ilustrar o manancial excepcional de que Portugal dispõe. Veremos que impacto os turistas terão na economia num sentido estruturante e profundo. Mas mais importante do que passageiros de ocasião, serão os nativos que terão de interpretar de um modo assertivo o quadro que se lhes apresenta. A meu ver, está cá tudo. Falta apenas aproveitar estes tempos de sufrágio. Os turistas votaram. E Portugal foi eleito. Bravo.