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...os Estados Unidos da América são em termos internos um Estado de Direito e na esfera internacional, naquela que mais nos deveria importar, um império, talvez o mais poderoso, mesmo em termos comparativos, da História registada.
Poderemos datar o advento imperial aquando da expansão para leste e em direcção às terras que devido à herança de Tordesilhas, teoricamente coube ao então recentemente criado México independente, para logo depois, exterminados os índios e consolidada a posição hegemónica na América do Norte, passarem os EUA decididamente à expansão ultramarina, fosse ela de forma muito directa - a Guerra Espano-Americana com o prévio preparar da sempre fácil histeria da opinião pública interna através dos artifícios mediáticos de Hearst e do seu rival amarelado Pulitzer - ou de forma enviesada através da despótica suserania sobre uma infinidade de Estados central e sul-americanos a que rapidamente foi dada a sintomática e bem merecida denominação de repúblicas das bananas. Em suma, aos our son of a bitch Trujillo e Baptista, sucederam-se os inevitáveis Castro, Noriega e vários tipos de Maduro.
A lista de possessões coloniais adquiridas é longa e dispensa comentários, pois vão desde a Cuba protegida até ao 1º de Janeiro de 1959, às Filipinas, Hawai, Porto Rico e um rosário de ilhas estrategicamente colocadas no Pacífico, onde Midway é apenas mais uma entre outras. Por mero acidente da relação de mútuo interesse que decorre da Aliança Luso-Britânica, Portugal não sofreu no ocaso do século XIX o mesmo destino do seu vizinho espanhol e hoje os Açores ainda fazem parte do conjunto nacional, enquanto Cabo Verde e muito possivelmente Timor e Macau, viram chegar até ao final do século XX, a presença portuguesa que agora continua sob outra forma menos comprometedora para a reputação ditada por vendavais da história.
São estes, os factos.
Tal como durante o período que antecedeu a primeira eleição do agora constitucionalmente resignado à saída Barack Obama, as eleições presidenciais americanas e o sistema aparentemente absurdo e inextricável de selecção de candidatos a gestores de equilíbrios dos lóbis locais, não me despertou grande interesse, pois tal como dantes, o princípio da ressalva imperial é alheio à personalidade e grupos que circundam o escolhido pelo bastante volúvel colégio eleitoral. A Administração permanente existe, é inamovível, não é eleita e decide na obscuridade dos gabinetes.
Como Império, os Estados Unidos possuem interesses entre os quais o princípio do second to none é uma constante desde 1918, ano em que a passagem de testemunho foi patente aos olhos de uma Europa prostrada pela guerra que apenas beneficiou aquela potência transatlântica. Passaram então os EUA a estabelecer a aceitável forma da organização política, social, na cultura de massas, a ordem financeira e económica a nível planetário, apenas adaptando os seus ímpetos às situações criadas pela própria evolução do sistema internacional. Passaram assim por diversas fases, apenas sendo notável uma certa ausência no decorrer dos anos difíceis da Grande Depressão, quando internamente tiveram de enfrentar uma esmagadora crise social decorrente da implosão do sistema financeiro ditada pelo desvario da ganância, situação tornada insustentável pelas catastróficas consequências dos anos de seca - o chamado período da Dust Bowl - que agravam enormemente a penúria generalizada que apenas seria suprida pelo providencial desencadear da II Guerra Mundial. Daí à dominação planetária foi apenas uma questão de tempo, momento esse que chegou aos nossos dias.
America First!, o desabafo já escutado nos anos imediatamente anteriores a Pearl Harbour e que sob o patrocínio de C. Lindhberg, mobilizou uma boa parte da opinião pública americana, bem coberta pelos media.
America First! hoje novamente audível sob outro lema já ouvido há três décadas, o Great Again! um dia pronunciado por Reagan. Este Great Again! poderá muito significar para os americanos, mas não necessariamente para todos os demais que não se encontrando directamente subvencionados numa miríade de agências, empresas, think tanks e organizações sempre dispostas a servirem quem as sustenta - e aqui entra na equação a própria ONU -, normalmente se deixam hipnotizar por tudo o que a colossal eficiência da máquina cultural, no seu sentido mais amplo, difunde em termos globais. Em suma, o que é bom para eles, geralmente habituados ao let's kick some ass!, poderá não ser assim tão positivo para os demais.
Vejamos então onde de imediato poderá o mundo obter algumas concessões da Administração Trump, concessões essas que possam em simultâneo beneficiar os americanos e de uma forma bastante directa e exclusivamente em termos estratégicos - e na paz social -, o cada vez mais Velho Continente.
1. Na Europa oriental rufam em surdina os tambores de um progressivo afastamento, pois nos últimos quatro anos os riscos de conflito aumentaram exponencialmente e hoje encontramo-nos na iminência do impensável, ou seja, um totalmente desnecessário e final confronto directo com uma Rússia que inegavelmente foi humilhada. Humilhada após a queda há muito aguardada do sistema concentracionário soviético, viu todos os antigos satélites desertarem e rapidamente aderirem à NATO, quando muitos esperavam que aqueles países, tradicionalmente palco das disputas germano-russas, fossem pelo menos neutralizados. Tal não sucedeu e para isso poderosamente contribuíram as novas autoridades que durante mais de meio século sofreram em silêncio os arbítrios e abusos das forças ocupantes no pós-guerra, confirmando também infinitos casos ocorridos no passado pré-1917: a Polónia, os Bálticos e Balcãs orientais, rapidamente se abrigaram sob o guarda-chuva americano, não tendo por isso de procederem à rápida adequação das suas forças armadas às exigências impostas pelas novas doutrinas e realidades tecnológicas do sector militar. Se à questão militar passarmos a outros aspectos como os industriais, financeiros e económicos, o quadro da humilhação torna-se ainda mais notório, pois ainda há uma década a Rússia era encarada como um mero sucedâneo de um Lebensraum fornecedor de matérias primas e de mão de obra especializada e a preços sem concorrência. Bem cedo, como praticamente todas as capitais da Europa ocidental, Lisboa encheu-se de mecânicos, pedreiros, estucadores, pintores, electricistas e serventes provenientes do antigo bloco soviético. Mal pagos, relativamente mais instruídos do que nós próprios, sem papéis que legalizassem a sua situação e a tudo se sujeitando em troca da possibilidade de usufruírem da paz social, das escolas para os filhos, da assistência dos SNS, de um tecto de resguardo e refeições quentes na mesa. É a verdade que bem conhecemos e fingimos ignorar.
O advento de uma classe empresarial directamente saída dos quadros do PCUS que de forma muito célere passou a entender na perfeição as artes e artimanhas do capitalismo mais selvagem, criou um cenário de aparente opulência que naquela parte do globo já não se via desde os tempos em que a aristocracia e o empresariado do império dos Romanov passava férias na Côte d'Azur, comprava e construía palacetes em Paris e fazia compras em Viena, Berlim e Londres. Iates espampanantes recheados de garrafas de champanhe e despidas beldades mais ou menos escusas, foram notícia durante alguns anos, juntando-se ainda ao rol de extravagâncias a compra de clubes de futebol, empresas de comunicação e forte jogatina no complicado sistema bolsista ocidental. Daí ao diz-que-diz das lendas do tráfico de armas, drogas e seres humanos foi apenas um passo, pois a opacidade de uma Rússia sempre desconhecida e talvez imerecidamente imaginada sempre sob o pior dos prismas, tem sido uma constante desde que Pedro o Grande lançou a primeira pedra que ergueria nas margens do Neva, a sua capital europeia.
Urge fazer algo e de preferência, imediatamente.
Existem muito relevantes minorias russas que vivem nos Países Bálticos, minorias essas ali instaladas após o resultado de 1945 que significou antes do mais, a deslocação sem precedentes de populações inteiras no acanhado espaço continental europeu. Estaline recheou as novas conquistas com elementos populacionais que considerava essenciais à consolidação do poder russo naquela zona estratégica do Báltico que vai de Riga a uma Königsberg despojada da sua população germânica e rapidamente rebaptizada de Kalininegrado, agora transformada numa plataforma de mísseis.
Não valerá a pena negar que algo escandalosamente escondido e bastante absurdo por lá vigora, desde o afastamento dos russos da participação cívica em lugares de relevo na administração, como nas forças armadas e até, pasmemos, na própria organização residencial que ali, de Riga a Tallin ou Vilnius, reproduz quase exactamente o sonhado e falhado Melting Pot que bastante teoricamente acontece além-Atlântico. Existe, mas adequado a umas poucas comunidades.
Este é, queiramos ou não, um argumento precioso para a propaganda justificativa das acções das autoridades do Kremlin, para mais resguardadas estas pela tradicional lealdade que os russos votam por regra da história, a quem comanda em Moscovo. A U.E.+NATO, têm clamorosamente falhado na salvaguarda dos direitos daquelas minorias e este é um problema aparentemente sem solução, dada a degradação da situação geral.
2. A Ucrânia, perdida a oportunidade de suceder-lhe precisamente o mesmo que durante meio século tornou a Finlândia numa zona neutra, mas agora com a vantagem de ambos os contendores partilharem grosso modo o figurino económico-social, tornou-se num azarado mundo de erros, crimes políticos, violência, caos financeiro e ruína económica, provocando o rápido irredentismo das suas minorias nacionais, sejam elas russas, polacas ou outras que ali vivam. Não se aprendeu grande coisa com algumas das causas dos dois conflitos mundiais.
A falaciosa "perda" da Crimeia, subtracção essa que deveria ter sucedido por mútuo acordo logo na data da independência ucraniana, acabou num facto consumado após a rápida reacção do Kremlin à sugestão de Sebastopol poder vir a ser absorvida pelo tentacular sistema de bases da NATO, leia-se, dos EUA. Às contingências militares propriamente ditas, junta-se o poderoso sentimento de ultraje nacional dos russos que sintomática e perigosamente é de forma ostensiva, ignorado no ocidente.
Nem tudo está perdido, apesar do folclore mediático das Praças Maidan, das "revoluções coloridas" encenadas um pouco por todo o lado e organizadas exactamente pelos mesmos sectores. Isto propicia um fértil pasto para todo o tipo de teóricos da conspiração e o refúgio da opinião pública no medo.
Talvez seja aconselhável a nova administração americana reconhecer os factos e estabelecer com os russos, com o regime de Putin - é assim que no ocidente são designados todos aqueles ordenamentos políticos que não correspondam exactamente ao pretendido -, um modus vivendi que salvaguarde a face de americanos e de russos, em simultâneo contentando a cada vez mais subalterna Europa e garantindo em troca de certas condições escritas em formal Tratado de parceria renovada, a paz no continente e a necessária neutralidade da Ucrânia como ponto de encontro entre o ocidente e a Rússia.
Vencidos os warmongers pelo voto no ainda recentemente constituído Colégio Eleitoral, podemos estar praticamente seguros de que Putin não atacará, pois não tem razões para o fazer. Previsivelmente actuará em conformidade junto das suas coercivas milícias dispostas no terreno. O status quo territorial não é apenas desejável, como possível. Portugal, situado no centro da civilização ocidental que geográfica e culturalmente, no seu sentido mais amplo, abrange todo o espaço entre Los Angeles e o Estreito de Bering, poderá então vislumbrar com outra perspectiva o potencial da CPLP.
3. No Próximo Oriente a situação é outra, ditada pela intrincada teia de interesses que opõem iranianos, sauditas, qataris, israelitas, grandes empresas e o Dep. de Estado+Pentágono dos EUA, os turcos e os russos, aos quais se juntam as reivindicações curdas, cristãs, iazidis e o absurdo e há muito esperado despertar de um claramente criminoso jihadismo de recorte neo-medieval. A consequência? A Europa tem de lidar com o "Caso Refugiados", uma torrente humana ininterrupta que vai esvaziando não apenas as zonas de guerra, como outras situadas a milhares de quilómetros e que pouco ou nada têm directamente a ver com o conflito que há décadas decorre entre as margens do Mediterrâneo oriental e o Eufrates.
É este um cenário muito pior e mais perigoso que aquele descrito nos pontos 1. e 2. e que por si, devido ao evidente, claro e sempre politicamente correcto negado confronto de civilizações, é capaz de despoletar um embate directo num momento fortuito. Assad parece cada vez mais de pedra e cal, inamovível e inesperadamente para alguns, surge hoje como a parte essencial para o relativamente rápido resolver de um conflito que mercê dos erros crassos cometidos em Bagdade e Tripoli, tornou toda a Europa num instrumento inútil como força dissuasora e totalmente incapaz como entidade reactiva. Pior ainda, quebrou a espinha dorsal da até há pouco incondicional ou resignada solidariedade ocidental. O Brexit consiste apenas numa entre outras cada vez mais prováveis consequências.
É uma evidência a oposição de praticamente todos os países da U.E. a uma guerra com os russos e aliás, dados os resultados eleitorais, o americano que trabalha, gosta de conduzir vistosos bólides e tem de pagar contas para sustentar a família, também não a deseja. Não estamos em tempos propícios a riscos, pois estes envolvem nada mais senão o Armagedão.
Afastadas as intransigentemente sempre irascíveis Applebaum e os bem pagos tamborileiros da guerra, urge agora falar com Putin, urge falar directa ou indirectamente com Assad.
Fira-se o amor próprio em prol do interesse geral. Mas... amor próprio de quem?