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Há que saber interpretar as palavras de ameaça de Varoufakis:
"Não existem provisões nos Tratados para uma saída do Euro. Existem para uma saída da União Europeia".
Yanis Varoufakis acaba de propor, numa carta enviada ao Eurogrupo, a contratação de bufos em part-time - inspectores impromptu para denunciar casos de evasão fiscal. Não sei o que a Esquerda das liberdades e garantias tem a dizer a este propósito, mas transformar a sociedade grega num self Big Brother temporário não resolve a questão de fundo da evasão fiscal. O seu efeito dissuasor porventura será mitigado por hiper-desvios ardilosamente congeminados por anti-colaboracionistas. E servirá, consequentemente, para acentuar as fracturas que já assolam a Grécia. Esta decisão tsipraótica parece colidir com o sagrado do alegado acervo civilizacional da Europa que baniu do seu quadro de valores as práticas de regimes autoritários. A Stasi, a KGB ou mesmo a PIDE, parecem retornar à Europa entrando pela porta mais improvável dos supostos libertários da opressão imposta pelo norte - Dear John, Dear Jeroen.
Quem vai receber Yanis Varoufakis à Portela? O ministro das finanças grego está em tournée europeia, e embora ainda não tenha sido noticiado, Portugal deve constar do seu rol de visitas. Apenas sabemos que existem uns quantos em território nacional que já se estão a acotovelar, a dar uns empurrões para ficar bem na fotografia. É assim que funciona em política, seja qual for a causa, a missão a cumprir. A Catarina Martins, a Ana Drago, o Jerónimo de Sousa, ou mesmo o Daniel Oliveira, devem ser os candidatos com ganas de mostrar os cantos à casa - a desgraça que nada tem a ver com a tragédia grega. Nesse dia de recepção, António Costa encontrará uma desculpa para se esquivar - quiçá, a inauguração de mais uma ciclovia. Mas o amigo Yanis não vai ficar muito contente. Então malta? O que se passa? Na Grécia, Syriza! Em Espanha, Podemos! E em Portugal, nicles batatóide? Pois, sabe Dr. Varoufakis, aqui a malta tem dificuldade em instigar a mudança. Pode dar-nos uma ajudinha? Umas dicas. Mas a verdade é que nem Tsipras nem Varoufakis têm algo para oferecer. Aliás, a cada hora que passa as probabilidades de reestruturação da dívida são cada vez mais ténues. Vejam-se os números das casas de apostas. Estudem o comportamento das taxas de juro, das condições de mercado cada vez que sopram ventos de utopia financeira. Se Varoufakis pretende chegar a um acordo com credores deve meter-se no expresso e zarpar rumo aos Goldman Sachs e Rothschilds deste mundo. Se realmente quer marcar a diferença e cortar relações com a Troika e os interlocutores formais da União Europeia, deve demonstrar que consegue ser criativo e original. Para já o duo Tsipras-Varoufakis conseguiu conquistar o poder, muito à custa do rasgo visceral de uma população derreada pela Austeridade, ávida de pão e vingança. Pensando bem, vir a Portugal é uma perda de tempo. Nenhum dos esquerdistas radicais de ocasião que acima referi percebe patavina de como funciona o mundo. Não pretendo ser cínico com este desabafo. Mas, meus senhores, as grandes decisões já foram tomadas. O resto são flores de estufa. Decoração.
Nos dias que correm é muito fácil ser atirado para um dos campos da discussão - either you´re with us or you´re against us -, é conveniente simplificar o intrinsecamente complexo, usando para o efeito, códigos caducos, linguagem ideológica fora do seu prazo de validade. Assistimos na Europa, ou se quiserem na União Europeia (UE), a grandes dificuldades interpretativas. A Entente Cordiale que está a ganhar forma entre a Grécia e a Rússia é motivo de alarme. Pela primeira vez na história da UE um estado-membro rejeita servir-se das instituições formais que foram criadas, para, em última instância, preservar a paz. Yanis Varoufakis diz por outras palavras que já não reconhece autoridade à Troika, que aquele mecanismo não tem legitimidade para decidir sobre o destino de um Estado soberano que "por acaso ainda" é membro da UE. Não é apenas Putin que não quer perder a face. Tsipras também não irá esbanjar o que alcançou oportunamente numa Europa polarizada pela extrema direita e extrema esquerda, por anti-americanismo, assim como pelas entidades pragmáticas como a austeridade, o terrorismo, enquanto extensão ou não do Estado Islâmico. A Europa, refém dos seus processos formais e em plena crise económica, está a tornar-se presa fácil para outra "pária". A Grécia está geopoliticamente encravada numa zona de cultura ortodoxa à mão de semear dos interesses estratégicos russos. Chipre ou a Bulgária podem ser também magnetizados pela dissensão intencional russa. Enquanto milhares celebram efusivamente a libertação dos gregos das directivas alemãs, um outro eixo de substituição está a ganhar forma, uma outra estrutura de poder conhece já a sua cúpula. Neste contexto, e por analogia ao descalabro e à guerra a que já assistimos, a Grécia pode ser entendida como uma pré-Ucrânia. Um espaço vital onde talvez não se vislumbrem tanques de guerra e colunas de infantaria russos, mas onde outra dimensão de projecção de poder, está, efectivamente a acontecer. Os libertários europeus serão confrontados com vários dilemas existenciais, mas para já, desenham de um modo claro, um certo fundamentalismo cego, de libertação do ónus da dívida a qualquer preço. O problema é que o valor não é determinado por vontades internas, por comissões políticas nascidas nos salões de uma Europa civilizada. Quem demonstra intenções claras e inequívocas é a Rússia. Seria bom se a Europa das liberdades e garantias calibrasse sem demoras a sua posição no contexto de ameaças que já não são externas. O triângulo das Bermudas da Europa desenha-se com duas pontas agudas que não tarda irão furar as expectativas utópicas de uma comunidade europeia de crentes que ainda acredita num regresso faustoso ao estado social e às subvenções vitalícias. O nosso futuro pode muito bem estar nas mãos de Putin e Tsipras. Os primeiros passos são sempre os mais difíceis.