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Contra a utopia libertária

por Samuel de Paiva Pires, em 09.09.16

utopia dystopia.jpg

 

 

Platão afirma que da liberdade absoluta nasce a tirania e Hobbes salienta que nesse estado dá-se a guerra de todos contra todos, enquanto Popper acrescenta que é nesse estado que os fortes escravizam os fracos. Hayek assinala que a permissão de fazer coisas específicas não é liberdade, embora possa ser chamada de "uma liberdade", e que a liberdade é compatível com a proibição de fazer coisas específicas, embora não exista se for necessária permissão para fazer a maioria das coisas que se possa fazer. O mesmo Hayek não perdeu tempo com a teoria do contrato social, a teoria que para Hegel, citando Scruton, "é intoleravelmente ingénua", dado que “Tenta construir as nossas obrigações políticas somente alicerçadas no modelo das relações consensuais. Mas a vida política é uma coisa complexa, com muitos níveis de obrigação,” devendo ser distinguidas as obrigações que podemos escolher livremente, ou seja, as da sociedade civil, daquelas que não podemos, como as que temos em relação à família. Por isso, de acordo com Hegel, “não existe qualquer perspectiva coerente do Estado que não considere a nossa obrigação em relação ao Estado como não escolhida e herdada."

 

Conservadores como Burke, Oakeshott e Scruton sublinham a importância do património cultural e institucional que herdamos e transmitimos às gerações seguintes, ou seja, a tradição, que comunitaristas como Alasdair MacIntyre e Charles Taylor consideram essencial à identidade de cada comunidade. Os comunitaristas reagem às ideias de Rawls, contestando a concepção individualista e as pretensões universalistas do liberalismo e dando especial relevo às tradições e particularidades de cada sociedade, à semelhança do conservadorismo. É destas tradições e particularidades, da identidade de cada comunidade, que emergem os critérios de razão e justiça. Citando Daniel Bell, "o julgamento moral e político dependerá da linguagem das razões e do quadro interpretativo no qual os agentes vêem o seu mundo, daí que não faça sentido começar o empreendimento político abstraindo-o das dimensões interpretativas das crenças, práticas e instituições humanas", pelo que a ideia liberal do Estado neutral é uma ilusão. 

 

Scruton assinala que o libertarianismo, especialmente à direita, com a sua valorização da liberdade acima de tudo e a pretensão de libertar os indivíduos do controlo estatal, descuida a “necessidade de comunidade e de uma identidade que é maior do que a vontade individual,” ao passo que o liberalismo clássico descuida igualmente a comunidade devido à sua concepção filosoficamente individualista “da pessoa humana, e ao seu fracasso em ver que a pessoa é um artefacto social, cuja liberdade é adquirida apenas na condição de sociedade.” De acordo com John Kekes, tanto o liberalismo como todos os oponentes do conservadorismo enfatizam determinados valores ou condições das vidas boas em detrimento dos restantes, ao passo que o conservadorismo tem como traço distintivo rejeitar este tipo de atitude e como objectivo “identificar, manter e proteger o sistema formado por todas as condições políticas das vidas boas.” Como escrevi há tempos, a defesa de um valor acima de todos os outros em qualquer tempo e lugar, independentemente das circunstâncias práticas, consubstancia a política dos mentalmente preguiçosos.

 

Ademais, continuando a citar Kekes, “os conservadores acreditam que não se pode especificar com antecedência que condição deve ter precedência e que qualquer uma pode ter precedência temporariamente, ao passo que os seus oponentes acreditam no contrário.” Uma dada situação pode exigir que se atribua a máxima importância a uma determinada condição ou grupo de condições sobre outra condição ou grupo de condições, e isto “dá à reflexão dos conservadores uma flexibilidade de que os seus oponentes carecem.” A flexibilidade do pensamento conservador resulta de duas características, sendo a primeira a de que "ao contrário dos seus oponentes, os conservadores não têm ideias pré-concebidas acerca dos arranjos e das condições que devem ter precedência sobre outras em casos de conflito. O que deve ter precedência depende sempre em todos os conflitos e em todos os contextos do que é mais provável que contribua para a realização conjunta de todas as condições requeridas pelas vidas boas. A segunda é que, ao contrário dos seus oponentes, os conservadores olham para a história da sua própria sociedade para decidir que arranjos são susceptíveis de levar à realização conjunta das condições que são necessárias para as vidas boas. E o que ganharão de uma reflexão sobre a sua história são os arranjos que resistiram ao teste do tempo e continuaram a comandar a fidelidade das pessoas que viveram na sua sociedade", embora a decisão de proteger determinadas condições por parte dos conservadores não resida no facto de estas se terem tornado tradicionais, mas deriva de serem realmente condições de vidas boas, até porque, citando novamente Kekes, "As mudanças são, claro, frequentemente necessárias porque as tradições podem ser perversas, destrutivas, embrutecedoras, negativas e, assim, não conducentes a vidas boas. É parte do propósito dos arranjos políticos prevalecentes distinguir entre tradições que são inaceitáveis, suspeitas mas toleráveis, e merecedoras de encorajamento – por exemplo, escravatura, pornografia e educação universitária. As tradições que violam os requisitos mínimos da natureza humana são proibidas. As tradições que historicamente fizeram contribuições questionáveis para as vidas boas podem ser toleradas mas não encorajadas. As tradições cujo registo histórico atesta a sua importância para as vidas boas são acarinhadas." 

 

Mas como muitos dos ditos liberais ou libertários desconhecem tudo isto ou preferem ignorá-lo, continuam a viver na utopia, na pretensão de alcançar a liberdade absoluta, a destruição do Estado e o endeusamento do mercado. Nesta forma de pensar, são iguais aos comunistas, que, por seu lado, sonham com a servidão absoluta, o endeusamento do Estado e a destruição do mercado. Uns e outros são os principais responsáveis pelo descrédito das suas próprias ideias.

publicado às 09:11

Europa e os sonhos do PS

por John Wolf, em 18.03.15

dreams-road-sign.jpg

No futuro próximo, seja qual for o governo que estiver em funções em Portugal, não terá a sua vida facilitada. O tema da Austeridade que condicionou o discurso e a acção políticos dos últimos quatro anos será substituído por algo ainda mais dramático. Façamos a distinção entre a manutenção de um sistema a todo o custo, e o descalabro da ordem subjacente. Quando Cavaco Silva perfila o seu sucessor como alguém com experiência em relações externas, acerta nas qualificações, mas engana-se no posto. Quando escuto as palavras convenientes de António Costa sobre o fim dos tempos difíceis em Portugal, a reposição das pensões dos reformados, o crescimento económico e o emprego, vejo uma criança. Os grandes estrategas do Partido Socialista (PS) apresentam-se com ganas de vingar Portugal, mas omitem as dinâmicas do resto do mundo. Descuram cenários extremos que estão a acontecer além de Badajoz. O crescendo que se regista na opinião pública na Alemanha sobre a saída grega do Euro deve ser integrado na racionalidade política e de um modo expressivo. A agenda para a década do PS vendida como panaceia, incorpora ou não uma Europa radicalmente transformada ou assenta em premissas falidas? Mas acho que encontrei a explicação para o desprezo no que toca a condicionantes excêntricas. Se os socialistas chegarem ao poder, e quando começarem a falhar as suas receitas, sempre poderão atribuir a culpa a factores exógeneos. Mas existe uma contradição endémica nessa hipotética abordagem. O sistema europeu não irá explodir fruto de ameaças de Tsipras e da sua falange revanchista. A ordem da Zona Euro e da própria União Europeia sofre o desgaste no âmago da sua construção. E os sonhos acordados dos socialistas também sofrerão, por analogia, das mesmas contradições endémicas. A natureza ideológica da Europa assente na ideia de Seguranças Social e subvenções sem fim, está em profunda mutação. Os socialistas do Rato ainda não entenderam isso. As instituições europeias também parecem caminhar de um modo desalinhado. O lider do Eurogrupo fala de uma solução à Chipre, enquanto na Alemanha o Grexit parece estar a ganhar cada vez mais adeptos. António Costa, que se tem esquivado às questões que dizem respeito aos homens, vai ter de tomar decisões difíceis. E isso vai baralhar ainda mais as contas. Para além da complexidade que define todo este processo político-financeiro europeu, vamos ter de incluir juízos errados de futuros governantes nacionais. Preocupa-me a falta de visão do mundo daqueles que prometem salvá-lo.

publicado às 09:11






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