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Como é que pode haver um dia consagrado à reflexão se não há reflexão nos outros 364 dias do ano? O conceito, cuja origem desconheço, inscreve-se na escola do Iluminismo repentino. Assemelha-se a um corredor da sorte que protege os audazes da sua falência interpretativa. Os governos, ao longo dos seus mandatos, e mesmo antes de estes começarem, procuram anestesiar o povo, marinar manifestações contrárias aos seus intentos. Depois concedem o beneplácito do juízo superior ao nubente requisitado para validar o pressuposto democrático. O zézinho que vota, passa de besta a doutor num ápice. Se fossem íntegros na missão intelectual respeitante à reflexão, promoveriam a ideia de um ministério da filosofia e diversos secretários do pensamento. O boletim de voto - essa bula do saber político -, deveria ter anexado a lista de referências bibliográficas, algumas notas de rodapé e a fonte das citações inscritas nos discursos de campanha. Esta estória franciscana da reflexão sugere pão e água, abstinência sexual e artrite reumática. Se o dia fosse deveras sagrado, já deveria ter sido proposto como feriado - uma espécie de tolerância para matutar, porque, sendo uns sujeitos mais lentos do que outros, esta falsa fila prioritária para "pensar bem" reforça precisamente o oposto; a noção de que o povo é idiota e não existe antídoto para a sua estupidez. Tanto faz que abra a matraca ou não. Pouco importa que o jejum de campanha seja imposto. No silêncio do acto, pouco ou nada acontece. Dia de reflexão uma ova.