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Um apelo

por João Pinto Bastos, em 29.09.13

Votem. Independentemente da escolha que façam, não deixem, de modo algum, de exercer as vossas responsabilidades cívicas. O voto é, numa democracia, a arma mais eficaz para debelar a mentira e a perfídia. Utilizem-na.

publicado às 11:31

Uma declaração de voto

por João Pinto Bastos, em 27.09.13

Voto no Porto, e votarei, seguramente, em Rui Moreira. O cenário eleitoral, e os candidatos em disputa, obrigam a uma tomada de posição que não oferece grandes ambiguidades. Menezes é, indiscutivelmente, um mau administrador da coisa pública. Por outras palavras, é um político que, caso seja eleito, arrisca-se, com a benévola conivência do eleitorado votante, a destruir o razoável trabalho legado por Rui Rio. Votar em Menezes é, em larga medida, coonestar o desperdício público, o despesismo clientelar e a obra pública derrochadora. Não terá, por conseguinte, o meu voto. Rui Moreira tem, em comparação com Menezes, a óbvia vantagem de não ter a sua imagem maculada pela má gestão dos dinheiros públicos. Além disso, é reconhecidamente uma personalidade de méritos mais do que firmados. Tem um passado como gestor, e tem, também, créditos estabelecidos como cidadão activo que intervém empenhadamente no debate público, com a sua opinião e a sua experiência. Por estas razões, Rui Moreira é o presidente de Câmara de que o Porto necessita. Sabe como administrar, e, conhece, como poucos, os rudimentos básicos de uma gestão pública participada e austera. Porém, não posso deixar de fazer alguns reparos. Em primeiro lugar, houve, nos apoios granjeados, alguns nomes que, em boa verdade, são relíquias de um passado que não interessa recriar. Há escolhas que, em candidaturas ditas independentes, matam, ou, pelo  menos tendem a matar o espírito de renovação que as anima. Rui Moreira, talvez por inexperiência, esqueceu clamorosamente essa lição, optando por dar voz e espaço a apoios e rostos cujos méritos são bastante duvidosos. Em segundo lugar, e last but not the least, a máquina política de Rui Moreira geriu com bastante amadorismo a campanha eleitoral, o que é, de certo modo, justificado por uma elevada dose de inexperiência política. Em política, maus timings e más escolhas pagam-se caro. Contudo, fazendo o cômputo geral da candidatura de Rui Moreira, é claríssima a sua superioridade face aos seus adversários. Num tempo de decaimento geral dos costumes e das gentes, ter um candidato que propõe um módico de seriedade na vida pública não é de desprezar. Valha-nos isso.

publicado às 18:40

E depois do adeus das autárquicas?

por John Wolf, em 27.09.13

E depois do adeus dos tesourinhos das autárquicas (demora sempre mais do que o (im)previsto; os cartazes deixam-se ficar até serem rasgados pelo vento e perderem a cor) e dos resultados eleitorais de domingo, nada efectivamente se altera. Os protagonistas, os mesmos de sempre ou outros parecidos, nada poderão fazer para alterar o alinhamento político e financeiro desfavorável - a crise continuará e os juros da dívida resistirão nessa fasquia dos 7% -, mais coisa menos coisa. Uma nova configuração autárquica não altera as regras do jugo das leis da troika. Mas será que isso é motivo para não votar? Claro que não - o cidadão deve reclamar a sua quota na participação política. Deve fazer uso dessa prerrogativa consagrada na Constituição da República Portuguesa. E dir-me-ão que tudo isto é muito bonito no papel, mas que na prática o eleitor nacional está metido numa carga de trabalhos, que está metido em sarilhos. E é verdade. O portador de cartão de eleitor tirou a carta, está legalmente habilitado a conduzir o seu destino político, mas não confia no raio dos vendedores de automóveis que lhe querem dar a volta ao juízo e oferecer uma boleia. E não é só ao intelecto que é feito o apelo. A emoção descontrolada é uma força que deve ser levada em conta. Umas lágrimas bem metidas também servem para amolecer os mais duros. Seguro sabe-o, assim como Seara, Costa e companhia. Depois temos aquele clássico que faz parte da antologia política. O tal voto útil ou de protesto. Aquele cartão amarelo para penalizar os que estão no poder e não uma coisa baseada no mérito próprio - o voto entregue a quem de direito porque a proposta alternativa é boa -, muito melhor. E é aqui que reside grande parte do problema. As eleições autárquicas são um gato por lebre da política - irão ser tratadas pelos cidadãos como se fossem eleições legislativas. E depois acontece sempre o oposto mais tarde ou mais cedo. As legislativas servem também para outras encomendas e represálias - como se fossem autárquicas. E Portugal não passa disto, deste descentramento, desta incapacidade de estar no local à hora combinada. O mérito e o demérito político coexistem como um matrimónio feito num oito desde a primeira hora, ordem (Schauble está muito contente com a obra do governo e a população portuguesa quer mandar Passos Coelho às urtigas). Ou seja, parece que a pontualidade política e eleitoral é uma impossibilidade - o encontro de corpo e alma entre a vontade e o efectivo, a promessa e a realização. O cidadão vota, mas está com as tripas e o coração noutra liga. O cidadão abstém-se porque ainda tem saudades de um outro tempo (atenção!não disse senhora). O eleitor faz um boneco no boletim porque desejava voltar a ser criança ou não ter nascido. Estão a perceber onde quero chegar? Tenho alguma razão ou não? Enquanto os cidadãos não acertarem as agulhas da sua presença política, vão andar sempre a correr atrás do prejuízo. A corrida eleitoral que os Portugueses devem correr é uma maratona interminável, o que significa que qualquer acto diário tem importância e não pode ser esquecido. Se deixam a criança ser mal-educada, está o caldo entornado, e foi isso que aconteceu na infância e na adolescência da democracia em Portugal. O cidadão tem de se deixar de coisas (aquelas tretas que foram eles os responsáveis pelo desastre) e ser político - eleger-se diariamente. É no dia a dia que cada um de nós deve reclamar e participar na construção das comunidades, porque se a lógica for apenas de representatividade ou delegação de poder, mais cedo ou mais tarde a conta será apresentada pelo garçon. Não se pode dar rédea solta ao animal porque este se transforma num monstro, numa dívida política que nunca será paga. E foi algo assim que aconteceu a Portugal. Os juros da dívida politica estão a rebentar com os céus. É um inferno.

 

(fotografia; autárquicas 1976)

publicado às 15:36

Artigo publicado originalmente no sítio da Juventude Popular do Porto (Fevereiro de 2013):

 

José Clemente Orozco, As massas

 

Uma das grandes pechas da contemporaneidade democrática é a relativa falta de originalidade dos seus intérpretes. As palavras repetem-se e as ideias rareiam. Porém, de quando em vez há alguns assomos de criatividade que ajudam, de certo modo, a melhor interpretar os grandes desafios do presente e do futuro. Colin Crouch, um cientista político relativamente desconhecido pelos indígenas, é um bom exemplo dos curtos lampejos de criatividade que de quando em quando vão surgindo no mumificado panorama intelectual ocidental. Numa obra escrita em 2000, com o presciente título Coping with Post-Democracy, Crouch cunhou o famigerado termo da pós-democracia que, hoje em dia, anda na boca de muito boa gente. O cerne deste conceito gravita em torno da tese de que as democracias contemporâneas combinam um grave défice de representatividade política com um poder adulterado pela simbiose excessiva entre a mecânica do Leviatã e o voluntarismo dos grandes potentados económicos. Deixando de lado a óbvia deriva esquerdista do autor, a que não é de todo alheia a sua verve sociologista, este conceito possui múltiplas virtualidades, mais que não seja pela capacidade demonstrada de desvendar alguns dos bloqueios que perpassam os modernos regimes demoliberais.

 

A teoria de Crouch tem na abstenção um suporte empírico estruturante. É fácil compreender o porquê. Hoje, mais do que nunca, as pós-democracias ocidentais confrontam-se com graves bloqueios na relação entre representados e representantes. Os canais de confiança, que outrora permeavam o funcionamento do sistema, deixaram pura e simplesmente de fluir. Os sistemas políticos representativos perderam, em grande medida, o capital de atracção que contribuiu, ao longo dos últimos decénios, para torná-los num dos últimos redutos de civilidade política, num mundo em constante mutação. A origem do problema não é, como muitos dos hermeneutas da academia  apressam-se a fazer crer, simples e linear. O certo é que a crescente profissionalização das classes políticas, acompanhada, em simultâneo, da pauperização intelectual dos seus protagonistas mais salientes, ajudaram a exponenciar um problema latente nas democracias ocidentais.

 

A profissionalização da política trouxe a jusante um “modus operandi” assente na captura do aparelho estadual pelos profissionais do rentismo desabrido. A política deixou de ser um espaço de debate e discussão, o espaço por excelência da pólis, para ser um campo fértil em transacções de poderes e influências. A política tornou-se, de certo modo, num centro de transumâncias várias, em que os poderes jogam a sua participação no imenso palco da riqueza a redistribuir. O liberalismo social, universalizado no pós-guerra, teve aqui um papel sumamente relevante, e, simultaneamente, contraditório: o novo contrato social, crismado pelo tão adulado Estado Social, criou um catálogo extenso de novos direitos sociais, cuja contrapartida foi a expansão desmedida dos mecanismos coercivos do Estado. O desenlace deste paradigma é observável, hoje, a olho nu: de um lado, temos um Estado pantagruélico, fremente de tributos e prerrogativas, e, do outro, uma cidadania passiva e esbulhada, imersa numa luta hobbesiana pela sobrevivência, em que predomina a indiferença pela coisa pública. A abstenção é o resultado óbvio desta tendência de desresponsabilização.

 

A resposta que a grande maioria dos cidadãos encontra perante a falta de resposta do sistema aos seus anseios é um desinteresse radical, expresso na recusa em confirmar a autoridade dos que detêm as rédeas do poder. Como dizia de uma forma lapidar Arend Lijphart, a abstenção é um fenómeno disfuncional que, em boa verdade, tem efeitos assaz perniciosos na condução das políticas públicas, ao fixar quotas de influência díspares entre votantes e não-votantes. O que antes era medido pela força do voto, com a mobilização das massas ao sabor do apelo de um slogan vertebrador de sentimentos e pertenças, é, actualmente, usado em favor da passividade perante o jogo eleitoral das clientelas partidárias.

 

Portugal, um país esganado pelo rolo compressor da soberania perdida, é um bom exemplo desta doença democrática, basta observar que, nos últimos actos eleitorais, a média percentual da abstenção superou os 40%. Números que assustam e que dariam, em condições normais, que pensar. O cerne do problema encontra-se, pois, num contrato social gasto e falido, que já não oferece soluções credíveis às classes médias que, durante anos, viveram à sombra da sua imensa bonomia. Perante isto, que fazer? Apelar ao voto em branco, como fez Saramago? Aderir em massa aos slogans dos ditos indignados, zurzindo virulentamente nas elites políticas e económicas? Não, a resposta não se encontra nesses ditirambos delirantes, aliás, as respostas definitivas não fazem parte do menu, porque, em bom rigor, a ciência das certezas feitas é um exclusivo da ignorância. O único esboço de resposta possível à abstenção cívica da grande massa de cidadãos inactivos é a refundação do contrato social, contanto que o apego à lei, ao direito, ao contrato, e ao “due processo of law” estejam no cardápio de opções. Em suma, estado de direito, liberdade e autonomia, conceitos que por si só definem um conservadorismo salutar. Porque sem participação na coisa pública não há comunidade de partilha e destino que sobreviva. 

publicado às 14:34

Conforme prometido, aqui estou a deixar alguns pontos de vista sobre o acto eleitoral que passou. Porque praticamente tudo já foi dito, vou procurar ser sucinto. Até porque, no final deste post, encontra-se uma iniciativa que decidi lançar, nomeadamente, pela inclusão da opção "Nenhum dos anteriores" nos boletins de voto de futuras eleições. Mas já lá vamos. Assim sendo:

 

1 - Várias foram as vezes em que escrevi e afirmei que iria votar nulo. Assim fiz. E tal fundamenta-se nos seguintes considerandos:

 

i) nenhum dos candidatos merecia o meu voto. Confesso que muito reflecti e cheguei à conclusão que, se fosse pela regra do mal menor, seria forçado a votar Cavaco Silva. Mas, por outro lado, considero o mesmo como um dos principais responsáveis da situação actual que o país vive. Não falo da sua governação, sempre evocada por muitos mas, tão só, da sua falta de coragem para dissolver a Assembleia da República há uns meses, antes de entrar em efeito o constrangimento constitucional que não permite o recurso a essa prerrogativa presidencial nos meses anteriores às eleições;

 

ii) a abstenção, por mais elevada que seja, é uma "caixa" propensa a interpretações abusivas, de que relevam normalmente as que consideram os abstencionistas como preguiçosos que não quiseram sair de casa ou deixar de ir passear para ir votar, e assim permite aos serviçais do regime evitar enfrentar um fenómeno que, em parte, também pode ser entendido como um protesto;

 

iii) a opção do voto em branco é propensa à fraude - já todos ouvimos histórias sobre membros das mesas de voto que, na hora de contar votos, aproveitam para fazer cruzes em alguns boletins;

 

iv) dado que me parece particularmente importante salvaguardar a Democracia, e considerando que esta ainda tem como requisito fundamental a ocorrência de periódicas eleições livres e justas, votar é para mim um direito e um dever do qual não estou disposto a abdicar.

 

2 - Decorrente da alínea i) do ponto anterior, importa salientar que o país está refém de um regime há já vários meses. Esta questão deve motivar sérias reflexões. Algumas sugestões podem passar pela alteração da Constituição e dos constrangimentos acima referidos. Outras, pela drástica diminuição dos prazos que envolvem todo o acto eleitoral. Quando o país enfrenta uma das crises mais graves das últimas décadas, não deixa de ser lamentável que o regime nos tenha enrodilhado numas eleições para um cargo que pouco ou nenhum impacto tem na vida real dos portugueses. E, infelizmente, mais uma vez se comprova o eleitoralismo nefasto de quem ocupa o assento de Belém - ou de outros cargos políticos, diga-se de passagem, como todos sabemos. Cavaco, porque sempre quis recandidatar-se sem grandes riscos para a sua imagem, não teve coragem para dissolver a AR quando podia - terminando o consulado de José Sócrates que nos continua a levar para o abismo - e convocar uma espécie de governo de iniciativa presidencial ou até de salvação nacional, como em tempos sugeri aqui. Feitas as contas, os verdadeiros prejudicados são todos os portugueses. Nisso, Cavaco pode dizer que é o presidente de todos.

 

3 - Considerando os resultados da votação que ontem e hoje vieram a público, o que me parece de assinalar é o elevado nível de abstenção, bem como de votos nulos e brancos. E porque, para evitar que se continue a interpretar a abstenção como um todo, me parece necessário que exista uma opção nos boletins de voto que permita reflectir as opções daqueles que não se revêem em qualquer dos partidos ou candidatos concorrentes, decidi lançar uma Petição pela inclusão da opção «Nenhum dos anteriores» nos boletins de voto de futuras eleições. Comprometo-me, desde já, a levar a mesma à Assembleia da República, caso atinja o número mínimo de peticionários para tal (4000). Pedimos a todos os que concordem que assinem e divulguem a petição, que podem encontrar aqui. Fica o texto da mesma:

 

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,


1 - Os signatários e peticionários vêm solicitar a V. Exa. a apreciação, em plenário da Assembleia da República, da presente petição «Pela inclusão da opção "Nenhum dos anteriores" nos boletins de voto de futuras eleições».


2 - Considerando os elevados níveis de abstenção, bem como os votos de protesto manifestados sob a forma de votos brancos e nulos, que têm vindo a marcar de forma inegável os mais variados actos eleitorais, é nossa convicção que se torna necessário criar uma alternativa que possa mais acertadamente reflectir a opção dos que pretendem manifestar o seu voto de protesto.


3 - Por um aperfeiçoamento contínuo da democracia portuguesa, vimos desta forma propor que se inclua nos boletins de voto de futuras eleições a opção "Nenhum dos anteriores".


Pedem e esperam o competente deferimento,


Os signatários

publicado às 01:36

Respostas de reflexão sobre a democracia em Portugal

por Samuel de Paiva Pires, em 06.02.09

Aqui deixo as respostas a um inquérito no âmbito do estudo levado a cabo por um grupo de estudantes do ISCTE, subordinado ao tema Blogs e Política: Participação, Voto e Identidade.

 

1. Considera a Democracia o melhor sistema político existente? Porquê? Quais as virtudes e defeitos deste sistema político quando comparado com outros?

A democracia é, como se costuma dizer, o melhor dos piores regimes. É naturalmente melhor do que qualquer regime oligárquico, tirânico ou autoritário. Na sua acepção ideal, tem como grandes virtudes a liberdade de expressão, a aspiração à difusão das oportunidades e igualdade no acesso à educação, permitindo ainda aos indivíduos e à sociedade civil ter um papel determinante na condução da política e da vida pública, ao passo que o aparelho estatal assenta teoricamente numa separação de poderes e num sistema de checks and balances como forma de evitar que exista qualquer poder incontrolado, porque como ensina Karl Popper, o importante em democracia não é saber quem manda mas como controlar o poder de quem manda. Se bem que, quando comparado com outro tipo de regimes, especialmente os autoritários, seja mais difícil de efectuar reformas ou crescer e desenvolver economicamente de forma acentuada um regime democrático, isto em teoria, até porque se a China cresce ao ritmo exponencial que tem crescido, também os Estados Unidos são o exemplo de uma democracia com uma sociedade civil vibrante que consegue enfrentar diversas crises regenerando-se por dentro e voltando a crescer e desenvolver-se economicamente, e também há imensos exemplos de democracias e regimes autoritários que não se conseguem desenvolver economicamente e socialmente de forma significativa. Em minha opinião, é a liberdade de expressão que constitui um fundamento inegável de qualquer regime que se considere realmente democrático (há que distinguir entre democracias eleitorais, frequentemente sem liberdade de expressão, onde apenas o elemento da realização de eleições qualifica o regime como democrático, e democracias liberais, o moderno regime dos países do que vulgarmente se designa por Ocidente). Porém, a democracia tem o condão de poder degenerar, tal como tem vindo a acontecer em Portugal, numa ditadura da maioria (a mais das vezes medíocre, basta olhar para os imensos exemplos de políticos portugueses), e num regime realmente oligárquico subjugado por interesses mais ou menos desconhecidos.

2. Em casos excepcionais, consideraria a hipótese de suspender temporariamente a Democracia em Portugal, tendo como objectivo uma intervenção política mais eficaz, que permitisse, porventura, uma melhoria das condições de vida dos portugueses? Em que situações admite esta possibilidade?


O regime actual está numa degenerescência cada vez mais acentuada pela mediocridade e autismo de muitos políticos. Porém, a História tem diversos exemplos de ditadores que tinham apenas a intenção de corrigir e minorar algumas falhas de um regime recorrendo à ditadura. Mas, como diria Montesquieu, “todo o homem investido de poder é tentado a abusar dele” e as ditaduras têm o problema de não ter um prazo de validade. Como tal, se fosse uma ditadura como no Império Romano, em que em algumas situações excepcionais se governava por decreto durante um período de 6 meses, ainda seria de equacionar (se bem que 6 meses seria manifestamente pouco tempo para corrigir a maioria das falhas estruturais deste regime), desde que, posteriormente, se voltasse à democracia de forma pacífica.

3. Como avalia o funcionamento do regime democrático em Portugal? Como fundamenta essa (boa/má) avaliação? E quais são os efeitos desse mesmo funcionamento?


 O regime actual padece de graves falhas que ao nível político estão cada vez mais visíveis, funcionando cada vez pior. Desde logo, a arquitectura do aparelho estatal, com um regime híbrido e com poderes muito pouco separados, contando com um Presidente da República com poucos poderes, um Primeiro-Ministro que é sempre um potencial ditador se tiver uma maioria absoluta no parlamento, um parlamento que mais não é do que a casa não da democracia mas da mediocridade e de um triste Estado espectáculo sem qualquer sentido de estado e dedicação à causa pública, com deputados completamente reféns dos partidos pelos quais são eleitos (o próprio sistema eleitoral está mal concebido, deveriam existir círculos uninominais e os deputados responderiam apenas perante as populações dos círculos por onde seriam eleitos (veja-se o caso dos Estados Unidos ou do Reino Unido), não tendo que obedecer cegamente a um partido que a mais das vezes invoca um princípio profundamente anti-democrático, a disciplina partidária). Além do mais, este regime tornou Portugal refém de si próprio e de meia dúzia de supostos “anti-fascistas”, muitos deles ferozes adeptos da democracia do pensamento único ou do centralismo democrático. A inserção na União Europeia serviu enquanto estratégia para consolidar internamente o regime, o qual, por falta de qualquer outro tipo de legitimação, passou ainda a basear-se no alegado “anti-fascismo”, para assim perversamente muitos poderem invocar a luta pela liberdade como desculpa para muitos dos seus actos ilícitos, ilegais ou, pelo menos, imorais. Por outro lado, também o sistema judicial está cada vez mais desacreditado. A justiça é lenta, feita para ricos, apenas os pobres vão para a cadeia, é de facto cega mas é através das diversas injustiças que os próprios tribunais cometem todos os dias (e eu falo com conhecimento de causa), e num país onde todos se queixam da corrupção e dizem à boca cheia que desde as autarquias ao governo central está tudo cheio de corruptos, nunca se viu ninguém ser preso por corrupção (salvo a excepção de dois ou três bodes expiatórios como Vale e Azevedo ou, mais recentemente, Oliveira e Costa). Já falei dos três poderes clássicos, resta-me apenas assinalar três pontos concretos enquanto efeitos nefastos deste regime. Em primeiro lugar, quanto à liberdade de expressão, se já não existe censura institucionalizada, como noutros tempos, existe uma auto-censura pelo politicamente correcto e pelo receio de se dizer livremente o que se pensa, um medo não se sabe muito bem em nome de quê. Em segundo lugar, a partidocracia e mediocridade que se tornaram dominantes e esgotam o sistema estatal, afastando quaisquer indivíduos realmente interessados em contribuir para o desenvolvimento do país de uma forma activa (intervindo politicamente), que não apenas por interesses próprios ou de terceiros, os tais interesses que dominam o regime comprometido entre favores e negócios mais ou menos desconhecidos que em nada beneficiam o povo ou a projecção estratégica de Portugal. Por último, o efeito mais nefasto e que mais me preocupa na medida em que penso que coloca o futuro de Portugal em risco: a educação. Desde os primeiros dias após o 25 de Abril de 1974 que o sistema de ensino tem vindo a degenerar, tornando-se cada vez mais facilitista como forma de promover uma alegada igualdade, nivelando-se por baixo os padrões de exigência e manipulando-se resultados apenas para as estatísticas. Para além da liberdade de expressão, a grande aspiração da democracia é generalizar ou possibilitar que o conhecimento se generalize a todos, promovendo os valores da ciência e da excelência, mas isso não pode ser feito através de uma massificação que promova o facilistismo e a mediocridade. Como diria José Régio, “Não sei por onde vou, não sei para onde vou, sei que não vou por aí”, ou pelo menos não deveríamos ir por onde temos ido, no que diz respeito à educação.

4. Na sua opinião o que poderia ser feito a nível institucional para melhorar o desempenho da democracia em Portugal?


No seguimento do que referi anteriormente, teria que se rearquitectar completamente o sistema. Para começar, o sistema eleitoral, através da implementação de círculos uninominais, para que os deputados possam exercer o seu mandato de forma verdadeiramente livre, apenas respondendo aos círculos por onde são eleitos, acabando-se também com o desplante actual de imensos deputados que nem sequer conhecem as dinâmicas regionais e locais dos círculos por onde são eleitos. Depois, é cada vez mais premente a necessidade de uma segunda câmara, uma câmara alta no parlamento, de carácter técnico, à semelhança da câmara dos Lordes britânica, e, já agora, convinha que essa segunda câmara fosse um pouco mais profissional e tivesse mais sentido de estado do que muitos dos deputados deste regime têm tido, sendo apenas deputados em part-time e obedecendo aos ditames do partido a que pertencem sem estarem realmente informados de muitas das matérias em que votam. Em terceiro lugar, acabar com o paradoxo de “representar algo que é uno”. Se algo é uno, não é passível de ser representado. Só pode haver efectivamente representação política de diversas regiões, estados federados, interesses da sociedade civil, empresas e organizações (através de lobbys legítimos e legais como acontece em Bruxelas ou em Washington). Como tal, urge regionalizar o Estado português para descentralizar o poder de Lisboa, garantir uma reafectação de recursos do orçamento de estado mais equilibrada e que permita às diversas regiões, especialmente as do interior, desenvolver-se e sair do marasmo da desertificação e do esquecimento a que foram votadas nas últimas décadas. Iria até mais longe, já uma vez no Estado Sentido, logo no início do blog, sugeri uma eventual federação do país, e aqui recupero parte desse texto: “Desta forma se alcançaria um Estado descentralizado através do que Tocqueville ensina, conferindo "uma vida política a cada porção de território, a fim de multiplicar até ao infinito as oportunidades de os cidadãos agirem em conjunto e lhes fazer sentir diariamente que dependem uns dos outros", o que diminuiria a típica assimetria entre o Portugal rural e urbano. Com este projecto se recuperaria o conceito dos corpos intermédios que diminuem a perigosidade do Estado para a liberdade do homem e do cidadão, acautelando e aconselhando o poder vigente.”
Mas, sendo um realista por definição, sei que esta proposta é ir longe demais. Já a da regionalização, creio até que é uma inevitabilidade que venha a acontecer. Num caso ou noutro, parece-me que as regiões ou estados deveriam ou deverão estar representados na tal segunda câmara (à semelhança de Espanha).
Sei que muitos refutam qualquer destas duas propostas recorrendo ao argumento de que tal iria acirrar regionalismos e desunir a nação. Não me parece que tal possa acontecer numa nação quase milenar mas, como mais vale prevenir que remediar, a cereja no topo do bolo, seria ainda optar por uma das duas seguintes hipóteses: porque sou monárquico, seria voltar a uma monarquia (obviamente liberal e democrática), e porque também sou presidencialista, tornar o regime verdadeiramente presidencialista.
Uma coisa é certa, hipóteses e alternativas não faltam. O que falta é vontade política por parte dos actuais detentores dos benefícios provenientes do regime, para sacrificar os seus interesses egoístas em nome de um verdadeiro desenvolvimento, justiça social e igualdade (coisas que muita gente por aí advoga de forma hipócrita). E uma coisa me parece cada vez mais evidente, se nada se fizer, mais cedo ou mais tarde, infelizmente, corremos o grave risco de voltar a ter uma ditadura. 

5. O que considera que pode fazer, ou faz, que contribua para melhorar o desempenho da democracia em Portugal?


Actualmente, para além da intervenção e do clamor pela liberdade de expressão e de pensamento que representa o ter um blog como o Estado Sentido, sou membro associado do Instituto da Democracia Portuguesa, faço parte do projecto da plataforma de comemoração do Centenário da República, e sou ainda presidente de uma associação de jovens, a Juventude Portuguesa do Atlântico. Creio que a melhor forma de contribuir para melhorar o desempenho da democracia em Portugal é através de uma dinamização e participação activa por parte dos indivíduos e da sociedade civil, na senda da tradição liberal anglo-saxónica, quer através do plano das ideias, até porque o poder das ideias tem sido responsável pelas principais mudanças em todo o mundo, quer através do plano prático, agindo proactivamente, porque não podemos apenas passar a vida a criticar do lado de fora, se queremos mudar alguma coisa, é preciso sermos nós próprios a agir.

publicado às 20:23






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