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Não é forçoso ler Leszek Kolakowski, e a sua obra-prima Modernity on Endless Trial (The University of Chicago Press, 1990), para descortinar as implicações suicidárias da nossa civilização e o falso mito de universalismo cultural. A praga de festivais que parece ter assolado Portugal faz parte da enganosa premissa de que é possível reclamar uma quota de misticismo existencial, derramar uma boa parte dos problemas de consciência e seguir alegre e contente. O Festival Boom, vendido como templo sagrado da neutralidade materialista, é tudo menos isso. Obedece a um plano comercial, segue um modelo de negócio e concede ganhos aos promotores. Tudo o resto são balelas de um mundo justamente repartido, flashes de um Woodstock fora do seu prazo de validade e promessas de nirvana fast-food. Gilles Lipovetzky e Jean Serroy denunciam no seu livro Capitalismo Estético na Era da Globalização (Editions Gallimard, 2013) a febre da hibridização, a conveniência comercial de uma hydra que combina alegados vestígios de grandeza cultural e democraticidade. Os três ou quatro dias de festival servem contudo um propósito peregrino. Nesses dias de embriaguez, o espírito humano, dizem eles, liberta-se das manchas de culpa, da pressão diária do desligamento das causas maiores e evita-se deste modo o entorpecimento insensível. A passagem por ritos de vazio concede aos participantes uma espécie de certidão, uma prova de vida de que é possível "encontrar o eu" no acampamento, na fila para o "novo" Reiki-electrónico, no repasto à base de pasta do Tibete - a cura filosófica. E persistem ainda outras considerações de ordem mercantil. Na Wall Street dos festivais os ratings parecem contar. Sabemos que o Festival Boom é melhor do que o Festival Bum, sabemos que o Andanças era quase ecológico até aquele fatídico dia rodoviário. Enfim, os organizadores querem e não querem. Querem ser pequenos e familiares, mas o piquenique saiu fora de mão - apareceram 30 mil almas. Mas eu iria mais longe para purgar os diabos que andam à solta. Para arrumar de vez com os dilemas conceptuais; eu proponho um Syrian Boy Festival enquanto durar a situação naquele país. Ou então, façam-se à festa e depois regressem às vidinhas da treta. De qualquer modo estamos condenados. O mundo está cheio de vendedores de grandiosas intenções. Mostrem-me os números. Qual a margem? Quero ver os lucros? E já agora, a tenda de massagens "chinatsu" passa facturas? No entanto, nada disto parece importar. Estes eventos servem sobretudo a fraca intelectualidade que parece ser a norma da nossa civilização. Convém entorpecer a geração que deveria ter algo a dizer em relação ao destino das nossas civilizações. Em vez disso curam a ressaca e regressam a casa. Não vejo luz ao fundo do túnel. É outra coisa.
O congresso do Partido Socialista (PS) confirma o que nós já sabíamos, e o que certamente transcende aquela unidade política. Os lideres não estão à altura dos desafios que enfrentamos. Este fim de semana fomos agraciados com prestações de nível intelectual medíocre. O que está em causa é muito maior do que saneamentos internos, escândalos socráticos, viragens à Esquerda, rejeições da alianças ou maiorias absolutas. O que está em causa é areia demais para a camioneta destes protagonistas. Ou seja, a capacidade de pensar um modelo societário profundamente diferente daquele que nos conduziu ao descalabro. António Costa, Ferro Rodrigues, e os outros recrutas, simplesmente não têm a visão e a cultura para repensar a sua condição. O congresso do PS eterniza os mesmos vícios que definem a política. Os arranjos internos são mais importantes do que uma abordagem integrativa de soluções trans-políticas, para além da ideologia. Por outras palavras, a fonte da ideologia já não serve de um modo pertinente para encher as medidas das pessoas carentes de soluções "civis" - respostas económicas e sociais desprovidas de assinatura programática ou ideológica. Pelo que escutamos ontem, podemos afirmar que o PS deseja (mais uma vez) reclamar o estatuto de fundamentalista da verdade política. Os socialistas não conseguem esconder o vazio que permeia o seu espírito. Servem-se da mesma cartilha para enfrentar um mundo radicalmente diferente. São vítimas dos mesmíssimos paternalismos que enfermam os seus processos de pensamento. Definitivamente, a filosofia e a política estão divorciadas. De nada serve o lirismo bacoco de Alegre ou o apelo ao rasgo visceral da violência doméstica. A política, quando é eticamente movida, parte de uma base racional, metódica e autocrítica. Quando as emoções se tornam arma de arremesso sabemos que pouco ou nada resta. A agremiação deste fim de semana foi um mero exercício de austeridade de pensamento, ou simplesmente, um caso de pequenez.